EUA: Trump é eleito presidente e remodela o país; o que mais esperar?
Um pouco sobre os cenários dos partidos republicano e democrata a partir de agora e da força com a qual o magnata assume a presidência em 2025
Por Fernanda Simas
Donald Trump é o novo presidente eleito dos Estados Unidos. Em uma campanha eleitoral marcada por reviravoltas e tensões, o desfecho dessa história não deixa de ser surpreendente - não pela vitória do republicano - mas pela consolidação de seu poder.
O republicano, condenado criminalmente, venceu no voto popular - o que não ocorria com um republicano desde 2004, com George W. Bush -, venceu no colégio eleitoral, terá maioria do Senado (antes nas mãos dos democratas) e, possivelmente, na Câmara. Importante notar que Trump conseguiu virar os Estados-pêndulo Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Geórgia - que votaram por Joe Biden em 2020.
Agora, seu próximo governo deve ser um governo mais “à la Trump” do que simplesmente um governo republicano. Isso porque, além de controlar o Executivo e o Legislativo, o presidente eleito tem certa tranquilidade com a maioria conservadora que ocupa o Judiciário e, principalmente, não terá as amarras de uma oposição interna entre os republicanos e não precisará se preocupar com a reeleição - nos EUA, o presidente só pode ter dois mandatos e esse é o segundo de Trump.
Vale dizer que ainda é preciso esperar para ver qual será o perfil do governo montado por Trump, mas muito provavelmente será mais alinhado ao trumpismo, como foi a escolha de J.D. Vance para seu vice.
Até o momento de fechamento desta newsletter, Trump tinha 295 votos no colégio eleitoral, os republicanos tinham 52 assentos no Senado, contra 44 dos democratas, e 204 assentos na Câmara, contra 187 dos democratas.
Mas o que significa o resultado dessa votação nos EUA? O que esperar daqui para frente no cenário internacional? Depois de ler e ouvir diversas análises americanas, conversei com a professora de relações internacionais da ESPM-SP Denilde Holzhacker, especialista em EUA, para traçar uma primeira avaliação do que vem pela frente.
“Essa foi uma eleição que mexeu com as estruturas geopolíticas e pode provocar mais mudanças sistêmicas do que vínhamos vendo”, afirmou Holzhacker.
Três anos depois do 6 de janeiro, com a invasão ao Capitólio para impedir a certificação do resultado eleitoral de 2020 - quando Trump perdeu para Biden - o republicano venceu a votação batendo seu próprio recorde de 2016. “Hoje começa uma verdadeira era de ouro para os EUA”, declarou Trump após a vitória.
O principal correspondente da Casa Branca para o jornal The New York Times, Peter Baker, afirmou, em uma análise nesta quarta-feira, que o resultado eleitoral prova que Trump “não é uma aberração histórica”, “mas uma força transformacional remodelando os EUA à sua própria imagem”.
Com certeza, esta eleição será tema de muitos estudos e análises, mas vamos tentar pincelar um pouco de seus significados e impactos.
- Qual Trump venceu esta eleição?
É muito provável que Trump vença em todos os Estados-pêndulo, mostrando seu avanço entre um eleitorado mais pró-democrata em 2020. Agora, a agenda do presidente eleito vai ser de implementação de suas propostas, principalmente nos dois primeiros anos de seu mandato. Isso porque, depois, ocorre a eleição de meio de mandato e, aí ele pode perder maioria no Congresso.
“Ele vai ter muito menos resistência para suas pautas”, afirma a professora Holzhacker. No Judiciário, Trump conta, além da maioria conservadora na Suprema Corte, com as mudanças que fez em cortes federais e outras instâncias. Joe Biden chegou a reverter algumas, mas não todas. Um impacto disso, segundo Holzhacker, é que Trump deve enfrentar menos questionamentos jurídicos em questões migratórias, por exemplo.
O republicano deve, ainda, reverter medidas que considera muito progressistas, tomadas por Biden, e retomar a discussão sobre a exploração do petróleo.
Resta saber quem vai integrar sua equipe de governo, mas, de toda forma, Trump não tem, desta vez, as amarras do partido que tinha em 2016, quando chegou à presidência pela primeira vez. Os quadros vindos do histórico partido republicano não necessariamente serão colocados no poder.
“Esta eleição mostrou um domínio do partido. Seu governo deve ter pessoas mais alinhadas a suas plataformas”, afirma Holzhacker.
- Como ficam os casos jurídicos contra Trum?
O Departamento de Justiça que será nomeado provavelmente vai abandonar as acusações federais contra Trump nos casos relacionados a documentos confidenciais e interferência nas eleições de 2020.
Além disso, o republicano já afirmou que demitiria o procurador-geral Jack Smith, que liderou as investigações e acusações federais contra ele nos últimos dois anos.
No caso dos pagamentos feitos a Stormy Daniels,o próprio juiz do caso pode anular a decisão, considerando que Trump agora é o presidente eleito.
No caso de conspiração na Geórgia - no que se refere à contagem de votos da eleição de 2020 -, a procuradora pode ser desqualificada por Trump.
Ou seja, todos os cenários apontam para enviar para baixo do tapete esses processos.
- O futuro do Partido Republicano
A maneira como o partido se estruturou para esta eleição já evidenciou que não estamos mais falando do tradicional partido Republicano de anos atrás, e sim de um partido Republicano trumpista. Ao longo da campanha, J.D. Vance e os filhos de Trumo tiveram grande protagonismo, além de Elon Musk. Por outro lado, não vimos a presença de nomes tradicionais do partido, como o ex-presidente Bush, por exemplo.
Os rostos antigos foram sendo substituídos e Trump deixou claro, ao longo da campanha, que se cercaria de aliados. Muito provavelmente para não correr os mesmos riscos de 2021, quando o então vice-presidente Mike Pence não cedeu às pressões e certificou a vitória de Biden.
Vale lembrar, também, que muitos republicanos, alguns que trabalharam no primeiro governo Trump, se aproximaram da candidatura de Kamala Harris justificando que ela era uma alternativa melhor do que arriscar a democracia no país.
“Esse novo partido tem uma relação muito forte com o americano médio, conseguiu ter uma força nas pequenas cidades, no eleitorado branco de classe média”, diz Holzhacker. “Isso reforça a percepção da lógica nacionalista e patriótica, se contrapondo a um partido democrata visto como mais distante do que é a alma da sociedade americana.”
- O futuro do Partido Democrata
Muitos erros democratas podem ser apontados ao longo dessa campanha eleitoral. Analistas americanos chegaram a dizer que é preciso repensar a estratégia de enfrentar políticos como Trump, sem os desprezar como sendo outsiders passageiros do sistema político americano.
Analistas americanos escreveram ao longo do dia que, assim como Hillary Clinton errou em 2016, Kamala perdeu muito tempo tentando argumentar que o republicano não estava apto ao cargo e esqueceu de direcionar aos eleitores mensagens diretas sobre o que melhoraria no dia a dia deles, o que faria diferente do atual presidente.
Agora, um cenário é claro. A campanha de Kamala não conseguiu distanciar sua imagem da de Biden. O eleitor avaliou o governo Biden de forma muito negativa, isso pesou muito. As discussões econômicas e, principalmente, a inflacionária, eram pontos importantes e a avaliação do atual governo era muito negativa nesse segmento.
Kamala teve 107 dias de campanha. “Ela chega competitiva numa eleição que havia sido dada como derrota certa. Fez, até, um grande esforço de união, energizou a base, os doadores, mas faltou ser mais clara sobre no que ia ser diferente do Biden”, explica a professora da ESPM-SP.
Agora, o partido Democrata sai com uma grande reflexão a fazer: a perda da comunicação com eleitores tradicionais. O voto dos hispânicos é uma sinalização disso, por exemplo. A votação entre as mulheres brancas é outro exemplo. A diferença de votação entre Kamala e Trump nesse segmento não foi tão grande como a campanha democrata esperava.
A agenda do partido precisa ser repensada. Mas a grande dificuldade é como fazer isso, como colocar o discurso e as necessidades do americano médio no centro de pensamento e fala de uma candidata mulher.
Em seu discurso reconhecendo a derrota, Kamala afirmou que o resultado deve ser aceito, mas a luta continua. “Embora eu reconheça esta eleição, não renuncio ao espírito de luta que permeou esta campanha”.
- Os desafios da democracia
A eleição de Trump logo trouxe a pergunta: como fica a democracia americana agora? Ao longo da campanha, ele só afirmava que reconheceria uma eventual derrota “se a eleição for justa”. Até hoje, ele não reconhece a própria derrota de 2020.
“Fica, agora, a preocupação sobre a qualidade da democracia”, afirma Holzhacker. “Não apenas sobre o funcionamento das instituições, mas o quanto essa democracia traz respostas às necessidades do eleitor”.
O resultado eleitoral nos EUA deixou claro que o pragmatismo do eleitor, preocupado com as questões que impactam o seu dia a dia. E partidos mais progressistas precisam entender como dialogar com eleitores que estão preocupados com esse pragmatismo.
Holzhacker lembra que todas as debilidades da democracia estão sendo geradas dentro do próprio sistema. “(Steven) Levitsky traz isso, da lógica desses processos, das desconfianças sobre as instituições, isso vai minando a percepção do público”.
- O posicionamento dos EUA no mundo
Trump prometeu retirar os EUA do Acordo de Paris e essa é uma sinalização de que a política ambiental sai como grande perdedora desta eleição. Num momento em que as negociações ambientais integram algumas agendas multilaterais, ter a saída americana desse assunto é uma grande preocupação.
O republicano também sempre deixou claro que não tem apreço por organizações multilaterais, criticou fortemente a Otan e continua ameaçando se retirar da aliança. Agora, para Holzhacker, é preciso esperar para ver o quanto ele vai debilitar essas organizações ou usá-las como instrumento de poder.
Trump prometeu também encerrar a guerra na Ucrânia. Mas, para isso, hoje, o cenário possível implica em concessões à Rússia de Vladimir Putin. O presidente eleito deverá manter o apoio a Israel e a pressão junto a países da região, principalmente o Irã.
Mas o grande foco é a disputa com a China. “Essa é a grande agenda geopolítica (de Trump) para reviver o poder americano no mundo”, diz a professora. E esse ponto pode não ser tão prejudicial à China, que pode enxergar o momento como bom para entrar no embate, construir mais e investir em coalizões que preguem a substituição do dólar com uso de moedas locais.
A perspectiva de analistas econômicos é de vermos um mundo mais protecionista, já que Trump prometeu adotar diversas tarifas internacionais.
No Brasil, a nova presidência de Trump terá um impacto que pode ser econômico, justamente em razão das tarifas. “Um mundo mais protecionista não é de interesse do Brasil”, afirma Holzhacker.
Além disso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pode ter dificuldade de implementar a agenda que estabeleceu, num cenário de distanciamento do presidente americano eleito.
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