Escalada de Trump divide a Venezuela e testa apoios a Maduro
EUA passaram do combate ao narcotráfico à interceptação de navios petroleiros e pressiona por queda do regime chavista
Por Fernanda Simas
Na reta final de 2025, o governo Donald Trump ampliou a pressão contra o regime de Nicolás Maduro e passou a interceptar navios petroleiros com a intenção de sufocar a economia venezuelana. A estratégia mudou do combate ao narcotráfico, por meio de ataques a embarcações que estariam carregando drogas, à interceptação dos petroleiros - até agora foram três. A maior parte desses petroleiros faz parte da “frota fantasma”, forma de Caracas contornar as sanções americanas e uma das principais vias de financiamento do governo Maduro.

Mas, segundo analistas, a pressão de Washington até agora não é suficiente para fazer Maduro deixar o poder, principalmente porque o apoio militar a ele segue forte. Soma-se a isso o fato de que uma intervenção estrangeira pode levar a ainda mais instabilidade à Venezuela e é impopular entre a base eleitoral de Trump.
“A estratégia dos Estados Unidos tem sido pressionar o setor militar para provocar uma ruptura que não ocorreu, e será necessário passar para uma segunda etapa, mais bélica, para ver se essa ruptura é alcançada”, avalia José Antonio Colina, tenente venezuelano aposentado.
Internamente, os venezuelanos começam a se dividir em uma nova polarização que ultrapassa a questão ideológica entre chavismo e oposição. Agora, a população se divide entre os que apoiam uma ação estrangeira no país e os que não.
“A solução, pelo o que vejo, está no meio desses extremos. Se as ações de Trump derem errado por algum motivo, há duas consequências: o chavismo se fortalece muito ou a Venezuela entra em um espiral de instabilidade muito grande”, afirma Erik del Bufalo, professor da Universidade Simón Bolívar.
Nesta terça-feira, 23 de dezembro, Trump voltou a subir o tom contra Maduro em entrevista na Casa Branca e disse que se o presidente venezuelano quiser “bancar o durão, será a última vez que fará isso”. Diplomaticamente, se discutem algumas formas de Maduro deixar o poder, mas até agora a retórica bélica é a que ganha mais força.
De fato, Trump não mobilizou o arsenal militar que mobilizou nas águas do Caribe para sair dessa história sem ter um discurso de vitória. O interesse americano no petróleo venezuelano se torna cada vez mais evidente. Mas ainda há elementos nesta equação que tornam o resultado imprevisível e, em conversas com a Carta Global, Del Bufalo e Colina detalham alguns. Abaixo, trechos das entrevistas:
Erik del Bufalo, professor da Universidade Simón Bolívar
O regime Maduro pode cair?
Com as ações atuais do governo Trump, não acredito, mas há novas vias que se abrem. Um caminho de agressões militares ao território ou um bloqueio naval e aéreo, com mais interceptações de navios petroleiros, impactando o pouco comércio atual da Venezuela.
O que efetivamente poderia acabar com o chavismo seria um caminho de invasão, mas isso não está sobre a mesa agora em razão da quantidade de tropas que vemos e dos problemas internos dos EUA. Claro que a pressão pode aumentar e o cenário mudar, mas por enquanto não vejo esse caminho.
O que sustenta Maduro hoje?
O chavismo é, antes de tudo, um sistema militar. Maduro não é apenas apoiado por militares, o governo é formado por militares e tem uma fachada civil. Além disso, há um setor econômico que se tornou muito rico nesses anos e também sustenta o regime, além de apoios internacionais importantes fora do que chamamos “Ocidente”.
Ainda há uma parte da população que, mesmo não sendo entusiasta de Maduro, teme muito essa oposição (venezuelana), sobretudo essa oposição com traços de forte conservadorismo, classistas por vezes. Outros tantos venezuelanos não são chavistas, mas não querem ver seu país invadido.
Estamos entrando em uma nova polarização: chavistas ou não que não querem uma intervenção estrangeira e aqueles, mesmo dissidentes do chavismo, que enxergam como favorável uma intervenção do estrangeiro.

Como a população reagiu ao ver Maria Corina Machado com o Nobel da Paz?
Quase toda população opositora viu com muito entusiasmo, mas é muito curioso como o assunto foi tratado, pela parte sentimental, não há uma reflexão política. Há o fato de que Corina Machado está fora do país, tendo prometido que jamais sairia enquanto o governo não caísse. Após um tempo, acredito que isso é o que vai prevalecer.
Uma mudança na Venezuela só é viável por meio de uma ação estrangeira?
Uma ação estrangeira significa muitas coisas. O governo Maduro poderia cair a partir de ações mais letais, com atentatos diretos, por exemplo. Mas a longo prazo, isso não garante que a Venezuela entre em um período de estabilidade. A solução, pelo o que vejo, está no meio desses extremos. Se as ações de Trump derem errado por algum motivo, há duas consequências: o chavismo se fortalece muito ou a Venezuela entra em um espiral de instabilidade muito grande.
Como vê as ações americanas contra os petroleiros?
São atos ilegais de pirataria, mas acredito que vão continuar. Causa muito custo à Venezuela e muito pouco custo ao governo Trump. É mais fácil de vender como vitória e é bastante devastador para a economia venezuelana.
José Antonio Colina, tenente venezuelano aposentado
Ainda há apoio militar a Maduro?
Até o momento, as declarações e as ações dos militares demonstram apoio a Maduro. A estratégia dos EUA tem sido pressionar o setor militar para provocar uma ruptura que não ocorreu, e será necessário passar para uma segunda etapa, mais bélica, para ver se essa ruptura é alcançada.
Maduro está no seu momento mais delicado no poder?
Com certeza. É a primeira vez que existe uma operação militar-policial por parte dos EUA, na qual se passa da retórica à prática, mantendo-o cercado sob uma forte ameaça de executar operações terrestres, nas quais inclusive membros ativos do Cartel dos Sóis, ou seja, militares, poderiam ser retirados do solo venezuelano e levados aos EUA.
Esse cerco dos EUA pode, de fato, mudar a situação na Venezuela?
Isso só vai acontecer se houver uma fase mais frontal de ataques em território venezuelano, que leve os militares a trair Maduro. Ou, alternativamente, se os EUA neutralizarem Diosdado Cabello e Maduro e o vazio gerado - já que exercerem o poder de facto - se traduzir em uma mudança de regime. Mas isso só ocorrerá se Washington passar para uma segunda etapa; se ficarem apenas na pressão, Maduro não sairá.
Por que os militares continuam fiéis a Maduro?
Estão ganhando muito dinheiro e a maioria não teria alcançado as posições e os cargos nos quais estão não fosse o chavismo. Mas, ao primeiro bombardeio, acredito que sairão correndo, não vão se sacrificar pela revolução chavista.
Todo o discurso do governo Trump sobre a Venezuela faz parte da nova abordagem americana para a América Latina. O presidente dos EUA quer deixar claro que a região é quintal de influência americana e não chinesa. Neste mês, foi divulgada a Nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, colocando o Ocidente como prioridade, usando uma remodelagem da Doutrina Monroe.
Vale a pena escutar o episódio de 11 de dezembro da Americas Quarterly, que explica o significado dessa nova diretriz e o avanço da influência chinesa na América Latina.
Estamos batendo nas portas de 2026, então aproveito essa sessão para deixar aqui alguns temas que estarão no radar da Carta Global:
A virada à direita na América Latina: Em 2025, Chile, Bolívia, Equador e Argentina tiveram eleições e representantes da direita venceram. Com esses resultados, seis dos 12 países sul-americanos estão sendo governados pela direita. No próximo ano, Brasil, Colômbia, Peru e EUA terão eleições e esse mapa político pode ter novas alterações;
Guerra na Ucrânia: a invasão russa ao território ucraniano está prestes a completar quatro anos e as tentativas de acordo propostas por Washington não tiveram êxito. Trump deve voltar a tentar algo em 2026 para poder falar que “encerrou outra guerra”;
Situação em Gaza: cessar-fogo frágil em vigor, mas muitas denúncias ainda surgem sobre as violações aos direitos humanos em Gaza. Como serão as próximas etapas do acordo de paz? O tabuleiro do Oriente Médio segue instável;
Sudão: o conflito interno continua e a ONU alerta para um crise humanitária negligenciada;
Europa e Mercosul: o acordo sai ou não sai? A Itália pediu para adiar as reuniões sobre o acordo e jogou a decisão para o ano que vem;
As investidas de Donald Trump: além da situação na Venezuela, o governo Trump tomou medidas duras, por vezes ilegais, com relação a temas econômicos e migratórios. Em 2026, as eleições de meio de mandato podem dar mais força ou se tornarem um forte obstáculo às vontades do presidente americano.
Mais um ano está chegando ao fim e gostaria de agradecer a cada assinante por confiar em meu trabalho, acreditar e acompanhar a Carta Global. Aos assinantes pagos, meu muito obrigada por apoiarem esse projeto.
Agora, a Carta terá um breve recesso e na semana de 19 de janeiro as publicações retornam. Feliz festas a todas e todos. Até 2026!!




