Equador em crise: cortes de energia, violência em alta e eleições à vista
País vive aumento da insegurança e grave seca, e presidente Noboa vê popularidade cair faltando menos de três meses para a eleição
Por Fernanda Simas
Em fevereiro, o Equador voltará às urnas, 17 meses depois de ter eleito o presidente Daniel Noboa, filho de um dos homens mais ricos do país, para concluir o mandato de Guillermo Lasso, que havia decretado a morte cruzada do governo, dissolvendo o Congresso e antecipando as eleições. O principal problema do país, a insegurança, continua sem resolução e, agora, a população enfrenta uma nova crise: a energética.
O Equador tem tido cortes de energia de seis a oito horas por dia, em setembro algumas regiões chegaram a ficar 14 horas diárias sem eletricidade. E apesar da promessa do governo de melhora a partir deste mês, especialistas climáticos argumentam que a meta é muito difícil, inclusive em razão da seca, a pior das últimas seis décadas.
A situação prejudica as usinas hidrelétricas, que atendem a 70% da demanda, o abastecimento de água potável e a produção agrícola.
Em novembro, o Equador declarou emergência nacional até janeiro em razão do déficit hídrico e dos incêndios florestais. Isso permite a movimentação de recursos econômicos para combater os incêndios e seus efeitos.
A crise energética fez despencar a popularidade de Noboa, de 85% em janeiro para 42% em outubro, de acordo com pesquisa da Opinion Profiles.
Num cenário eleitoral com 16 candidatos, ele ainda aparece em primeiro nas pesquisas de intenção de voto, mas com 27%. Mas, quando foi eleito, no ano passado, havia recebido 52% dos votos.
Em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, com 26%, aparece Luisa González, candidata correísta que perdeu o segundo turno no ano passado. Muitos equatorianos, mesmo insatisfeitos com o governo Noboa, afirmam que não votarão no correísmo. Como vimos há 17 meses, esta eleição deverá ser bastante polarizada.
Economia
A economia do país, dolarizada e dependente da estagnação da produção de petróleo, tem sofrido com a crise climática. O Equador havia estimado um crescimento de 0,9% em 2024, mas o FMI fala em apenas 0,3%. Em 2023, o crescimento foi de 2,4%.
Os apagões deixam prejuízos de US$ 1,4 bilhão, ou 1% do PIB do país, de acordo com associações empresariais. Segundo elas, o custo de cada hora sem eletricidade no país é de US$ 12 milhões.
“Tem ainda a questão dos comércios, que estão perdendo muito. O impacto econômico que vemos é o pior desde a pandemia”, diz a jornalista Andrea Samaniego. “Muitos (equatorianos) têm esperança de que chova, mas isso não pode ser assim”, lamenta.
O impacto econômico que vemos é o pior desde a pandemia
Insegurança em alta
Conversando com Samaniego, fica nítido que o problema da insegurança ainda faz parte do cotidiano no país, que já foi conhecido como uma ilha de tranquilidade dentro da América do Sul. Mesmo o governo alegando que as mortes violentas diminuíram, os assaltos, roubos, sequestros, e mesmo assassinatos, continuam.
“Empresários são sequestrados, políticos são assassinados. Tivemos recentemente uma rebelião em uma prisão. Isso, somado aos cortes de energia, leva muitos equatorianos a se fecharem em casa”, conta Samaniego.
A taxa de homicídios subiu de seis para 100 mil habitantes em 2018 para um recorde de 47 por 100 mil em 2023.
Uma das notícias mais comuns nos últimos meses de Lasso no governo era a rebelião dentro de presídios equatorianos. E isso também voltou a ocorrer. Em novembro, um grande confronto entre detentos na maior prisão do país, localizada em Guayaquil, terminou com 17 mortos.
Nos últimos anos, o Equador se tornou palco de disputas entre cartéis de drogas mexicanos e colombianos, que usam as prisões como centro logístico. Até hoje, cerca de 500 detentos morreram em massacres carcerários desde 2021, em decorrência de disputas entre facções rivais do narcotráfico.
Importante lembrar que as prisões no Equador estão militarizadas, como parte da política linha dura que Noboa adotou contra o crime.
Pouco tempo depois de assumir, o presidente apresentou o plano Fênix para acabar com as máfias, declarou guerra interna a pelo menos 20 grupos ligados a cartéis internacionais e realizou centenas de prisões.
A estratégia reduziu os homicídios e aumentou as apreensões de drogas para 262 toneladas, até novembro deste ano. Em 2023, foram apreendidas 219 toneladas.
Mas a violência continua, incluindo a violência política. Mais de 30 políticos foram mortos desde o ano passado, entre eles o candidato presidencial Fernando Villavicencio, baleado ao sair de um comício em Quito na véspera do primeiro turno em 9 de agosto de 2023.
Ameaças a jornalistas
Exercer o jornalismo tem sido um desafio no Equador. Muitos jornalistas deixaram o país este ano após receberem ameaças. Talvez a cena mais temerosa tenha sido ainda no começo do governo Noboa, quando criminosos invadiram uma transmissão ao vivo.
Um grupo de homens armados invadiu um estúdio da emissora TC, em Guayaquil, e ameaçou funcionários. Diversos suspeitos foram detidos - foi a partir deste acontecimento que Noboa declarou uma guerra interna contra as gangues.
Em 2023, Noboa foi eleito na onda da alta popularidade do salvadorenho Nayib Bukele e sua política linha dura contra a criminalidade (aqui faço uma auto propaganda para o quinto episódio do podcast Esquerda Volver que explicou esse contexto). Faltando três meses para as eleições, esse desafio continua imposto ao cotidiano do Equador. Resta saber que peso terá no voto.
Indicação sobre o tema:
Outro aspecto recente da crise no Equador é a disputa política entre Noboa e a vice-presidente, Verónica Abad. E aqui deixo a dica da semana sobre o tema da reportagem acima: o episódio “Ecuador: un presidente improbable, un país con miedo, una nueva elección” do podcast El Hilo.
Abad havia sido embaixadora em Israel e foi suspensa por cinco meses pelo Ministério do Trabalho por “abandono injustificado” de suas funções. A decisão a impedirá de substituir Noboa em janeiro, quando ele iniciar sua campanha para a reeleição. Abad acusa Noboa de “perseguição” e retornou ao Equador semana passada em “um ato de rebelião”.
Mais pelo mundo:
Síria volta a viver dias de guerra e tem mais de 500 mortos
A guerra voltou ao coração da Síria. No dia 27 de novembro, rebeldes do grupo Hayat al-Hirshman lançaram uma ofensiva e, dois dias depois, estavam entrando em Aleppo. O regime de Bashar al-Assad lançou uma contra ofensiva com bombardeios, apoiados pela Rússia. Até agora, os ataques deixaram 514 mortos, incluindo 92 civis, informou a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
A família Assad está no poder na Síria desde 1971 e a recente guerra civil começou com a eclosão da Primavera Árabe, em 2011. Em 2012, uma batalha por Aleppo levou a uma divisão da cidade em duas: uma controlada pelo regime Assad, outra pelos rebeldes.
Em 2016, o governo sírio retomou o controle de Aleppo. Em 2020, as linhas de frente da guerra civil ficaram paralisadas e um acordo envolvendo Rússia, Turquia e o governo sírio terminou com a Síria dividida, de forma frágil, em três: ⅔ do território controlados por Assad, partes do noroeste controladas pelos rebeldes - que hoje estão nas portas de Aleppo - e partes do nordeste controladas por milícias curdas.
De acordo com analistas, o avanço rebelde da semana passada foi planejado por meses, ou até anos. O Hayat al-Hirshman, que se localizada em Idlib e liderou a ofensiva com facções rebeldes sírias, incluindo algumas apoiadas pela Turquia, se separou da Al-Qaeda em 2017, deixando a filosofia jihadista para trás, se fortaleceu militarmente e hoje tem o objetivo de chegar a Damasco e governar a Síria.
O contexto de guerras no Oriente Médio foi propício para o avanço rebelde. A Rússia e o Irã, que são fortes apoiadores de Assad, têm outras preocupações neste momento na região.
A Rússia trava uma guerra com a Ucrânia e o Irã está inserido no conflito entre Israel e o Hamas e o Hezbollah. Aliás, a milícia radical xiita libanesa, há 10 anos, apoiou o regime Assad em Aleppo. Na ocasião, o Irã enviou soldados e a Rússia apoio tático ao governo sírio.
Agora, o Hezbollah perdeu força militar - com os combates contra forças israelenses - e não está em posição de mandar tropas para a Síria. O regime Assad está vulnerável e perde o controle total de Aleppo pela primeira vez desde 2011.
Na segunda-feira, os presidentes russo, Vladimir Putin, e iraniano, Masoud Pezeshkian, expressaram seu apoio "incondicional" ao regime sírio, segundo o Kremlin.
Israel e Hezbollah entram em confronto cinco dias após cessar-fogo
O cessar-fogo que havia sido estabelecido entre Israel e o Hezbollah, levando à esperança de dias mais calmos, parece estar cada vez mais em risco. Na segunda-feira, os dois lados entraram em confronto, levando a temores de uma nova escalada na região de fronteira.
O Hezbollah havia reivindicado a responsabilidade pelo primeiro ataque a uma posição militar israelense desde o início da trégua, após acusar Israel de violar o cessar-fogo acordado em 27 de novembro. Em um comunicado, a milícia radical libanesa afirmou ter atacado alvos nas “colinas ocupadas de Kfar Shouba”, que o Líbano reivindica como parte de seu território.
Ainda na segunda, veio a resposta de Israel, com o lançamento de dezenas de bombardeios no Líbano, contra “terroristas do Hezbollah, dezenas de lançadores e infraestruturas terroristas em todo o Líbano". O Ministério da Saúde libanês reportou que pelo menos nove pessoas morreram em bombardeios israelenses no sul do país.
Israel e o Hezbollah se acusaram mutuamente de violar a trégua que entrou em vigor após dois meses de uma guerra que deixou milhares de mortos e forçou milhares de pessoas a fugir de suas casas de ambos os lados da fronteira.
Os Estados Unidos disseram que acreditam que o cessar-fogo continua em vigor. "O cessar-fogo está mantido", afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller. "Quando recebemos relatos de possíveis violações, contamos com um mecanismo que implementamos com o governo da França para examinar essas possíveis violações, determinar se elas realmente ocorreram e, em seguida, colaborar com as partes para garantir que não se repitam", explicou Miller.