Escândalos no governo Milei e as eleições de meio de mandato na Argentina
Província de Buenos Aires tem votação neste domingo que pode impactar no pleito legislativo de outubro, quando o presidente tentará ter maioria no Congresso
Por Fernanda Simas
As últimas semanas foram particularmente difíceis para Javier Milei, com más notícias na economia e escândalos políticos, Agora, as eleições regionais e legislativas de meio de mandato - que começam neste domingo, 7 e terminam em outubro - serão um termômetro de como a população argentina tem visto o governo do presidente eleito dizendo que era um outsider e contra as castas políticas.
Na quinta-feira, o Congresso argentino, onde o governo tem minoria, reverteu pela primeira vez um veto de Milei, tornando inapelável uma lei concedendo mais recursos a pessoas com deficiência. O Senado derrubou o veto por 63 votos a 7 e a lei que declara emergência na área de deficiência e define uma nova modalidade para o cálculo das pensões por deficiência será promulgada.
É justamente nessa área que Milei enfrenta um grande escândalo de corrupção. Áudios tornados públicos de Diego Spagnuolo, então diretor da Agência Nacional para Pessoas com Deficiência, revelam um grande esquema de corrupção ligado a Karina Milei, a irmã do presidente e secretária-geral da presidência, chamada de “o chefe” do governo.
“Esse escândalo de corrupção se soma a uma série de más notícias para o governo Milei, cuja popularidade já não é tão boa, lembrando que o índice de confiança do consumidor na economia caiu bastante”, explica o coordenador de Relações Internacionais da FESP-SP Moisés Marques. “Essa situação pode trazer dificuldades para a presidência, que vem acumulando uma série de derrotas no Congresso. É só o estopim de algo que já vinha ocorrendo”.
De acordo com os áudios, o esquema se tratava de subornos pagos por farmacêuticas argentinas ao governo em cerca de 8% de cada contrato, sendo que 3% iriam direto para Karina. Segundo auditorias divulgadas na imprensa argentina, o valor variava de US$ 500 mil a US$ 800 mil e os subornos levavam a um aumento de 30% nos preços dos medicamentos para deficientes físicos.
Spagnuolo era amigo de Milei e foi nomeado pelo presidente. Enquanto Karina é a pessoa que determina quem tem acesso ou não ao presidente, foi ela quem pavimentou o caminho político do irmão até a Casa Rosada.
Milei alega que Spagnuolo está mentindo e acusa o kirchnerismo de armação política. Na segunda-feira, um juiz ordenou o fim da difusão dos áudios, medida condenada pela organização Repórteres Sem Fronteiras como "grave ameaça à liberdade de imprensa".
Na quarta-feira, quando participava de um ato de fechamento de campanha para a eleição legislativa deste domingo na província de Buenos Aires, a comitiva de Milei foi alvo de pedradas. Uma semana antes, o presidente argentino precisou ser retirado de outro ato partidário no sul da capital argentina.
A província de Buenos Aires reúne 39% do eleitorado argentino e 38% do PIB do país. Não é à toa que Milei se envolveu pessoalmente em campanhas na província, governada pelo peronista Axel Kicillof. O resultado deste domingo pode influenciar as eleições legislativas nacionais de 26 de outubro, quando será definida a renovação de ½ da Câmara e ⅓ do Senado e momento em que Milei esperava obter maioria no Congresso.
Outro escândalo que envolveu o presidente argentino recentemente foi sua participação na publicidade de uma criptomoeda. O caso levou 40 mil pessoas a perder, juntas, US$ 180 milhões.
Economia
O presidente argentino atravessa seu pior momento em 21 meses de governo e os problemas não param na política. Ele vive uma crise de confiança dos mercados financeiros que fez disparar a cotação do dólar, levando o governo a intervir no mercado de câmbio por meio do Tesouro.
“Milei está mirando, como todo neoliberal, no caso dele extremado, basicamente o controle inflacionário”, afirma Marques. “Evidentemente que se você der uma contração na economia, como foi feito, vai controlar a inflação, mas no caso da população mais pobre ou de classe média, esses efeitos só serão sentidos no longo prazo.”
A inflação voltou a subir na Argentina em junho e julho. O contexto nacional tem levado ao aumento da procura por dólares, moeda segura diante da incerteza, e o governo decidiu intervir no câmbio para evitar uma grande oscilação. O risco, agora, é de a desvalorização cambial gerar pressão inflacionária.
“Milei ganhou a eleição presidencial vociferando contra o que chama a todo momento de castas políticas, os corruptos, mas aparentemente metido nas mesmas coisas”, diz Marques. Resta saber agora como isso vai impactar as eleições legislativas e a continuidade de seu mandato.
Em muitos países da América Latina, quando a economia vai muito bem, um escândalo político pode não ganhar tanta repercussão. No atual caso argentino, no entanto, mesmo desconsiderando o contexto econômico, o grande obstáculo para Milei é manter a imagem que sempre vendeu de outsider da política.
Indicação sobre o tema
Para quem quiser se aprofundar nos personagens dessa crise argentina, motivações e impactos internos, deixo o episódio “Radiografia de una crisis política” do podcast de Carlos Pagni em odisea Argentina.
Mais pelo mundo
Trump muda Departamento de Defesa para Departamento da Guerra e ameaça Chicago
Na sexta-feira, o presidente Donald Trump assinou um decreto que muda o nome do Departamento de Defesa para Departamento da Guerra. A medida despertou críticas e foi justificada pelo republicano como a forma e enviar "uma mensagem de vitória" ao mundo.
No sábado, Trump voltou a ameaçar Chicago com uma intervenção militar por meio da pasta de Guerra. A medida busca replicar na terceira maior cidade dos Estados Unidos a operação já realizada na capital americana, Washington, onde o governo federal destacou tropas da Guarda Nacional e aumentou o número de agentes federais para realizar detenções para deportações, apesar dos protestos das autoridades locais.
"Chicago está prestes a descobrir por que se chama Departamento da GUERRA", publicou Trump em sua rede Truth Social. A publicação continha uma imagem do presidente, aparentemente gerada por inteligência artificial, e a legenda: "Adoro o cheiro das deportações pela manhã", em referência a uma fala do filme de 1979 "Apocalypse Now".
A mobilização de tropas e agentes federais teve início em junho em Los Angeles, continuou em Washington, e levou a ações judiciais e protestos. Outras cidades ameaçadas por Trump são Baltimore e Nova Orleans, também são governadas por democratas.
Guerra em Gaza se aproxima de dois anos com novas ações de Israel
O Exército de Israel atacou na sexta-feira um edifício de apartamentos na Cidade de Gaza, onde ameaça realizar uma grande ofensiva militar, no 700º dia da guerra contra o grupo terrorista Hamas, que publicou um vídeo em que aparecem dois reféns capturados em 7 de outubro de 2023.
Segundo o Exército israelense, 25 dos 47 reféns que permanecem em Gaza devem estar mortos.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, instou Israel a deter a "catástrofe" em Gaza, onde foram registradas pelo menos 370 mortes por inanição desde o início das hostilidades.
Segundo a ONU, 20% do território palestino está assolado pela fome. A Defesa Civil, organização de primeiros socorros que opera sob a autoridade do Hamas, afirmou que 42 palestinos morreram por disparos ou bombardeios israelenses na sexta-feira, metade deles na Cidade de Gaza.
O Exército israelense diz controlar 75% da Faixa de Gaza e 40% da Cidade de Gaza e anunciou no mês passado sua intenção de tomar a cidade totalmente.
O ataque de 7 de outubro causou a morte de 1.219 pessoas em Israel, a maioria civis, e a captura de 251 reféns. A represália israelense deixou pelo menos 64.300 mortos em Gaza, mulheres e crianças em sua maioria, segundo dados do Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.
Para ficar de olho
A tensão entre EUA e Venezuela
Na semana que terminou, a tensão entre Venezuela e Estados Unidos aumentou. Na sexta-feira, Donald Trump afirmou que aviões venezuelanos, que realizaram voos sobre os navios americanos enviados ao Caribe, representam um perigo e correm o risco de ser "derrubados".
Os EUA decidiram enviar 10 caças F-35 a Porto Rico diante da tensão com a Venezuela, que afirmou que nenhuma diferença entre os dois países justifica um conflito armado.
Washington acusa o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de liderar uma rede de narcotráfico e elevou recentemente para US$ 50 milhões a recompensa por sua captura. A decisão segue a mudança de postura diante de cartéis de drogas, que passaram a ser designados como grupos terroristas pelos EUA.
Quando perguntado no Salão Oval se deseja uma mudança de regime em Caracas, Trump desviou da questão: "Não queremos drogas que matam o nosso povo".
As forças americanas destacadas diante das costas venezuelanas lançaram um míssil na terça-feira contra uma embarcação que supostamente transportava drogas.
Maduro mobilizou o Exército, que conta com cerca de 340 mil efetivos, e reservistas, que ele afirma ultrapassarem os 8 milhões. Também abriu o registro na Milícia Bolivariana, um corpo das Forças Armadas formado por civis e com forte carga ideológica.
Ao classificar os grupos de narcotráfico como terroristas, o governo Trump recorre ao seu arsenal legislativo aprovado depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, que ampliou a capacidade do país de vigiar possíveis alvos e atacá-los letalmente em todo o mundo.