Atentado na Colômbia: o fantasma da violência política e uma paz distante
Ataque a tiros contra o senador e pré-candidato presidencial Miguel Uribe Turbay faz país reviver medo vivido entre os anos 1980 e 1990
Por Fernanda Simas
Cenário político altamente polarizado, conflito armado interno, debilidade institucional. A somatória desses fatores levou a Colômbia aos noticiários internacionais mais uma vez, com a política tomada pela violência no atentado contra o senador e pré-candidato presidencial Miguel Uribe Turbay.
Há um ano das eleições, a esperança de uma paz completa se transformou em temor de que cenas das décadas de 1980 e 1990 se tornem novamente rotina no país. “Mais uma vez tentam calar com balas quem usa a palavra contra a violência”, afirma a analista política Silvana Amaya.
O uso da violência para silenciar e levar a uma ruptura democrática não seria novo na Colômbia. O atentado, com um menino de 14 anos atirando à queima roupa contra Uribe Turbay durante um ato de pré-campanha em uma praça pública, despertou o fantasma dos magnicídios que marcaram a política colombiana entre 1980 e 1990, no auge do combate aos grupos narcotraficantes.
Na ocasião, cinco candidatos presidenciais foram assassinados, entre eles Luis Carlos Galán, do Partido Liberal, e Carlos Pizarro, líder da guerrilha M-19, que havia assinado um acordo de paz com o então presidente Virgilio Barco.
O atentado contra Uribe Turbay, que até esta sexta-feira continuava em estado grave no hospital, tem um enredo muito semelhante ao vivido décadas atrás. “Miguel usava muito sua voz como principal arma de oposição”, explica Amaya. “A violência política volta a tocar as fibras da sociedade colombiana, em uma das vozes mais relevantes no Congresso.”
Mesmo fazendo parte de um partido tradicional - o Centro Democrático, do ex-presidente Álvaro Uribe, que tem apenas o mesmo sobrenome que Miguel, sem laços de parentesco - o senador Uribe Turbay representa a nova geração política colombiana. Com apenas 39 anos, ele mesmo foi uma vítima do conflito armado.
A mãe de Miguel, Diana Turbay, foi sequestrada quando ele tinha 4 anos pelo grupo controlado por Pablo Escobar. Na tentativa de resgate, o grupo a assassinou com tiros pelas costas - o caso está contado no livro Notícias de um Sequestro, de Gabriel García Márquez.
Para Sergio Guarín, analista colombiano que integrou o grupo Ideas para la Paz, não existem elementos que levem a um risco de violência generalizada como a ocorrida entre os anos 1980 e 1990. “A violência hoje é fragmentada e os grupos armados concentram seu poder no controle de territórios específicos e suas economias ilegais”, explica ele. “Durante os anos 80 e 90, dois aspectos pesavam contra a estabilidade política nacional: a expansão das Farc (maior guerrilha do país) e a guerra entre o Estado e o Cartel de Medellín. Foi nesse contexto que a política nacional se tornou refém da violência.”
Em 1993, a morte de Escobar, líder do cartel de Medellín, e a posterior pressão do governo colombiano com a ajuda dos EUA levaram à extinção do cartel. Em 2016, o segundo aspecto daquela violência parecia começar a ruir. O governo do então presidente Juan Manuel Santos assinou um acordo histórico com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Da paz a uma nova violência
A esperança de um futuro de paz foi rapidamente desfeita com a eleição, em 2018, de Iván Duque, que deixou de cumprir diversas partes do acordo de paz, o que fortaleceu as dissidências das Farc e levou a novos conflitos.
Em 2022, Gustavo Petro se tornou o primeiro presidente de esquerda na história da Colômbia e levou à presidência o projeto de paz total para o país. A ideia era realizar diversas mesas de negociação com diferentes grupos armados e a guerrilha ELN (Exército de Libertação Nacional).
Mas o que se viu foi uma disputa por território entre os grupos e a volta de uma violência, com enredo diferente daquela vivida décadas antes. (Essa reportagem que fiz em 2022 na cidade de Saravena exemplifica um pouco dessa nova dinâmica).
“Se o caso de Miguel Uribe ficar provado como um crime político detalhadamente orquestrado, mostra que há dentro dos grupos armados aqueles que se sentem verdadeiramente ameaçados pela perspectiva de uma nova mão dura”, afirma Guarín. “Também é possível que se trate de um crime para colocar pressão nas mesas de negociação”.
Atualmente, os territórios mais afetados por essa nova forma de violência são Catatumbo e Saravena, Caquetá, Guaviare e Sul de Meta, Pacífico Sul, Nudo de Paramillo, Sul de Bolívar e Magdalena Medio.
“A paz total foi um fracasso e não é possível ocorrer durante o que resta do governo Petro e todos falam que quem quer que assuma terá de ter um plano muito mais agressivo contra os grupos armados organizados”, explica Sergio Guzmán, diretor da Colombian Risk Analysis.
A violência crescente se traduz nos assassinatos de líderes sociais e comunitários. O país está vivendo sua pior crise de segurança da última década. Na terça-feira, guerrilheiros mataram cinco civis e dois policiais em cerca de trinta ataques com armas de fogo e explosivos.
Os ataques ocorreram em Cali e em povoados próximos, com tiros, carros-bomba e drones. O ministro do Interior, Armando Benedetti, disse que o governo apura se os ataques têm relação com o atentado.
Polarização e eleições
Além dessa violência, o clima de polarização é fundamental para entender os riscos sequentes ao atentado contra Uribe Turbay.
A linguagem cada vez mais bélica usada por Petro e opositores estão tornando a política em um palco de discussões e discursos de ódio. E a grande preocupação é se haverá segurança suficiente para as eleições de 2026.
“O cenário político está altamente polarizado pela atuação do presidente e da oposição, a violência política tem sido frequente no país, mas estamos vivendo um aumento disso”, afirma Guzmán. “O atentado é resultado disso. Nas vésperas de uma campanha, se espera um aumento da polarização e, assim, mais riscos para os candidatos.”
Indicação sobre o tema
Um artigo escrito por Ricardo Ávila na revista Americas Quarterly ajuda a entender a dimensão da polarização política que a Colômbia esta vivendo há um ano das eleições e as preocupações com esse cenário após o atentado contra Miguel Uribe Turbay.
Mais pelo mundo
Israel ataca instalações militares e nucleares do Irã
Após dias de incertezas, Israel atacou na madrugada (horário local) desta sexta-feira instalações militares e nucleares do Irã. Ao longo da semana, a possibilidade de uma movimentação importante no Oriente Médio estava no radar já que os Estados Unidos começaram a alertar seu corpo diplomático e seus parentes em países como Iraque a retornar ao território americano. Na quinta-feira, o Irã, por meio de uma postagem, afirmou “estamos prontos” e, mais tarde, Israel anunciou que poderia realizar ataques preventivos.
Israel lançou ataques contra quase 100 alvos no Irã, incluindo a instalação de enriquecimento de urânio de Natanz, no centro do país. O Irã informou que os ataques mataram o chefe da Guarda Revolucionária, Hossein Salami, e o principal comandante do exército iraniano, Gholam Ali Rashid, além de seis cientistas nucleares. O chefe do Estado-Maior, Mohamed Bagheri, também morreu, segundo a televisão estatal iraniana.
A República Islâmica do Irã chamou os ataques de “declaração de guerra” e prometeu retaliar. Agora, a escalada do conflito vai depender do tamanho dessa resposta. Os EUA afirmaram que não estão envolvidos nos ataques israelenses e potências mundiais pedem a desescalada.
A ação israelense ocorre em um momento de impasse nas negociações iniciadas em abril entre Washington e Teerã sobre o programa nuclear iraniano.
O Ministério da Defesa israelense declarou que os bombardeios mataram a maioria dos líderes das forças aeroespaciais da Guarda Revolucionária, a força armada ideológica da República Islâmica. A Guarda Revolucionária confirmou a morte do comandante Hajizadeh e de "um grupo de combatentes valentes e dedicados desta unidade".
A força aeroespacial da Guarda Revolucionária é responsável por monitorar o espaço aéreo iraniano e controlar o arsenal de mísseis balísticos do país.
Segundo o Exército israelense, Hajizadeh desempenhou um papel central no plano iraniano de "destruir Israel”. As Forças Armadas também declararam que "os dirigentes eliminados lideraram o ataque às instalações petrolíferas da Arábia Saudita em setembro de 2019".
Protestos em Los Angeles continuam e Trump sobe o tom para enviar mais militares
Após cinco dias de protestos em Los Angeles contra a política migratória do governo de Donald Trump, o presidente subiu o tom e afirmou que a cidade está sendo invadida por “inimigos estrangeiros”, numa tentativa de justificar o uso de forças militares federais na repressão aos atos.
Trump ordenou a mobilização de centenas de fuzileiros navais em resposta aos protestos contra as prisões de imigrantes em situação irregular no país, mesmo com autoridades estaduais da Califórnia sendo contra a iniciativa. Atualmente, 4 mil soldados da Guarda Nacional estão atuando em Los Angeles, a segunda maior cidade dos EUA.
As manifestações contra a escalada do governo Trump na questão migratória começaram na última sexta-feira na cidade que abriga milhões de residentes estrangeiros e tem uma grande comunidade latina. A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, declarou nesta terça um toque de recolher noturno “para deter o vandalismo e parar os saques".
Na semana passada, uma determinação do governo foi divulgada explicando que os agentes de migração devem prender até 3 mil migrantes por dia. Agora, 700 soldados de elite dos fuzileiros devem se juntar à Guarda Nacional e militarizar ainda mais a situação.
A prefeita de Los Angeles tem dito que a situação está sob controle e não pede a intervenção federal. Segundo o Pentágono, o envio de soldados à cidade pode custar US$ 134 milhões (R$ 744 milhões).
O governador da Califórnia, a quem Trump ameaçou prender, recorreu à Justiça nesta terça e pediu o bloqueio da ação das tropas militares. O acionamento dessas forças por parte do presidente é incomum nos EUA e os reservistas da Guarda Nacional não são mobilizados por um presidente contra a vontade de um governador desde 1965, no auge do movimento pelos direitos civis.
Em meio a essas movimentações de Trump, cresce o temor de que ele acione a Lei da Insurreição. Neste caso, teria carta branca para usar as tropas militares em todo o país.
Cristina Kirchner tem condenação por corrupção mantida pela Justiça e deve ir presa
A Corte Suprema da Argentina confirmou na terça-feira a condenação da ex-presidente Cristina Kirchner por administração fraudulenta. Ela deverá cumprir seis anos de prisão, muito provavelmente no formato domiciliar por ter mais de 70 anos, e ficará inelegível politicamente para sempre. Além disso, ela foi condenada ao confisco de 84 bilhões de pesos (R$ 400 milhões).
Kirchner foi condenada em 2022 por corrupção, pagamentos superfaturados e concessão de contratos de obras públicas na província de Santa Cruz durante sua presidência, de 2007 a 2015. “As sentenças ditadas pelos tribunais anteriores tiveram base em abundantes provas produzidas. Por isso, rejeita-se a queixa (apresentada pela defesa da ex-presidente)”, escreveu a Corte Suprema.
Logo após saber da decisão, Kirchner saiu da sede de seu partido, Justicialista, para falar com seus apoiadores. “O poder econômico pode tropeçar uma vez na mesma pedra, mas não duas. e eles sabem que somos os únicos que podemos construir uma alternativa quando isso desabar”.
Kirchner acusou os procuradores e vários juízes de parcialidade para que o governo de seu opositor, Javier Milei, pudesse torná-la inelegível.
Na semana passada, Kirchner afirmou que concorreria a uma vaga como deputada pela província de Buenos Aires nas eleições legislativas de 7 de setembro. Se a Corte Suprema não tivesse confirmado a condenação nesta terça e Kirchner vencesse a disputa, teria foro privilegiado.
A defesa de Kirchner, 72 anos, pode solicitar à Justiça o direito à prisão domiciliar que, se for concedida, pode ser cumprida em Buenos Aires ou Santa Cruz, onde a ex-presidente tem residência.
Com a decisão da Corte Suprema, Milei comemorou e postou uma mensagem em sua conta no X. “Justiça. Fim”.
Kirchner é a segunda líder argentina da democracia a ser condenada, mas, ao contrário de Carlos Menem (1989-1999), que nunca teve sua sentença de sete anos de prisão por venda de armas confirmada, é a primeira que cumprirá pena.
Entrega de ajuda humanitária em Gaza: caos e violência
A situação em Gaza continua trágica com pessoas morrendo em meio a distribuições de alimentos que são feitas pelo grupo Fundação Humanitária de Gaza - organização de origem obscura, que conta com o apoio dos EUA e integrantes do exército americano. A ONU critica o novo sistema, que entrega alimentos como macarrões, que precisam de cozimento, sem levar em conta que boa parte da população está sem acesso a água e energia.
Os pacotes de ajuda humanitária entregues pela ONU, por exemplo, contêm alimentos frescos, enlatados, farinhas enriquecidas, leite em pó e fórmula para recém-nascidos, além de itens de higiene, como absorventes, pastas de dentes e lenços umedecidos.
Diante desse cenário, ativistas decidiram criar marchas até Gaza. Nesta quinta-feira, mais de 200 ativistas de diversas nacionalidades que chegaram ao Egito foram detidos em seu hotel ou retidos no aeroporto do Cairo.
Duas ações estão previstas no Egito: o coletivo Marcha Global para Gaza, a partir desta sexta-feira com saída do Cairo, e a caravana Soumoud, que parte da Tunísia para chegar ao enclave palestino.
Cerca de 4 mil ativistas de 44 países haviam reservado voos para o Cairo com o objetivo de participar da Marcha Global, de acordo com os organizadores. O plano é viajar de ônibus do Cairo até a cidade de Arish, a 344 km da capital egípcia. De lá, os ativistas se deslocarão a pé até a fronteira do Egito com Gaza, perto de Rafah, no sul do enclave, cobrindo "50 km de marcha em três dias".
Nesta semana, o barco “Madleen” levando ajuda humanitária para Gaza foi interceptado por forças israelenses e os ativistas que estavam a bordo - 12, entre eles Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila - deportados ou detidos. Diversos grupos e líderes internacionais têm criticado o bloqueio à Gaza e as dificuldades impostas por Israel para que ajuda entre no enclave.
Grupo paralelo
O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, reconheceu o apoio do país a um grupo armado em Gaza para fazer frente ao Hamas. Ao longo da semana passada, a notícia começou a ganhar destaque, depois que o ex-ministro israelense Avigdor Liberman citou para a imprensa local que armas recuperadas por soldados israelenses das mãos dos integrantes do Hamas tinham sido entregues a tal milícia.
De acordo com a imprensa israelense e palestina, o grupo apoiado por Israel faz parte de uma tribo beduína liderada por Yasser Abu Shabab, descrito, segundo a agência France-Press, pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores (EFCR) como o líder de "uma gangue criminosa que opera na região de Rafah", acusado de saquear caminhões de ajuda humanitária.