Aborto: o caso Colômbia e a discussão na América Latina
Em 2022, país despenalizou a interrupção da gravidez até as 24 semanas de gestação, tendo em vista o alto número de gravidezes de crianças e casos de estupro
Por Fernanda Simas
A Colômbia, último país da América Latina a passar por um longo processo de despenalização do aborto, determinou 24 semanas de gestação como período máximo para a realização do procedimento de forma legal. Na prática, dois anos depois, o país tem um aumento da realização do aborto ainda nas primeiras semanas de gestação - uma consequência do melhor acesso a informações e serviços, segundo especialistas.
A escolha do período de 24 semanas levou em conta:
o aumento do número de gravidezes em meninas com menos de 14 anos;
a falta de segurança em casos de violência doméstica e
barreiras no acesso ao serviço de saúde em diferentes partes do país.
Para analistas ouvidos pela Carta Global, outros países da América Latina precisam discutir a questão tendo justamente a ótica social como foco e não estigmas religiosos.
“Com a mudança no acesso ao aborto (na Colômbia), tivemos um aumento de 30% nas consultas sobre o tema e foi diminuindo o número de mulheres pedindo ajuda porque encontravam barreiras (para a realização do processo)”, explica Cristina Rosero-Arteaga, assessora jurídica do Centro de Direitos Reprodutivos.
Ela fala do impacto direto da despenalização na segurança das mulheres em procurar o serviço legal rapidamente. “O que acontece é que quando a mulher tem a informação e se sente segura, vai atrás. A realização do aborto até a semana 24 é pensado para casos de meninas violadas, principalmente dentro de casa, além daquelas que têm dificuldade de acessar serviços de saúde”, afirma.
Falta de políticas públicas
O estupro contra meninas com menos de 14 anos tem crescido na América Latina como consequência direta da falta de políticas públicas. “É a única região onde a gravidez de crianças ao invés de diminuir, está aumentando. Conhecemos muitos casos de mulheres que realizaram o aborto e contam que sofriam violência (sexual) desde crianças”, diz Cristina.
No Brasil, todos os dias 26 meninas com idade entre 10 e 14 anos se tornam mães, segundo estudo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva. Entre 2011 e 2021, o país registrou 107.876 nascimentos de bebês de meninas que engravidaram com menos de 14 anos.
O Atlas da Violência de 2024 mostra que essa é a faixa etária que sofre, proporcionalmente, mais violência doméstica. A relação sexual com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável no país desde 2019.
Cristina ressalta que, apesar dos avanços, o direito ao aborto legal continua ameaçado no país. “É preciso derrubar os mitos do que faz as mulheres buscarem o aborto. Essa, geralmente, é uma decisão tomada com muita seriedade. As políticas públicas precisam incorporar a educação sexual, ainda vemos muita resistência e estigmas.”
Em casos de violência doméstica, a situação é mais delicada porque a lei ainda exige uma denúncia formal e muitas vítimas têm medo de ir até a polícia e prestar queixa.
Discussão em diversos países
O debate sobre a despenalização ou o endurecimento do acesso ao aborto tem tomado diversos países da América Latina, conforme a mudança política da vez. Neste momento, por exemplo, é um dos focos das campanhas presidenciais americanas de Joe Biden e Donald Trump.
Há dois anos, em 24 de junho de 2022, a Suprema Corte dos Estados Unidos anulou o direito constitucional à interrupção à gravidez. O tribunal, que havia sido reformulado na presidência de Trump, revogou a sentença de Roe X Wade e deixou que cada Estado legislasse sobre a matéria.
Como efeito cascata, diversos Estados passaram a proibir o procedimento. Atualmente (junho de 2024), 20 Estados do sul e do centro do país proíbem ou têm restrições ao aborto e os Estados costeiros consolidaram ou fortaleceram o direito à prática.
A poucos meses da eleição que repete o embate entre Biden e Trump, o atual presidente tem saído em defesa do direito ao aborto. Pesquisa recente da Fox News mostrou que 47% do eleitorado americano considera o tema “extremamente importante” para a escolha de seu candidato.
No Brasil, o projeto de lei 1904 ganhou destaque na disputa travada entre o Congresso e o Executivo. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação urgente de um texto que equipara o aborto a partir de 22 semanas ao homicídio - inclusive em casos de estupro.
A iniciativa levou a diversos protestos em diferentes cidades do país e a uma forte campanha online contra o novo texto. No dia 18, diante da pressão, a Câmara reverteu a decisão de acelerar a tramitação e decidiu criar uma “comissão representativa” para debater o assunto.
Vale lembrar que o aborto é permitido no Brasil em três situações, independente do tempo gestacional: quando a gravidez resulta de um estupro, se há risco de vida para a mãe e em caso de anencefalia do feto.
Ainda assim, diversas barreiras têm sido impostas para a realização do procedimento. De acordo com o Ministério da Saúde, no ano passado o país registrou 140 casos de aborto legal em meninas com até 14 anos. Em 2018, foram 60 casos.
Na Argentina, desde 2020, o aborto apenas pela vontade da mulher é legal e gratuito até a 14ª semana de gestação. Após esse período gestacional, a prática é legalizada para casos de estupro ou quando a saúde integral da mãe estiver em risco.
No entanto, com a chegada de Javier Milei ao poder, um movimento parlamentar para revogar a lei do aborto tem ganhado força, comandado pela vice-presidente, Victoria Villarruel, e apoiado pelo presidente.
No Chile, o presidente Gabriel Boric anunciou que enviará um projeto de lei para aumentar as condições sob as quais o aborto é permitido. A ideia é que o projeto seja discutido no Congresso até o final deste ano. A interrupção da gravidez é permitida desde 2017 no país, em três situações: risco à vida da mãe, inviabilidade do feto e estupro.
De acordo com o Centro de Direitos Reprodutivos, 77 países no mundo permitem a realização do aborto mediante solicitação da mãe. O limite gestacional para a realização do aborto varia nestes países, mas o mais comum é que seja até a 12ª semana. No entanto, esse limite é desconsiderado em casos de estupro ou riscos à saude ou à vida da mãe.
Em contrapartida, o aborto é totalmente proibido em 21 países, entre eles a Nicarágua e a República Dominicana.
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