Eleição na Venezuela: o futuro do chavismo e o papel dos militares
Analistas enxergam momento decisivo para eventual mudança política no país e observam como deve ser a atuação das Forças Armadas
A eleição deste domingo, 28, na Venezuela é chave para entender o papel das Forças Armadas em relação ao chavismo -- além de, claro, indicar qual o rumo que o país vai tomar. Segundo analistas, um caminho é a mudança política, e o outro é trilhar os passos da Nicarágua. E tudo isso em um contexto internacional de rusgas entre o presidente Nicolás Maduro e líderes da esquerda latino-americana.
Há 25 anos no poder, o chavismo parece estar, pela primeira vez, ameaçado de perder espaço e influência. A coalizão opositora Plataforma Unitaria anima eleitores a saírem para votar. No entanto, apesar de pesquisas mostrarem uma possível vitória da oposição, analistas internacionais são céticos em cravar que isso vai acontecer e o chavismo vai permitir ou aceitar a derrota.
“Temos as mesmas deficiências e vícios das (eleições) anteriores, não são eleições limpas. Basta lembrar que Maria Corina Machado não está concorrendo”, afirma Erik Del Bufalo, professor da Universidade Simón Bolívar, na Venezuela. “O que parece é que agora há mais entusiasmo da população, mais vontade de votar”.
Corina Machado é uma liderança opositora conhecida na Venezuela. Foi deputada, filha de empresários e com linha política considerada ultraliberal. Em 2015, teve início um processo contra ela e, como resultado, recebeu uma pena de 15 anos sem poder exercer cargos públicos. A sentença foi divulgada em junho de 2023.
Após a inabilitação política de Corina Machado, ela passou a percorrer o país fazendo campanha para seu candidato, Edmundo González Urrutia, e busca a terceira vitória da oposição nestes 25 anos. Em 2007, os opositores saíram vitoriosos de um referendo para reformar a Constituição, que foi rejeitado, e, em 2015, alcançaram maioria absoluta no Parlamento.
“O controle do Estado sobre todos os poderes públicos e a existência de mecanismos de repressão inibiram a população e a liderança opositora de exercerem seus direitos civis e políticos. Isso gerou um grande descontentamento nas últimas eleições”, afirma Nicole Hernández, pesquisadora do Cepaz, Centro de Justicia e Paz.
Para ela, a situação é diferente nesta eleição em razão da postura da população. “Ainda que as barreiras para o exercício livre dos direitos continuem existindo, a percepção da população mudou com relação ao exercício de seu direito de participação. A apropriação que a população sente dessas eleições é verdadeiramente diferente das anteriores.”
Papel dos militares
Mesmo a situação sendo descrita pelos venezuelanos como diferente e decisiva, o Cepaz alerta para os riscos de censura e violência política, com detenções arbitrárias, intimidações, ameaças e ataques a jornalistas no dia da votação. Surge, então, a pergunta sobre o papel das Forças Armadas.
Maduro repetiu em diferentes discursos na reta final da campanha que os militares estão ao lado do chavismo. González pediu que as Forças Armadas cumpram seu papel assegurando um dia de votação tranquilo e o respeito ao resultado das urnas.
A postura dos militares pode ser decisiva principalmente depois dos resultados deste domingo. Para Alberto Ray, especialista em Segurança venezuelano e analista no The Risk Awareness Council, Maduro vem perdendo poder de forma progressiva e isso influencia a maneira de ação das forças militares.
“Acredito que ninguém vai sair para defender Maduro. A parte dos militares mais radical vai defender sua própria posição, negociar para não cair, não ser presa, e não defender Maduro. Mas acredito que os militares vão entender seu papel institucional e vão respaldar o que decidir a maioria”, acredita Ray.
As Forças Armadas da Venezuela foram batizadas como bolivariana pelo ex-presidente Hugo Chávez e sempre foram um pilar do chavismo. Em 1999, Chávez realizou uma reforma constitucional que deu o voto aos militares e, paralelamente, os colocou em posições-chave de instituições estatais, principalmente na indústria petrolífera.
“Tudo parece indicar que os altos comandos das Forças Armadas seguem fiéis a Maduro, independente se ele ganhar ou perder as eleições. O que não sabemos é se nos quadros médios e baixos, essa fidelidade é igual. Se houver uma ruptura militar, o que vejo como pouco provável, será nesses quadros”, explica o professor Del Bufalo.
Em 2020, as Forças Armadas do país tinham 343 mil integrantes, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), tamanho semelhante às forças do México (com 341 mil). Atualmente, os militares controlam 12 dos 34 ministérios venezuelanos, entre eles os de Energia, Defesa e Comércio.
Renata Segura, do centro de reflexão International Crisis Group, afirmou à agência France-Press que as Forças Armadas são como "a caixa-preta mais desconhecida da Venezuela". "Se a oposição vencer, será um ator decisivo, seja para pressionar o governo a aceitar o resultado, seja para sair e reprimir se houver protestos."
Rusgas internacionais
Nos últimos dias, mais um ingrediente foi apontado pelos analistas como sinal de desespero de Maduro: as rusgas com lideranças da esquerda latino-americana.
A troca de farpas entre o presidente venezuelano e o brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, não é novidade. Mas foi agravada quando Maduro questionou a lisura do processo eleitoral brasileiro e, posteriormente, afirmou que haveria um “banho de sangue” na Venezuela caso saia derrotado domingo.
Lula e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reagiram. O presidente afirmou ter ficado “assustado” com as declarações do colega venezuelano. A corte eleitoral decidiu não enviar mais observadores para a votação de domingo.
Um dia depois, o ex-presidente da Argentina Alberto Fernández afirmou ter sido desconvidado pela Venezuela para estar presente na votação, justamente por ter apoiado a declaração de Lula. Por último, nesta quinta-feira, foi a vez do presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmar que Lula estava certo e “não se pode ameaçar com banho de sangue” uma população.
“Acredito que a Venezuela se encaminha para um modelo igual ao da Nicarágua, completamente isolado”, afirma Del Bufalo. “A esquerda latino-americana se distanciou muito do chavismo, que virou uma vergonha.”
Resultados e migração
O resultado deste domingo pode ser determinante, também, para a situação migratória na região. De acordo com pesquisas, ao menos 20% da população que continua vivendo na Venezuela fala em deixar o país caso Maduro saia vitorioso da votação.
“A eleição do dia 28 é, para muitos, a última esperança para permanecer no país. Do contrário, sem mudança política, eles tomarão a decisão de buscar melhores condições de vida no exterior”, diz Hernández, a pesquisadora do Cepaz. “As pesquisas mais conservadoras falam da intenção de migrar de 25% da população, outras falam em 40%.”
A economia venezuelana teve uma leve recuperação no último ano, após uma contração de 80% do seu PIB entre 2014 e 2020 e quatro anos consecutivos de hiperinflação. O governo Maduro culpa as sanções impostas pelos Estados Unidos.
Diante desse cenário, cerca de 7 milhões de pessoas saíram da Venezuela na última década, fugindo da crise econômica e humanitária. Muitos deles foram para outros países da América do Sul ou atravessaram a perigosa selva do Darién em direção aos Estados Unidos.
A partir dos resultados deste domingo, novas perguntas precisarão ser respondidas:
- Se González vencer, Maduro vai reconhecer e permitir uma transição de poder?
- Como ficará a estrutura das Forças Armadas e dos grupos paramilitares na Venezuela?
- E como fica a relação do governo, seja o chavismo ou a oposição, com os outros países latino-americanos?
Continue acompanhando essas consequências aqui na Carta Global.
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