Diante de situação na Ucrânia, Europa discute rearmamento e serviço militar
Governos europeus temem novas ações russas após fim da guerra e debatem formas de incentivar jovens a se alistarem
Por Fernanda Simas
Enquanto Estados Unidos e Rússia discutem um acordo que encerre a guerra na Ucrânia, famílias e governos em boa parte da Europa debatem o retorno do serviço militar. O continente que desde o fim da Guerra Fria se via com potencial civil e tentava discutir políticas públicas e ambientais, passou a ver na guerra um sinal de alerta e encara, de forma muito mais firme desde esse ano, a possibilidade de se rearmar.
“Os europeus entenderam que a realidade da guerra não desapareceu como imaginaram e não podem mais contar com os EUA como protetores”, explica o professor de relações internacionais da ESPM-SP Gunther Rudzit. “Agora, estão correndo contra o tempo para ter a mínima capacidade militar para dissuadir uma possível invasão russa aos países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia)”.
Segundo serviços de inteligência europeus e americano, entre quatro e cinco anos após o fim da guerra na Ucrânia, a Rússia terá recuperado sua capacidade militar, a dúvida é se a Europa estará preparada para dissuadir Moscou e como a população europeia vai encarar essa realidade.
De acordo com analistas, quanto mais ao leste da Europa, maior a sensação de que o avanço russo corresponde a uma ameaça. Mas, segundo institutos de pesquisa europeus, entre 75% e 80% da população já apoia uma política comum de segurança e defesa.
Uma pesquisa realizada em nove países da União Europeia e publicada pela revista francesa “Le Grand Continent” nesta semana mostrou que 51% dos entrevistados acredita que há um risco “elevado” ou “muito elevado” de que a Rússia entre em guerra com seu país nos próximos anos. A pesquisa incluiu França, Alemanha, Itália, Espanha, Polônia, Portugal, Croácia, Bélgica e Países Baixos.
A percepção de risco muda em razão do passado de cada país. Enquanto os países bálticos têm uma memória recente de invasões, Espanha e Portugal têm a memória de ditaduras sanguinárias. Em comum, está a certeza de que os os EUA já não são uma rede de proteção aos europeus e a Segurança tem um custo, principalmente levando em conta que as forças militares estavam muito desvalorizadas.
Com isso, governos europeus avaliam como destinar verbas para aumentar o orçamento militar e criam planos de incentivo a jovens que prestem o serviço militar. Os jovens que cresceram em um cenário de paz, mas, também, de dificuldades econômicas, agora encontram no serviço militar a opção de um salário mais digno, por exemplo.
Ações em andamento
Na Alemanha, o governo de Friedrich Merz aprovou uma lei determinando que, a partir do ano que vem, todos os jovens nascidos a partir de 2008 receberão um questionário oficial no qual serão perguntados se estão dispostos a prestar o serviço militar. Além disso, um exame médico vai mostrar as capacidades físicas e psicológicas de cada um.
A meta do governo alemão é que o número de soldados na ativa aumente 40% até 2035 e os reservistas passem dos 100 mil para 200 mil. Para atrair os jovens, o governo promete ao menos 2,6 mil euros ao mês.
Na França, o presidente Emmanuel Macron fez um anúncio recente sobre a volta do serviço militar voluntário em um quartel. Desde 1996, esse assunto não era abordado no país.
Na Espanha, o tema ainda é considerado desnecessário e o retorno do serviço militar está descartado. Legalmente, o serviço militar foi suspenso no país, então pode ser retomado, mas não está nos planos do governo de Pedro Sánchez já que o país fica do outro lado da Europa.
A Polônia, depois dos países bálticos, é a maior preocupada com o avanço russo. Além da proximidade com o território russo, o país tem cerca de 23% da população com dupla nacionalidade (polonesa e russa), como ocorria na Ucrânia.
“A Europa tem vontade e os governos estão mobilizando recursos, mas a capacidade europeia de reorganizar esses recursos pode levar muito tempo”, avalia Rudzit. “Com isso, poderemos ver um Putin mais assertivo e disposto a elevar o jogo, correndo riscos a mais, principalmente nos três países bálticos.”
A guerra híbrida em vigor pressiona ainda mais os governos europeus a dar uma resposta.. Não são tanques, mísseis ou tropas assombrando os países da região, mas ciberataques, campanhas de desinformação e até a passagem de drones pelos céus europeus.
Uma recente explosão em uma linha de trem que liga Varsóvia a Lublin, na Polônia, foi tratada pelo primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, como um ato de sabotagem. A linha é uma importante rota de envio de ajuda à Ucrânia e analistas poloneses quase não têm dúvidas de que Moscou está por trás da ação.
Para o professor Rudzit, os casos acendem o alerta dos governos europeus, mesmo sendo muito difícil provar que têm origem na Rússia. “A quantidade de drones que aparecem sobrevoando aeroportos da Europa ocidental, de navios russos ou chineses que a âncora caiu por acidente, rompendo cabos de energia e comunicação... Na Alemanha, um prédio com equipamentos militares que seriam enviados para a Polônia, pegou fogo do nada”, afirma.
Acordo em construção
Em meio a essa tensão, o governo de Donald Trump tenta mediar mais um acordo para chamar de seu e encerrar a guerra na Ucrânia, mas, até agora, as propostas apresentadas foram consideradas muito pró-Moscou e só alarmam ainda mais a Europa. A proposta previa que a Ucrânia cedesse territórios que a Rússia não conseguiu conquistar no campo de batalha em troca de promessas de segurança que não alcançavam as aspirações de Kiev de aderir à Otan.
“Trump prometeu acabar com essa guerra e quer isso a qualquer custo ou ficará desmoralizado psicologicamente e perante aos eleitores dele”, explica Rudzit, ressaltando que outros pontos eram preocupantes na versão inicial do plano de paz proposto: a diminuição do exército ucraniano e a impossibilidade de estacionar tropas estrangeiras na Ucrânia.
Neste sábado, delegações ucranianas e americanas realizaram seu terceiro dia de conversas sobre o plano de Washington. Enquanto isso, Moscou lançou mais de 700 drones e mísseis contra instalações energéticas e ferroviárias da Ucrânia, deixando milhares de famílias sem calefação e água corrente.
O podcast do jornal El País trouxe nesta semana um episódio com conversas com cidadãos de França, Espanha e Alemanha sobre como enxergam a possibilidade de terem de se alistar ao serviço militar e a atual relação com a Rússia.
EUA adotam novas medidas contra migrantes
Os Estados Unidos suspenderam as solicitações de cidadania e residência para migrantes de 19 países, entre eles Cuba, Haiti e Venezuela, em uma medida que intensifica a política anti-imigração do presidente Donald Trump.
Cuba vive sob embargo comercial americano há mais de seis décadas, e o Haiti, país mais pobre das Américas, vive uma crise humanitária sem precedentes em consequência da violência de gangues. A Venezuela é palco de tensões crescentes com Washington desde ao menos setembro.
A medida do governo Trump também afeta cidadãos de Afeganistão, Irã, Somália, Sudão, Iêmen, Mianmar, Burundi, Chade, República do Congo, Guiné Equatorial, Eritreia, Laos, Líbia, Serra Leoa, Togo e Turcomenistão.
Trump voltou à Casa Branca prometendo deportar milhões de migrantes. Como parte dessa estratégia, autoridades federais pretendem iniciar uma grande operação de controle da imigração em Minnesota - como tem ocorrido em outros Estados americanos.
Na sexta-feira, a Suprema Corte dos EUA decidiu revisar a constitucionalidade da proposta de Trump para pôr fim ao direito à cidadania americana por nascimento. Vários tribunais inferiores tinham bloqueado a tentativa de Trump de eliminar a lei que contempla que todas as pessoas nascidas em território americano obtêm automaticamente a nacionalidade.
O decreto proposto por Trump impede o governo federal de emitir passaportes ou certificados de cidadania para crianças nascidas nos Estados Unidos cuja mãe resida ilegal ou temporariamente no país e cujo pai não seja cidadão americano ou residente permanente.
Catar e Egito pedem segunda fase de cessar-fogo na Faixa de Gaza
Catar e Egito, que foram mediadores no conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, pediram no sábado a retirada das tropas israelenses do território palestino e o envio de uma força internacional para aplicar integralmente a trégua acertada há cerca de dois meses.
Na segunda fase do acordo, Israel deve retirar-se de suas posições no território palestino e também está prevista a criação de uma autoridade interina e o desdobramento de uma força internacional de estabilização (ISF, na sigla em inglês), além, claro, do desarmamento do Hamas.
O grupo terrorista afirmou que está disposto a entregar suas armas a uma autoridade palestina que governe o território, com a condição de que termine a ocupação pelo Exército israelense.
Países árabes e muçulmanos têm mostrado relutância em participar da força internacional de estabilização porque poderia ter que combater com milicianos palestinos.
O plano de 20 pontos apresentado inicialmente por Washington fala que o Hamas deveria entregar suas armas, mas o grupo tem rejeitado repetidamente.
A Turquia indicou que deseja participar na força de estabilização, mas seus esforços são vistos com maus olhos em Israel, que considera que o governo turco está muito próximo do Hamas.
EUA alertam americanos para deixarem a Venezuela em meio a aumento da tensão
O governo dos Estados Unidos alertou nesta semana que cidadãos americanos deixem a Venezuela o quanto antes, alegando o risco de prisões arbitrárias e da violência narcoterrorista. Jornais americanos afirmam que Washington já cogita ataques a autoridades venezuelanas.
A tensão entre os dois países tem aumentado desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. O presidente americano determinou, em setembro, uma guerra às drogas, classificou grupos narcotraficantes como narcoterroristas e iniciou uma campanha militar as águas do Caribe,
Nos últimos meses, o governo Trump tem deixado claro que alguma ação contra a Venezuela será feita. Enquanto isso, Nicolás Maduro recruta mais soldados e pede o reforço do alistamento militar.





