Haiti tem novo Conselho Presidencial, mas vive paralisia por violência
Missão de recuperar a ordem no país esbarra em dificuldades jurídicas e cotidianas
Por Fernanda Simas
Na quinta-feira, 25, o Conselho Presidencial de Transição do Haiti, formado por nove integrantes escolhidos para representar diferentes setores políticos e sociais, tomou posse, com a missão de restaurar a ordem no país, tomado pela violência de gangues. Michel Patrick Boisvert assumiu como primeiro-ministro interino e o premiê Ariel Henry deixou a cena.
De acordo com fontes no Haiti, há um certo clima de esperança diante do fato de que o Conselho agrupa históricos rivais políticos e representantes empresariais e da sociedade civil. No entanto, a grande questão ainda é como se dará o funcionamento desse Conselho em meio a um cenário de segurança degradada.
Muitos haitianos ainda esperam que uma força internacional seja enviada ao país para auxiliar na segurança. Até março, o Quênia havia proposto liderar uma força internacional de apoio à Polícia Nacional Haitiana, mas o agravamento da crise e a queda do então primeiro-ministro, Ariel Henry, fez com que o governo queniano recuasse.
O Conselho Presidencial - composto por 8 homens e 1 mulher - foi formado após semanas de difíceis negociações políticas. Agora, precisa chegar a um consenso para nomear um novo premiê e encaminhar o Haiti para as primeiras eleições gerais desde 2016. O prazo máximo para entregar o poder a um novo governo eleito expira em 2026.
Enquanto isso, as gangues continuam atacando diferentes partes do país, principalmente da capital Porto Príncipe, onde controlam 80% do território. A economia está parada com o comércio fechado, hospitais pararam de funcionar, a faculdade de medicina foi atacada, assim como a sede do principal jornal local, o “Le Nouvelliste”. Até mesmo, os programas de ajuda humanitária, como os desenvolvidos pela ONU ou pela Cruz Vermelha, estão com dificuldade.
Há 10 anos, a situação no Haiti parecia ser de mudança, após a tragédia do terremoto e sucessivas crises políticas. Em 2014, a rede de hotéis Best Western comemorava a abertura de um hotel cinco estrelas em Petión-Ville, região rica da capital Porto Príncipe.
Um grupo de jornalistas foi convidado a acompanhar. Foi minha primeira viagem cobrindo Internacional. Estive lá a convite de uma rede hoteleira, vi as belezas da ilha caribenha, da culinária de raízes africanas e a importância do Vodu como religião e cultura.
Ao mesmo tempo, vi como, mesmo quatro anos depois, o país ainda tinha dificuldades para reconstruir seus monumentos e economia. Até hoje, por exemplo, parte do palácio presidencial segue sem ser reconstruída.
De lá para cá, os principais temas que dominam a história haitiana são violência, crise humanitária e deterioração política.
Escalada da violência
A renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, em março, deixou evidente como as gangues se tornaram o poder dominante no país mais pobre das Américas. Enquanto as negociações por um conselho de transição ocorriam, o temor entre autoridades internacionais era que essas gangues tomassem o controle de fato do governo.
As centenas de grupos criminosos que atuam no Haiti cometem assassinatos, estupros, saques, sequestros e tráfico de armas. No último mês, vários relatos de violência surgiram justamente de Petión-Ville, região considerada o coração econômico e, até então, intocada pela violência tão exacerbada.
Fontes no Haiti afirmam que a extensão da violência assusta. “As gangues conseguiram parar o país”. Nesta quinta-feira, no momento da posse do Conselho Presidencial, várias rajadas de tiros foram ouvidas na capital.
Desde fevereiro, a violência aumentou significativamente no país. De acordo com as Nações Unidas, cerca de 360 mil haitianos estão deslocados, 95 mil pessoas fugiram da capital e 5 milhões de habitantes vivem em situação de fome aguda.
As gangues intensificaram os ataques contra instituições governamentais, como delegacias e prédios administrativos, e tomaram o controle do principal aeroporto da capital, impedindo voos comerciais de pousar. Até hoje, as seguradoras não fornecem seguro para aeronaves pousarem no Haiti e quem quer deixar o país precisa recorrer ao uso de helicópteros.
Com a escalada da violência, representações diplomáticas retiraram seu pessoal do Haiti. O Brasil chegou a suspender as atividades presenciais do serviço consular na embaixada do País no Haiti, que continua aberta.
Até o momento, não houve relatos de brasileiros vítimas de ataques das gangues.
Próximos passos
A grande dúvida agora é saber se o Conselho Presidencial conseguirá driblar os imbróglios jurídicos e, de fato, controlar a situação urbana, desbloqueando estradas, recuperando territórios e recuperando algo de normalidade.
Além disso, é preciso acompanhar como será a resposta - ou comportamento - das gangues, que já afirmaram indignação por não terem participado das negociações para a formação do grupo de transição.
De acordo com o InSight Crime, grupo que estuda o crime organização na América Latina e no Caribe, a deterioração da segurança no Haiti é tão grande que chegou ao ponto de ter muitos integrantes de gangues entre os atores mais poderosos do país.
Em 2021, analistas já diziam: É bom observar o líder de gangues Jimmy Cherisier, também conhecido como Barbecue, que fazia declarações dizendo que os povos sem voz do Haiti iriam se levantar e acabar com as elites econômicas e políticas.
Barbecue é o líder da gangue conhecida como G9, de mil membros, e tem feito diversas declarações desde o agravamento da crise. Desde 2022, o Conselho de Segurança da ONU lançou uma série de sanções - entre elas, a proibição de viagens, o congelamento de bens e o embargo seletivo de armas - a Barbecue.
Mais pelo mundo:
Manifestações pró-palestinos se espalham em universidades dos EUA
As manifestações pró-palestinos em universidades dos Estados Unidos começaram a expandir nas vésperas das férias de verão e acampamentos se multiplicam nos campi de diferentes instituições. O movimento estudantil começou em Columbia, Nova York, e já tem centenas de detidos em confrontos com a polícia.
A direção de Columbia havia dado até quinta-feira para os estudantes desfazerem os acampamentos, mas recuou. Os grupos que se manifestam criticam o apoio militar americano ao governo de Israel e denunciam a situação humanitária dramática em Gaza.
Alunos de Yale, Harvard, Princeton, NYU, UCLA e outras dezenas de universidades se uniram aos protestos, pedindo que as universidades se afastem de empresas que estejam ligadas a Israel ou à indústria armamentista americana.
Autoridades e lideranças universitárias temem que os protestos levem à propagação de casos antissemitas.
O ex-presidente e candidato republicano Donald Trump condenou as manifestações e disse que "o nível de ódio" é muito superior ao da manifestação da extrema direita em Charlottesville em 2017, que deixou um morto e 19 feridos.
A equipe de campanha do presidente Joe Biden, candidato à reeleição, respondeu divulgando vídeos do comício em Charlottesville que mostram "membros neonazistas e da KKK" gritando "Os judeus não vão nos substituir!".
Biden apoiou o direito dos estudantes à liberdade de expressão, mas criticou a possibilidade de atos antissemitas.
Armênia celebra o Dia da Memória do Genocídio
A Armênia realizou neste 24 de abril celebrações pelo Dia da Memória do Genocídio Armênio, que completou 109 anos este ano. Tradicionalmente, os armênios realizaram uma marcha lembrando os 1,5 milhão de armênios mortos no Império Turco-Otomano entre 1915 e 1923.
Se no ano passado, essas celebrações estavam envoltas em clima de tensão por conta do bloqueio que o governo do Azerbaijão havia imposto à região de Nagorno-Karabakh, neste ano, os armênios realizaram a marcha com cartazes e dizeres que lembraram a tomada da região de maioria populacional armênia pelo governo azerbaijano.
Em setembro de 2023, Baku realizou uma ofensiva relâmpago que levou à rendição de Nagorno-Karabakh, também conhecida como república de Artsakh , e à saída de todos os armênios do local, em mais um processo considerado uma limpeza étnica.
No dia 23 de abril, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, afirmou que um acordo de paz com a Armênia “está mais perto do que nunca” para a delimitação de uma fronteira comum. Em março, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, aceitou entregar ao Azerbaijão quatro povoados fronteiriços que as forças armênia haviam conquistado nos anos 1990.
Parlamento do Reino Unido aprova deportação de migrantes
Nesta semana, o Parlamento do Reino Unido aprovou a lei que prevê a expulsão, para Ruanda, de migrantes que chegam sem documentação legal. O plano foi chamado pelo primeiro-ministro Rishi Sunak de “histórico”.
A lei já enfrenta críticas. A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu que o Reino Unido reconsidere as deportações porque criam “um precedente perigoso”. Associações de direitos humanos também criticaram a aprovação.
O texto deve seguir para a formalidade da assinatura do rei Charles III, que havia se posicionado contra o projeto, e depois entra em vigor. Sunak espera que as deportações comecem a ocorrer no prazo de 10 a 12 semanas.
Tal projeto havia sido apresentado ao Parlamento em 2022 pelo então premiê Boris Johnson.
Em novembro de 2023, o Supremo Tribunal do Reino Unido interrompeu o plano por considerá-lo ilegal. A aprovação desta semana foi uma resposta do Parlamento ao judiciário.