Eleições no Chile: insegurança, guinada à extrema direita e a busca por novos votos
Comunista Jeannette Jara sai na frente, mas vencer o representante da ultradireita Kast é tarefa difícil diante da decepção com governo atual
Por Fernanda Simas
Após um primeiro turno presidencial que girou em torno da insegurança no Chile, as campanhas da candidata de esquerda Jeannette Jara e do candidato de direita José Antonio Kast correm para conseguir os votos depositados nos outros competidores. Nesse sentido, Kast sai na frente.
A direita chilena optou por não realizar primárias este ano, por isso se dividiu e teve três candidatos presidenciais. A esquerda, por outro lado, elegeu Jara nas primárias e enfrenta a dificuldade de atrair mais votos até o dia 14 de dezembro, quando ocorre o segundo turno. Ela saiu vitoriosa do primeiro turno, mas como uma diferença de apenas 2,9 pontos percentuais, e analistas avaliam que as chances de se tornar a presidente do Chile são muito pequenas.
Os candidatos Johannes Kaiser e Evelyn Matthei, que ficaram em quarto e quinto lugares, também representando a direita, declararam apoio a Kast logo no domingo. O fundador do Partido de la Gente, Franco Parisi surpreendeu ao chegar em terceiro lugar na disputa, com 19% dos votos, mas não declarou apoio. É justamente atrás desse eleitorado que Jara corre.
Outro ponto a favor de Kast é o resultado histórico de ultradireita de forma geral nas eleições. Juntos, Kast e Kaiser tiveram 37,8% dos votos (23,9% e 13,9% respectivamente), enquanto a direita tradicional obteve, com Matthei, 12,4% dos votos. No Congresso, o partido de Parisi saltou de 6 para 14 deputados. As duas Casas antes controladas pela centro-direita agora terão maioria da direita.
Na Câmara dos Deputados, os partidos de direita contarão com 76 dos 155 assentos, de acordo com a contagem oficial do Serviço Eleitoral. No Senado, as forças de direita obtiveram 25 cadeiras, frente às 23 que terão os partidos de esquerda.
Insegurança e decepção
A explicação para essa guinada à extrema direita no Chile - país que alternava o poder de forma mais estável - está na crise de segurança. Embora ainda seja um dos países mais seguros do mundo, o Chile vive o aumento da delinquência.
Os homicídios aumentaram 140% na última década, passando de uma taxa de 2,5 para 6 para cada 100 mil habitantes em 2024, segundo o próprio governo. No ano passado, o Ministério Público relatou 868 sequestros, um aumento de 76% em relação a 2021.
A percepção de insegurança é tão grande e a decepção com o governo de Gabriel Boric tão alta, que Kast estrategicamente se esquivou de falar das motivações de defender o legado da ditadura de Augusto Pinochet e as liberdades individuais. Os temas que levaram à sua derrota diante do atual presidente nas eleições passadas.
Como solução para a criminalidade, Kast promete criar um escudo fronteiriço e controlar a migração, inclusive expulsando migrantes do país. “A oposição derrotou hoje um governo fracassado, mas a única vitória real será quando derrotarmos o crime e o narcotráfico, e fecharmos nossas fronteiras”, afirma o candidato.
Uma vitória de Kast levaria ao poder um governo de extrema direita pela primeira vez no país desde o fim da ditadura Pinochet.
O caminho do Partido Comunista
Jara representa uma coalizão de centro-esquerda e recorre à mensagem de que o medo não é o caminho que deve ser seguido no Chile. “Não deixem que o medo congele seus corações. Não vale a pena. O medo deve ser combatido dando mais segurança às famílias”, afirma a candidata.
A candidata do Partido Comunista não conseguiu dar luz aos programas sociais que pretende implementar em caso de vitória e teve de voltar as atenções a estratégias de combate à criminalidade. Jara tenta, ainda, recuperar o sentimento que levou Boric ao poder após o levante social de 2019 e assegura que se concentrará na perseguição das finanças do crime organizado, com estratégias como o fim do sigilo bancário.
Para fazer frente ao oponente, deixou de usar um tom mais ameno e passou para o ataque. “Acho que (Kast) é uma pessoa autoritária, que desrespeita quem pensa diferente”, afirmou. A candidata esquerdista também afirmou que, nos 16 anos em que foi deputado, Kast não conseguiu passar “nenhuma lei que tenha feito o Chile avançar”.
Na segunda-feira, Jara garantiu que fortalecerá as forças policiais, recuperará os bairros dominados pelo crime organizado e voltou a enfatizar que perseguirá “o dinheiro sujo” ligado ao narcotráfico mediante o levantamento do sigilo bancário. “Eu me pergunto, por que Kast se opõe ao levantamento do sigilo bancário? Quem não deve, não teme”, disse.
“Aí deixo algumas ideias para que vejamos a diferença entre aqueles que realmente temos a mão dura”, acrescentou. Na ocasião, ela verbalizou que adotará propostas do economista Parisi e de Matthei.
O resultado eleitoral das eleições legislativas do Chile é consequência direita da crise de segurança no país. Situação semelhante tem sido vista em diferentes países da América Latina. E a dificuldade da esquerda em lidar com esse tema faz com que perca espaço tanto no Legislativo quanto no Executivo. O episódio do dia 18 de setembro do podcast Americas Quarterly traz exatamente o tema “ Como a criminalidade tem afetado a política latino-americana. Uma boa análise e discussão sobre o tema que promete estar presente em outras eleições da região.
O revés de Noboa no Equador: população diz não a base estrangeira
O presidente Daniel Noboa sofreu um grande revés no Equador domingo ao perder, em referendo, a possibilidade de reinstalar uma base americana em Manta, como estava em seus planos. Desde o início da ofensiva americana no Caribe, o presidente equatoriano afirmou que estava disposto a ter novamente uma base militar dos EUA em seu território.
O tema - a volta de bases estrangeiras no Equador - foi uma das perguntas do referendo realizado domingo no país e recebeu mais de 61% dos votos “não”. Noboa foi reeleito em abril e tentava estreitar os laços com o governo de Donald Trump.
As bases militares estrangeiras estão proibidas no Equador desde 2008. De acordo com organizações humanitárias, a base de Manta era usada para aviões americanos detectarem barcos com drogas ou imigrantes e, depois, afundá-los ou danificá-los.
Noboa acreditava que conseguiria o “sim” da população diante da aprovação de sua política contra criminalidade. No ano passado, o presidente colocou militares nas ruas e prisões do país e aumentou os impostos para financiar a luta contra narcotraficantes e gangues.
Contudo, o Observatório do Crime Organizado informou que o país deve fechar 2025 com uma taxa de homicídios próxima a um novo recorde: 52 para cada 100 mil habitantes.
As outras três perguntas do referendo também foram rejeitadas pela população: a redação de uma nova Constituição recebeu 61% dos votos “não”, a redução à metade do número de congressistas, 53% dos votos “não” e encerrar o financiamento estatal dos partidos políticos, 58% de “nãos”.
A proposta de mudar a Constituição veio após a Corte Constitucional vetar projetos de Noboa como a castração química de estupradores e a vigilância de cidadãos sem ordem judicial.
ONU aprova plano de paz de Trump para Gaza, mas ataques continuam
O Conselho de Segurança da ONU aprovou nesta semana, com 13 votos a favor e duas abstenções - de Rússia e China -, a resolução dos Estados Unidos que reforça o plano de paz do presidente Donald Trump para a Faixa de Gaza, incluindo o envio de uma força de paz ao território e um caminho para um futuro Estado palestino.
A resolução aprovada determina a retomada da entrega de ajuda humanitária em larga escala por meio da ONU, da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e autoriza a criação da Força Internacional de Estabilização, que trabalharia com Israel, Egito e policiais palestinos para ajudar a proteger as áreas fronteiriças e desmilitarizar a Faixa de Gaza.
O Conselho de Paz, espécie de governo transitório, teve autorização para ser criado e deve ter mandato até o fim de 2027 para governar Gaza. Além disso, o documento menciona a criação de um Estado palestino.
Mesmo depois da aprovação da resolução, as violações ao cessar-fogo continuaram. Segundo a Defesa Civil de Gaza, 27 palestinos morreram em bombardeios israelenses próximos a Khan Yunis e na Cidade de Gaza. O Exército de Israel afirma ter realizado ataques pontuais em represália a violações da trégua pelo Hamas.
Desde o início do cessar-fogo, em 10 de outubro, mais de 280 palestinos morreram, segundo o Ministério da Saúde do enclave palestino, comandado pelo Hamas. O pacto também previa a libertação de 20 reféns capturados pelo Hamas durante os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 e a devolução dos 28 corpos dos reféns mortos. O grupo precisa devolver, ainda, três corpos.
Protestos da Geração Z chegam ao México diante dos casos de violência
A onda de protestos convocados por representantes da Geração Z - pessoas com menos de 28 anos - chegou ao México e desafia o governo de Claudia Sheinbaum após ter tido fortes repercussões no Nepal, Peru e Marrocos, por exemplo. Milhares de manifestantes marcharam no sábado contra a violência e a política de segurança do governo, mas, segundo analistas, o movimento é mais diverso e chega a flertar com a ultradireita regional, sem uma ideologia clara.
Como nos outros países, a manifestação foi convocada pelas redes sociais por representantes da Geração Z, mas os protestos continham pessoas de diversas idades. A presidente do México questionou os chamados para a manifestação. “É um impulso, promovido inclusive do exterior, contra o governo”, disse Sheinbaum.
No poder desde 1º de outubro de 2024, Sheinbaum tem níveis de aprovação superiores a 70%, mas enfrenta críticas por sua política de segurança por conta dos assassinatos de alto perfil ocorridos principalmente no Estado de Michoacán.
O assassinato do prefeito de Uruapan, em Michoacán, Carlos Manzo parece ter sido o estopim para a convocação do protesto. Ele foi morto a tiros em um evento público no dia 1 após ter liderado uma cruzada contra o crime organizado na região.
Na quarta-feira, um dos autores intelectuais do crime foi preso.
Em Michoacán, operam cinco grupos narcotraficantes liderados pelo cartel Jalisco Nueva Generación, que foi designado como organização terrorista pelos Estados Unidos na esteira da nova abordagem americana da criminalidade e formas de atuação militar.
Uma possível ação militar contra a Venezuela
O maior porta-aviões do mundo chegou às águas do Caribe e o presidente Donald Trump aprovou operações da CIA dentro da Venezuela. Ao mesmo tempo, afirmou que o canal do diálogo com Nicolás Maduro continua aberto. Analistas afirmam que muito provavelmente alguma ação militar americana será realizada em território venezuelano, que não existe justificativa para o envio de tanto aparato militar ao Caribe apenas como forma de pressão. Mas como e quando isso vai ocorrer é uma incógnita.
Já é a terceira semana que a situação fica muito próxima de escalar. As pressões internas contra Trump são grandes, principalmente as intenções políticas do secretário de Estado Marco Rubio. No domingo, Rubio afirmou que o Departamento de Defesa estava designando o Cartel de los Soles, do qual Washington acusa Maduro de ser o líder, como organização terrorista.
A ideia com essa declaração é dar algum suporte legal para uma eventual ação militar. Os EUA têm atacado lanchas no Caribe e no Pacífico sob o pretexto de combater o narcotráfico, mas em ações ilegais, e já deixaram 83 mortos em 20 ataques.
Seguiremos acompanhando os desdobramentos dessa crise.





