Eleições na França: avanço da extrema direita X ingovernabilidade
Partido de Macron e grupos de esquerda tentam ofensiva para barrar chegada do grupo de Marine Le Pen
Por Fernanda Simas
A França define neste domingo, 7, seu futuro político no segundo turno das eleições legislativas, marcadas pelo avanço já certo da extrema direita. Dois cenários são os mais prováveis para a votação, ambos preocupantes para o país e a Europa, afirmam analistas.
O país chamado de berço da democracia está diante ou de uma maioria absoluta da extrema direita no Parlamento, ou de um contexto de ingovernabilidade. Vale lembrar que a última vez que o país passou por uma eleição legislativa no meio de um mandato presidencial foi em 1995.
“Geralmente, a eleição legislativa era um repeteco da presidencial, muita gente nem ia votar. Agora, as pessoas sentem que esta é uma eleição importante para os rumos do país”, explica Thomás Zicman de Barros, pesquisador da Sciences Po, em Paris. Ele afirma que a extrema direita terá o maior grupo parlamentar, salvo “aconteçam coisas muito estranhas”.
A grande questão é quão grande será essa maioria e quão prejudicado sairá o presidente Emmanuel Macron (de centro) dessa votação. Para um grupo político obter maioria absoluta no Parlamento, precisa de 289 cadeiras.
No primeiro turno, o Reagrupamento Nacional, da extrema direita, e seus aliados tiveram 33,1% dos votos. O grupo que reúne diferentes partidos de esquerda, Nova Frente Popular, ficou em segundo, seguido do grupo de centro do presidente Macron, o Renascimento.
Resultados possíveis
Se a extrema direita obtiver maioria absoluta, deve indicar Jordan Bardella como primeiro-ministro e a França passaria a ter um governo de coabitação, ou seja, com o presidente de um partido e o premiê de outro.
Colocando de forma simples, o presidente é responsável por toda política externa e Defesa e o primeiro-ministro cuida da política interna da França.
Outro resultado possível é nenhum partido obter maioria absoluta de assentos. “Nenhum grupo tendo maioria, se não for feita nenhuma aliança, o país se torna ingovernável. O governo não pode ter 289 deputados contra ele porque isso poderia derrubar o premiê”, diz Zicman.
Por essa razão, começaram discussões na França na semana passada sobre como formar uma maioria absoluta por coalizão.
O pesquisador da Sciences Po explica que, olhando pela ótica da extrema direita, se o partido ficar muito próximo dos 289 deputados, pode tentar negociar com a direita tradicional. “Se precisarem de muito mais do que 20 deputados, fica muito difícil negociar.”
Um dos fatores que tornam possível a extrema direita não chegar aos 289 parlamentares é o movimento da esquerda e do centro chamado barragem, usado nas disputas de segundo turno com três ou mais candidatos - caso de ao menos 311 distritos. O acordo é: nos distritos onde o centro tiver mais chance de ganhar, a esquerda retira sua candidatura, e vice-versa.
Até o fim de semana, pelo menos 210 desses movimentos foram anunciados. “Como houve muita desistência, e supondo que os eleitores se comportem como se comportavam no passado, talvez eles (extrema direita) não consigam a maioria absoluta”, diz Zicman.
Nesse cenário, Macron também deve correr para formar alianças e tentar, ele, apresentar uma maioria e poder indicar o novo primeiro-ministro. Essa aliança pode ser construída com partidos de esquerda - lembrando que Macron já sinalizou que não fará acordos com a extrema esquerda.
Outra opção seria construir uma aliança com partidos da esquerda tradicional e da direita tradicional.
Neste caso, Zicman ressalta, seria praticamente impossível ter um plano de governo que atendesse aos grupos que fazem parte da maioria.
Macron debilitado
Em todos esses cenários, Macron sai enfraquecido e corre ainda o risco de ver sua presidência inviabilizada - caso o país fique ingovernável -, o que pode levar a eleições presidenciais antecipadas.
O presidente surpreendeu os franceses ao convocar eleições parlamentares antecipadas após a derrota de seu grupo político nas eleições europeias.
Mas, segundo Zicman e diversos analistas franceses, a movimentação foi um erro estratégico. “Foi uma estratégia que mesmo os aliados dele têm dificuldade de entender.”
Antes destas eleições, o partido de Macron tinha 169 deputados na Assembleia Nacional e o RN, 88.
Europa também sai perdendo
Independente do resultado deste domingo, a França, saindo mais frágil, deixa a Europa em posição mais frágil. Atualmente, França e Alemanha são as duas grandes lideranças europeias, num contexto internacional de avanço do extremismo, do nacionalismo e possíveis guerras comerciais.
“Uma França ingovernável, ou com uma tensão entre presidente e premiê, enfraquece o bloco, tira dele uma direção. Macron era a principal figura da União Europeia desde que (a ex-chanceler alemã) Angela Merkel se aposentou. Com o Macron enfraquecido, a Europa fica um pouco acéfala num momento em que ocorre uma guerra nas fronteiras da Europa, na Ucrânia”, conclui Zicman.
Mais pelo mundo
Trabalhistas voltam ao poder no Reino Unido
O Partido Trabalhista voltou ao poder no Reino Unido após 14 anos e o novo primeiro-ministro, Keir Starmer, já deu por encerrado o plano de deportar imigrantes a Ruanda, justificando que a ação não teve o efeito dissuasório prometido pelo ex-premiê, o conservador Rishi Sunak. De acordo com dados citados por Starmer, nos seis primeiros meses de 2024, 13.500 imigrantes cruzaram o Canal da Mancha.
Para tratar da imigração, o novo primeiro-ministro anunciou a criação de Conselho de Segurança de Fronteiras com a intenção de combater as máfias que atuam com tráfico de imigrantes.
“Teremos que tomar medidas duras e teremos que adotá-las rapidamente. Faremos isso com a maior sinceridade”, declarou Starmer à imprensa após a primeira reunião com seu gabinete.
O primeiro-ministro chega ao cargo com forte legitimidade, após a vitória de quinta-feira, na qual os Trabalhistas conseguiram 412 cadeiras no Parlamento. Os Conservadores, agora, possuem 121 cadeiras.
Starmer deve viajar nas próximas semanas para os Estados Unidos para participar da cúpula da OTAN e deverá reafirmar seu compromisso com aliados, como a Ucrânia.
Irã elege reformista como novo presidente
O reformista Masud Pezeshkian é o novo presidente do Irã. O médico de 69 anos foi eleito na sexta-feira por 53,6% dos votos, retratando o medo da população iraniana com a possibilidade do candidato da linha-dura do regime, Saeed Jalili, se tornar o novo líder do país.
Jalili se opunha a qualquer aproximação com o Ocidente e era partidário da imposição policial do uso do véu.
O segundo turno das eleições teve a participação de 49,9% dos eleitores, o que quebrou o ciclo de recordes de abstenção que vinham ocorrendo desde as votações de 2020.
As eleições ocorrem em razão da morte do ultraconservador Ebrahim Raisi em um acidente de helicóptero em maio, em um momento de críticas ao regime e forte crise econômica.
Entre setembro de 2022 e fevereiro de 2023, o país viveu uma onda de protestos após a morte da jovem curda Mahsa Amini, detida por usar o véu de forma errada. As manifestações terminaram com a morte de 550 pessoas.
O Irã tem hoje uma inflação de mais de 40% e se vê envolvido com a guerra de Israel em Gaza e com as tensões entre o Exército israelense e a milícia xiita Hezbollah, no Líbano.