EUA: o futuro de uma eleição histórica
Disputa pela Casa Branca ganha novos capítulos a cada semana e grande pergunta agora é se Biden seguirá na corrida eleitoral
Por Fernanda Simas
Poderia ser só o repeteco da disputa entre Joe Biden e Donald Trump pela presidência dos Estados Unidos – mas, cada vez mais, ganha contornos de uma eleição histórica. De um lado, o democrata é pressionado a deixar a corrida após episódios que colocaram sua capacidade de seguir governando em xeque e, do outro, o republicano teve os rumos de sua campanha calibrados após sofrer uma tentativa de assassinato.
Analistas afirmam que o atual cenário é muito favorável a uma vitória de Trump, mas pode voltar a ficar aberto caso Biden deixe a disputa, abrindo espaço para outro democrata. A convenção do partido do atual presidente ocorre em agosto – e ele não dá sinais de que vá desistir.
“Olhando as outras eleições, vemos que a tendência desta é ficar muito focada na diferença de personalidades (entre os candidatos). Os temas que forem colocados nas campanhas polarizam e as grandes discussões sobre políticas econômicas, sociais e de educação não serão tratadas de forma profunda”, diz a cientista política Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP.
Os debates deste ano deveriam ser pautados por imigração, situação econômica dos EUA, o envolvimento do país nas guerras pelo mundo e os processos contra Trump. No entanto, depois do dia 27 – quando houve o primeiro debate entre os dois candidatos --, tudo mudou.
Se a política é um jogo de convencimento e habilidades, essa partida parece, hoje, perdida para Biden.
Durante o debate, o presidente americano de 82 anos teve dificuldades de se expressar e, inclusive, de se fazer entender até para aqueles que dominam o inglês. Agora, já são mais de 30 nomes, entre eles o ex-presidente Barack Obama e Nancy Pelosi, pressionando para que Biden abra mão da indicação e coloque alguém em seu lugar.
Institutos de pesquisa começaram a traçar cenários com outros nomes democratas. A vice-presidente Kamala Harris começou a ser considerada e pesquisas recentes mostram que a diferença entre ela e Trump é menor do que a de Trump para Biden.
Uma sondagem feita pela CBS/YouGov mostra Trump com 52% das intenções de voto contra 47% para Biden. Se Kamala fosse a candidata, a diferença ficaria em 51% a 48%.
Apesar de Biden afirmar que tem capacidade de seguir na disputa, a imprensa americana já fala mais em “quando” o presidente deixará a corrida e não mais “se”. Fontes anônimas citadas pela imprensa americana, como o jornal The New York Times, por exemplo, dizem que o presidente está preparando uma desistência honrosa.
Para a professora Holzhacker, a continuidade de Biden na disputa não levará apenas à perda da Casa Branca. “A perda da presidência é o grande impacto, mas a perda de representação no Congresso também. O partido tinha o objetivo de ter maioria no Senado e melhorar a representação na Câmara”, explica. “Outra grande questão é o que virá depois, quais lideranças vão surgir.”
Um atentado e o mesmo discurso
Pouco depois do debate, houve outra reviravolta. Em 13 de julho, Trump foi atingido de raspão por um tiro durante o comício que realizava na Pensilvânia. Ele teve um ferimento na orelha direita e rapidamente foi retirado do local pelos serviços de segurança. O atirador, Thomas Matthew Crooks, foi morto na hora.
Até agora, esse ataque não teve grandes impactos nas intenções de voto dos americanos, de acordo com pesquisas recentes. É inegável, porém, que aumentou o medo da violência política num país fortemente polarizado e ofuscou as acusações contra Trump e sua condenação por fraude fiscal no caso da compra do silêncio da ex-atriz pornô Stormy Daniels.
“A violência política nos EUA sempre esteve presente, tivemos outros atentados contra presidentes, recentemente um ataque ao marido de Nancy Pelosi. O grande medo agora é com a mobilização de grupos extremistas, por isso é importante entender a motivação do ataque (contra Trump)”, afirma Holzhacker. “Todas as democracias que estão nesse nível de polarização têm a violência como parte desses processos.”
E se alguém esperava que o tom de Trump baixasse após o atentado, seu discurso na quinta-feira, dia 18, na Convenção Republicana -- na qual aceitou a indicação como candidato oficialmente -- provou que isso não vai ocorrer. O republicano chegou a pedir união aos americanos, mas logo voltou a acusar os imigrantes de serem criminosos e atacou seu oponente.
Indecisos e independentes
Os chamados “eleitores convertidos” – ou seja, que já estão convencidos – votarão em Trump ou Biden (ou outro candidato democrata, se esse for o caso) independente do que aconteça, mas todos esses eventos podem impactar a forma como os indecisos e os independentes votarão. É isso que está em jogo nesta eleição tão polarizada.
Os temas de embate entre os dois partidos, principalmente a condenação de Trump e as políticas econômicas dos democratas, devem voltar ao centro das campanhas nos próximos meses, mas o tom personalista da disputa continuará presente.
A eleição ocorre em 5 de novembro.
Acompanhe a cobertura da campanha, análises exclusivas e os resultados aqui em Carta Global.
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Corina Machado denuncia sabotagens na Venezuela
Faltando 10 dias para as eleições na Venezuela, a opositora María Corina Machado tem denunciado sabotagens em sua campanha eleitoral. Ela afirmou que um dos carros usados para se deslocar teve os freios cortados.
Corina está inabilitada politicamente e não concorre, mas tem realizado viagens pelo país fazendo campanha para Edmundo González Urrutia. A líder opositora foi impedida pela justiça do país de viajar de avião.
O partido de Corina, Vamos Venezuela, denunciou a prisão de militantes opositores ao governo. A ONG Foro Penal Venezolano afirma que mais de 100 prisões foram realizadas relacionadas com a campanha opositora.
Até o momento, as pesquisas apontam vantagem da oposição sobre Nicolás Maduro, mas o chavismo acredita que sairá vencedor. Segundo reportagem do jornal El País, o partido governista aposta em um baixo comparecimento às urnas para vencer a disputa.
Rússia condena jornalista americano a 16 anos de prisão
A Rússia condenou nesta semana o jornalista americano Evan Gershkovich a 16 anos de prisão por espionagem. O repórter do Wall Street Journal, sua família e a Casa Branca rejeitam a acusação.
O juiz russo Andrei Mineyev determinou, de acordo com a agência France Press, que o jornalista cumpra a sentença em uma colônia penitenciária de regime fechado. Gershkovich foi detido durante uma reportagem na região dos Urais em 2023.
O governo americano afirma que a prisão foi feita para usar o jornalista em uma possível troca de prisioneiros. Moscou o acusa de compilar informações para a CIA sobre o fabricante de armas da Rússia Uralvagonzavod, que produz os tanques T-90 usados na Ucrânia.
O Wall Street Journal prometeu continuar fazendo pressão pela libertação de seu repórter. "Esta vergonhosa e falsa condenação acontece depois de Evan ter passado 478 dias na prisão, detido injustamente, longe de sua família e amigos, impedido de informar, tudo por fazer o seu trabalho como jornalista", afirmaram o editor do jornal, Almar Latour, e a editora-chefe Emma Tucker em um comunicado.
Corte Internacional de Justiça pede fim de ocupação israelense
A Corte Internacional de Justiça determinou nesta sexta-feira que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal e pediu que ela seja encerrada o mais rápido possível. As decisões do principal órgão judicial da ONU não são vinculantes.
A decisão inédita da CIJ ocorre após a Assembleia-Geral da ONU adotar, em 31 de dezembro de 2022, uma resolução pedindo uma "opinião consultiva" sobre as "consequências jurídicas das políticas e práticas de Israel no território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental".
Tal determinação pode aumentar a pressão sobre o governo de Binyamin Netanyahu no momento em que a comunidade internacional pede urgência na negociação de um acordo de cessar-fogo em Gaza. O primeiro-ministro israelense chamou a decisão de “uma mentira”.
Por outro lado, a Autoridade Palestina, liderada por Mahmoud Abbas, celebrou a decisão, que chamou de "histórica".
Em junho de 1967, Israel venceu a Guerra dos Seis Dias e assumiu o controle da Cisjordânia e Jerusalém Oriental da Jordânia, das Colinas de Golã da Síria, e da Faixa de Gaza e do Sinai do Egito. Posteriormente, Israel começou a ocupar os 70 mil km² de territórios árabes conquistados, algo que a ONU declarou ser ilegal.