Bukele, Noboa e a discussão sobre segurança na América Latina
Como uma das principais demandas da sociedade na região desde a pandemia vem sendo tratada nas campanhas eleitorais e colocada em prática
Por Fernanda Simas
Falar de segurança pública na América Latina tem sido sinônimo de falar de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, e sua política contra o crime organizado. Foi inspirado em Bukele que Daniel Noboa, reeleito presidente do Equador neste mês, pautou sua campanha. Agora, fica a pergunta: é possível abordar a questão sem recorrer a políticas antidemocráticas?
“Neste momento, as respostas estão mais para a política de ‘mão dura’ em El Salvador e no Equador, e mais para a linha do diálogo na Colômbia”, afirma Frédéric Massé, coordenador na Red de Monitoreo del Crimen Organizado en América Latina. “Seria possível mudar essas discussões se as posições não fossem tão marcadas ideologicamente. O tema da segurança está bastante instrumentalizado e politizado”.
Bukele iniciou sua política de segurança declarando, em 2022, estado de emergência para combater grupos criminosos e a alta taxa de homicídios. Dessa forma, prendeu cerca de 85 mil pessoas, sendo que apenas cerca de 1 mil foram condenadas formalmente.
As taxas de homicídio caíram e Bukele passou a ser considerado “exemplo” para líderes latino-americanos; agora, é ovacionado por Donald Trump.
No entanto, sua política acabou com direitos individuais no país e tem corroído a democracia por dentro. Ao nomear juízes aliados para a Suprema Corte, Bukele driblou a Constituição - que impedia dois mandatos presidenciais consecutivos - e se reelegeu em 2024.
Nas últimas semanas, o presidente ganhou destaque na imprensa internacional ao receber milhares de migrantes deportados dos Estados Unidos. Em troca de cada deportado que colocar no Cecot, a mega prisão que criou, o governo salvadorenho receberá US$ 20 mil ao ano.
E Bukele aproveita para fazer mais propaganda, postando vídeos desses migrantes sendo “recepcionados” e levados ao Cecot - que, junto ao resto do sistema carcerário, custa aos cofres do governo US$ 200 milhões anuais.
“Lamentavelmente, o modelo que mais vende e dá créditos políticos é um modelo linha dura, em particular as políticas que têm sido implementadas pelo governo Bukele”, explica Tamara Taraciuk Broner, do programa sobre Justiça da Inter American Dialogue. “Houve melhoras palpáveis na segurança para o cidadão no dia a dia, mas a um custo enorme para a institucionalidade democrática e os direitos humanos”.
Noboa e Bukele
Ainda assim, foi essa ideia de política de segurança que ganhou corpo no Equador desde 2023,quando Daniel Noboa, filho de um dos homens mais ricos do país, se candidatou pela primeira vez, para terminar o mandato iniciado por Guillermo Lasso. Na ocasião, Noboa decretou estados de exceção permanentes para enfrentar grupos de tráfico de drogas.
Agora, passados dois anos, Noboa sai vitorioso novamente. Com 56% a 45%, ele derrotou a esquerdista Luisa González. A taxa de homicídios no Equador saiu de um recorde de 47 por 100 mil habitantes em 2023 para 38 em 2024, mas segue sendo uma das mais altas da América Latina, de acordo com o grupo Insight Crime.
Ao longo de seu governo, Noboa foi apertando o cerco. No ano passado, declarou o país em conflito armado interno, podendo, então, manter os militares nas ruas com ordens para neutralizar os integrantes de cerca de 20 quadrilhas de traficantes de drogas.
Antes mesmo do segundo turno, o governo de Noboa havia restringido a entrada de estrangeiros pelas fronteiras terrestres com Colômbia e Peru, os maiores produtores de cocaína do mundo.
Internacionalmente, Noboa aproveita a crise de segurança para se posicionar como um líder conectado aos EUA, pediu ao governo Trump que reconheça as gangues equatorianas como organizações terroristas e falou em construir uma base militar americana no Equador.
No ano passado, a taxa de homicídios caiu, mas ainda é cedo para saber se isso será uma tendência e o país voltará a ser considerado uma ilha de segurança e relativa tranquilidade dentro da América Latina. Basta ver que o Equador registrou, em 2025, o início de ano mais violento, com um homicídio por hora em janeiro e fevereiro.
Outras abordagens
Sair desse ciclo e tratar o tema da segurança sem necessariamente falar de medidas que corroem a democracia e acabam com direitos é a grande dívida atual da política latino-americana.
Tamara Broner cita experiências bem sucedidas, principalmente na linha de prevenção da criminalidade, ou seja, que abordam as causas estruturais que levam à delinquência. “Na Guatemala, uma combinação de políticas de prevenção e de perseguição penal estratégica com o devido processo legal conseguiu dar resultados. Mas isso requer um consenso muito além das ideologias políticas e dos governos da vez”.
A analista toca em outro ponto essencial da discussão sobre políticas de segurança: a forma como elas são transmitidas à população. Essa questão é muito bem explorada por Bukele, Noboa e outros políticos, com vídeos de prisões, deportações e ações policiais. Mas quando olhamos para o outro lado, vemos uma grande dificuldade de governantes mais à esquerda em abordar o assunto.
“É fundamental uma política de comunicação estratégica que saiba vender políticas efetivas e democráticas. Essa é uma das grandes dívidas da nossa região para poder mostrar que a democracia pode resolver os problemas da população e, dessa forma, combater a perda da confiança do cidadão no sistema democrático”, diz Tamara Broner.
A pandemia aumentou a desigualdade social na América Latina, o que elevou as taxas de criminalidade. No mesmo período, as atividades criminosas, principalmente o narcotráfico, também aumentaram. Com isso, o tema da segurança pública se torna cada vez mais urgente na região.
“O narcotráfico continua aumentando, sejam as quantidades de cocaína exportada, ou o consumo interno”, afirma Massé. Com isso, a dinâmica do crime organizado na região não teve tantas modificações.
Mas, historicamente, a esquerda latino-americana tem dificuldade em tratar políticas mais duras para combater a criminalidade. Além disso, muitos desses políticos se formaram como oposição a regimes militares ditatoriais, ou seja, a relação com os aparatos militares é mais conturbada, o que dificulta a abordagem do assunto.
O necessário é justamente adotar políticas mais duras sem violar os direitos humanos, como ocorre atualmente com as medidas de Bukele. Temos visto, até mesmo no Brasil, uma discussão recente sobre isso. O tema continuará marcando os períodos eleitorais na região.
Indicação sobre o tema
Uma reportagem do jornal americano The New York Times do dia 19 de abril traz alguns detalhes e imagens de como é a megaprisão Cecot em El Salvador, para onde estão sendo levados migrantes deportados dos EUA. A matéria pode ser lida em espanhol ou em inglês.
Mais pelo mundo
Apagão leva caos a Portugal e Espanha
A Península Ibérica, onde estão Portugal e Espanha, sofreu nesta segunda-feira um apagão massivo e histórico e ficou horas sem eletricidade. Partes do sul da França também foram afetadas, mas a dúvida principal, até o momento de publicação desta newsletter, era o motivo do apagão.
Por volta de 12:30, horário da Espanha, oscilações levaram a uma desconexão do sistema elétrico espanhol do europeu, levando a um colapso e, consequente, apagão generalizado. De repente, os celulares perderam o sinal, os aparelhos eletrônicos desligaram e elevadores e trens pararam.
O dia foi de caos. Na Espanha, os serviços ferroviários e metroviários pararam de funcionar, os semáforos pifaram, alarmes soaram e muitas pessoas saíram às ruas com celulares buscando sinal de telefonia.
Com a falta de fornecimento externo de eletricidade, os reatores das usinas nucleares da Espanha que estavam em operação "foram desligados automaticamente", disse o Conselho de Segurança Nuclear, um procedimento padrão nessas situações.
Em Portugal, vários bairros de Lisboa foram afetados e o sistema de sinalização deixou de funcionar. De acordo com a imprensa local, pelo menos quatro trens da rede de metrô de Lisboa tiveram que ser esvaziados.
Na França, a queda de energia afetou o País Basco (no sudoeste) e durou pouco tempo.
Inicialmente se falou de algum fenômeno meteorológico raro que poderia ter levado ao apagão, mas fontes do REN desmentiram esta versão. Outra especulação é que tenha se tratado de um ciberataque.
A hipótese está sendo investigada, mas os meios europeus não tinham detalhes sobre tal possibilidade. Em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, havia afirmado na noite de segunda, na rede X, que não havia indícios de um ciberataque.
Segundo o jornal espanhol El País, a preparação e execução de um ciberataque que desligue a eletricidade de quase dois países inteiros é muito complexa e requer uma operação coordenada. “Um apagão dessa escala por meio de um ciberataque seria complicado porque existem muitas redes elétricas segmentadas”, disse Martín Vigo, especialista em ciberameaças, ao El País.
Ciberataques que tenham afetado o sistema elétrico ocorreram na Ucrânia em 2015 e 2016, tendo a Rússia como responsável.
Conclave para definir novo papa começa no dia 7 de maio
Os cardeais da Igreja Católica decidiram iniciar o conclave, ou seja, o processo de votação para escolher o sucessor do Papa Francisco no dia 7 de maio. Os cardeais ficarão trancados na Capela Sistina para eleger o novo líder espiritual de 1,4 bilhão de fiéis. Eles não poderão sair até que a fumaça branca preceda o esperado "Habemus papam".
O conclave que levou à escolha de Francisco em 2013 demorou dois dias, a mesma duração daquele que elegeu seu antecessor, Bento XVI, oito anos antes.
No sábado, o Papa Francisco foi enterrado na igreja de Santa Maria Maggiore após um adeus solene diante da presença de líderes internacionais e de 400 mil pessoas.
A data de 7 de maio foi definida na quinta reunião cardinalícia desde a morte de Francisco. Na ocasião, foram abordados "temas de particular relevância para o futuro da Igreja". "A evangelização, a relação com outras confissões, a questão dos abusos" são alguns, afirmou o Vaticano em um comunicado.
A avalanche de revelações sobre crimes sexuais do clero foi um dos desafios mais dolorosos de Francisco, que sancionou prelados e tornou obrigatório denunciar qualquer fato suspeito.
O Vaticano ainda não confirmou quantos dos 135 "cardeais eleitores" participarão do conclave. Um total de 80% deles foram designados por Francisco, muitos procedem de regiões do mundo historicamente marginalizadas pela Igreja e muitos não se conhecem.
Brics abordam guerras em Gaza, Ucrânia e tarifas de Trump em reunião
Em reunião de chanceleres dos Brics, o Brasil, que ocupa a presidência do bloco, exortou o reforço do multilateralismo como mecanismo para acabar com os conflitos na Ucrânia e em Gaza. O encontro, que ocorre no Rio de Janeiro, também terá como foco a guerra tarifária.
"Defendemos a diplomacia em vez do confronto e a cooperação em vez de unilateralismo", disse o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, na abertura do encontro no Palácio do Itamaraty, no centro do Rio. "O conflito na Ucrânia continua a causar pesado impacto humanitário, ressaltando a necessidade urgente de uma solução diplomática", acrescentou.
Os chanceleres dos países-membros do BRICS estão reunidos em preparação para a cúpula dos chefes de Estado e governo do bloco, prevista para 6 e 7 de julho, também no Rio.
O Brasil exerce este ano a presidência rotativa do bloco, formado também por China, Rússia, Índia, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Indonésia e Arábia Saudita.
A presidência brasileira do Brics também instou a "retirada total" das forças israelenses de Gaza e considerou inaceitável a obstrução da chegada de ajuda humanitária ao território palestino. "A retomada dos bombardeios israelenses em Gaza e a obstrução contínua da ajuda humanitária são inaceitáveis", disse Vieira. "É necessário assegurar a retirada total das forças israelenses de Gaza", acrescentou.
As conversas também abordarão a guerra comercial desatada pelo presidente americano, Donald Trump. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu as previsões de crescimento mundial para 2,8% para este ano, devido aos "níveis extremamente elevados de incerteza" pelas tarifas americanas e as represálias de vários países. Os chanceleres da Rússia, Sergei Lavrov, e da China, Wang Yi, estão presentes no encontro.
O bloco, que representa quase metade da população mundial e 39% do PIB global, buscará se posicionar como defensor de um comércio com base em regras diante de medidas unilaterais "de qualquer origem que sejam", assinalou aos jornalistas.