EUA: novo fôlego democrata, pressão sobre Trump e os rumos para 2026
Democratas conseguiram evidenciar problemas econômicos cotidianos em vitórias regionais; eleições de meio de mandato estão em aberto
Por Fernanda Simas
O jogo político para as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos está aberto. As vitórias democratas de terça-feira deram novo ânimo ao partido após a grande derrota presidencial no ano passado e mostram que a sigla tem chances de obter a maioria da Câmara em 2026.
Ao partir para a estratégia de abordar os problemas cotidianos dos americanos, principalmente econômicos, os democratas conseguiram atrair novamente eleitores que haviam dado as costas ao partido e enviaram um recado aos adversários republicanos. “A máxima de que a eleição de meio de mandato sempre dá ao partido opositor a chance de se contrapor e ter um bom desempenho parece que pode acontecer novamente”, afirma a professora de relações internacionais da ESPM-SP Denilde Holzhacker.
“O aumento do custo de vida e o fim de projetos de cunho mais social foram essenciais para movimentar uma base (eleitoral) nos Estados onde os democratas ganharam”, explica a analista. Agora, o governo de Donald Trump terá de dar respostas paras voltar a ter eleitores latinos, negros, independentes ao seu lado.
Altos custos
Os fatores econômicos, decisivos para a vitória de Trump sobre a democrata Kamala Harris em 2024, agora levaram a vitórias democratas. “Ao invés de fazer uma discussão sobre o papel dos EUA no mundo, o ponto central foram as questões do dia a dia”, diz Holzhacker. O desafio do partido será usar esse discurso das eleições regionais - naturalmente mais voltadas aos problemas cotidianos - nas eleições ao Congresso e, futuramente, presidenciais.
A preocupação do eleitor voltou a ser com o alto custo de vida, as interferências do governo federal em programas mais sociais e a impressão de que quem manda nos EUA são um determinado grupo político. “A presença forte dos investidores e as ações das bigtechs mostram que a órbita do poder saiu de Wall Street para ir para o Vale do Silício e quem está pagando os custos disso são as pessoas mais vulneráveis”, afirma Holzhacker.
Segundo consultorias políticas americanas, as ações de Washington contribuíram para a inversão de votos no período de um ano. Muitos latinos em situação legalizada nos EUA, por exemplo, começaram a se sentir ameaçados pelas políticas migratórias de Trump, enquanto esperavam ver os resultados que viveram nos dois primeiros anos do primeiro mandato do republicano.
A falta de resultado econômico castigou o governo, dando mais visibilidade ao que tem ocorrido de fato nos EUA: desmantelamento do Estado, fim de políticas de apoio e intervenção federal em Estados. Além do impacto das tarifas econômicas que Washington tem imposto a outros países, mas levam à alta da inflação e ao aumento no custo de vida.
Criticando justamente esse cenário, o grande vencedor da noite de terça foi Zohran Mamdani, novo prefeito da cidade de Nova York. O jovem de 34 anos se torna o primeiro socialista e primeiro muçulmano a comandar a cidade símbolo do capitalismo mundial.
Mamdani venceu o ex-governador de NY, o conservador democrata Andrew Cuomo, e o aspirante republicano Curtis Sliwa, recebendo 50,4% dos votos. “Foi uma vitória significativa pelo contexto atual americano. Mamdani é um estrangeiro, família de origem árabe, apresentou todo o discurso mais social, falando de uma social-democracia e teve uma estratégia de comunicação muito efetiva”, avalia a professora Holzhacker.
Mas ela ressalta que o grande triunfo não significa que ele consiga projeção para além do eleitorado democrata. Ao se posicionar como socialista e colocar a necessidade de se ter um Estado mais presente na vida das pessoas, Mamdani também abraça todos os riscos que podem vir em um eventual embate com republicanos, que têm alegado que o partido democrata quer radicalizar a política.
Situação republicana
Além das vitórias em Estados já sob controle democrata ou onde a candidata Kamala Harris ganhou em 2024, os democratas conseguiram vencer, também, em Estados que haviam rechaçado o partido no ano passado.
Na Virgínia, a democrata Abigail Spanberger se tornou a nova governadora por uma diferença de 15 pontos porcentuais, mais que o dobro dos 6 pontos de vantagem de Harris em 2024 no Estado. Em Nova Jersey, a democrata Mikie Sherrill venceu o governo com uma vantagem de 13 pontos porcentuais.
Na Geórgia, pela primeira vez em anos, os eleitores optaram pelos democratas para duas cadeiras em uma comissão estatal dominada por republicanos. E na Califórnia, como era de se esperar, a proposta que permite redistribuir os distritos eleitorais de forma a garantir ao menos cinco cadeiras a mais para os democratas na Câmara foi aprovada com ampla margem - medida semelhante foi aprovada pelos republicanos no Texas.
Agora, os republicanos precisam superar as já existentes fraturas internas, principalmente pela questão econômica com as tarifas e pela centralização do poder na Casa Branca, para evitar uma derrota em 2026. Os resultados das eleições de meio de mandato podem, aí sim, mudar o rumo do partido.
Até agora, os resultados eleitorais de terça-feira são importantes enquanto estratégia de conquista de votos pelos democratas, mas não mexe na organização partidária republicana. “Entendo que o Trump continuará dominando e perseguindo os (republicanos) que se colocam como opositores. A diferença vai ocorrer após as eleições de meio de mandato”, afirma Holzhacker.
A vitória de Mamdani na cidade de Nova York mostrou que uma candidatura mais à esquerda ainda é possível nos Estados Unidos. A reportagem do jornal espanhol El País “Así logró Zohran Mamdani una victoria histórica en Nueva York” mostra a trajetória do candidato ao longo de sua campanha, principalmente a forma como usou a comunicação para atrair eleitores jovens.
O democrata conseguiu usar as redes sociais de forma eficaz num momento em que seu partido vinha sendo muito criticado pelas estratégias erradas ao longo da eleição presidencial de 2024.
Após sofrer abuso sexual, presidente do México apresenta plano nacional de combate ao crime
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, apresentou na quinta-feira um plano para incentivar as denúncias de “abuso sexual” e ampliar as sanções ao crime em todo o país. A decisão foi uma resposta política da presidente que, dois dias antes, sofreu um abuso sexual realizava uma caminhada no entorno do Palácio Nacional, no centro histórico da Cidade do México.
Enquanto Sheinbaum conversava com alguns cidadãos, um homem se aproximou, tentou beijá-la e chegou a tocar seu corpo. A presidente se afastou e um de seus seguranças se colocou entre ela e o agressor.
Após o crime, Sheinbaum ordenou a revisão das legislações dos 32 Estados mexicanos para garantir que o abuso sexual seja criminalizado em todos. Durante uma entrevista coletiva, a presidente afirmou que “45% das mulheres já sofreram abuso no México”.
“Que isso que aconteceu sirva para que as mulheres realmente não se sintam sozinhas em uma situação de assédio, de abuso (...) e para isso deve haver instituições e um governo que as apoiem”, afirmou Sheinbaum.
Mais de 25 mil denúncias de assédio sexual já foram formalizadas no México em 2025, informou Citlalli Hernández, titular da Secretaria da Mulher, segundo a agência France-Press. “Lamentavelmente, nenhuma mulher está isenta de viver um abuso sexual em nosso país, por isso diariamente trabalhamos para combater-lo”, disse a secretaria em nota.
Segundo a secretaria, 19 dos 32 Estados contemplam este crime em seus códigos penais.
A presidente mexicana apresentou uma denúncia por assédio sexual contra o agressor, identificado e detido horas depois do crime pela polícia da capital e acusado de mais duas agressões no mesmo dia.
O homem, identificado pelas autoridades como Uriel Rivera, está sob custódia da Promotoria especializada em crimes sexuais da Cidade do México.
O assédio sexual em espaços públicos mexicanos é tão grave que, na última década, levou as autoridades a criarem espaços exclusivos permanentes para mulheres no transporte público.
Conflito no Sudão continua apesar de cessar-fogo
A ONU alertou nesta sexta-feira sobre a existência de preparativos para uma intensificação das hostilidades no Sudão, onde o Exército e os paramilitares travam uma guerra apesar de um acordo para implementar uma trégua humanitária firmado um dia antes.
O terceiro maior país da África vive um terrível conflito desde abril de 2023, devido a uma luta pelo poder entre o Exército do general Abdel Fatah Al Burhan e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR) de seu antigo adjunto, Mohamed Hamdan Daglo.
As FAR anunciaram na quinta-feira que aceitaram uma proposta de trégua humanitária apresentada pelos mediadores Estados Unidos, Egito, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Mas a ONU afirma que, em terreno, não há sinais de cessar-fogo.
As forças rebeldes tomaram El Fasher, o último reduto do Exército na região de Darfur e parecem estar se deslocando para o leste, rumo à região de Kordofan, rica em petróleo, e Cartum. Em 26 de outubro, os paramilitares reivindicaram o controle total da cidade, sitiada durante quase 18 meses.
Agências de notícias internacionais tiveram acesso a imagens de execuções, valas comuns, manchas vermelhas e cadáveres. A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, dias após a tomada de El Fasher, a morte de mais de 460 pacientes e pessoal médico em um hospital da região.
O acesso a El Fasher segue bloqueado apesar dos pedidos reiterados para a abertura de corredores humanitários.
Shutdown mais longo da história dos EUA
O shutdown do governo dos EUA bateu novo recorde de duração e completou 38 dias nesta sexta-feira diante da falta de acordo sobre o orçamento nacional entre os republicanos de Donald Trump e a oposição democrata. Nas últimas semanas, a paralisação deixou cerca de 1,4 milhão de funcionários públicos sem receber salários, sendo que aqueles que exercem funções essenciais, como controladores de tráfego aéreo e forças de segurança, foram obrigados a continuar trabalhando.
Programas de assistência social foram gravemente afetados, impactando cerca de 42 milhões de pessoas que dependem de ajuda pública para conseguir alimento, e diversas agências federais estão fechadas ou com baixa atividade. E nesta sexta, a Administração Federal de Aviação (FAA) ordenou a diminuição em 10% do tráfego aéreo, levando ao cancelamento de mais de 1 mil voos nos 40 principais aeroportos do país.
O dia foi caótico e não parece ter sido o último do shutdown já que um acordo entre democratas e republicanos parece distante.






