Irã se beneficia de guerra em Gaza e fortalece alianças, diz analista
Para Joseph Humire, morte de Raisi não muda diretrizes do país, mas eleição nos EUA pode impactar ações futuras de Teerã no Oriente Médio
Por Fernanda Simas
A morte do presidente do Irã Ebrahim Raisi levou a muitos questionamentos sobre o futuro do regime, num momento de tensão no Oriente Médio em razão da guerra em Gaza e de avanços do programa nuclear iraniano. Novas eleições foram convocadas para o dia 28 de junho e as negociações entre Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para tentar retomar o acordo de 2015 foram suspensas.
De acordo com a agência, as reservas de urânio enriquecido do Irã totalizaram 6.201,3 kg em 11 de maio, ante 5.525,5 kg em fevereiro, mais de 30 vezes o limite autorizado pelo acordo internacional de 2015. Teerã também ultrapassou o limite de 3,67%, equivalente ao utilizado nas centrais nucleares para produzir eletricidade, e tem 751,3 kg de urânio enriquecido a 20%.
A morte de Raisi ocorreu após as primeiras agressões diretas entre Irã e Israel, no contexto da guerra em Gaza. Qual é a situação do país neste momento? Como fica o cenário eleitoral e quais as consequências da eleição nos Estados Unidos para Teerã? O analista em Irã Joseph Humire, diretor do Center for a Secure Free Society (SFS), afirma que o regime iraniano não deve ter mudanças com a morte de Raisi e tem se beneficiado da guerra em Gaza.
Quais são os principais riscos do Irã hoje?
O Irã tem riscos internos combinados com riscos externos. Internamente, a mobilização da população contra determinadas medidas do governo e a situação da economia, que nunca é forte o suficiente. Mas para esses pontos, a resposta vem com a repressão, é a forma do governo reagir.
Externamente, o maior risco é o Oriente Médio se voltar contra o Irã, principalmente diante do argumento de que Teerã está por trás das principais guerras da região ao financiar grupos no Iraque, no Iêmen e no Líbano, por exemplo. Teerã teme que o mundo árabe se levante e apoie Israel. Alguns países do Golfo, tendo suas economias afetadas pela desestabilização da região, passaram a olhar para a situação e isso levou aos Acordos de Abraão.
Como a guerra em Gaza afeta o Irã depois de quase oito meses de conflito?
O Irã está aproveitando a guerra porque ela é parte da guerra contra o Irã. Teerã tem três frentes de guerra contra Israel: Gaza, uma guerra comercial por meio dos houthis e o Hezbollah.
Quem está mais afetado neste momento pela guerra em Gaza é Israel e não o Irã. A campanha nessas frentes se soma aos protestos contra as ações de Israel e o Irã aproveita e fortalece suas alianças enquanto isso.
O Hamas e o Hezbollah são subordinados ao Irã, precisam do Irã para se manterem. O ataque de 7 de outubro (de 2023) vai prejudicar o Hamas, que pode deixar o controle de Gaza e ficar sem poder ali. Mas isso era o que o Irã queria, o Hamas foi sacrificado. E por que? O Hamas é a primeira onda da guerra contra Israel, os ataques de outubro foram como um 11 de setembro para Israel. A segunda onda da guerra vem com os houthis, cujas ações contra navios estão congelando comércios. A terceira onda deve vir com o Hezbollah, que será a pior frente para Israel. O Irã tem interesse que Israel aja com força contra o Hamas
e Israel sabe que não pode entrar com toda a força em Gaza justamente para não deixar sua fronteira com o Líbano (onde está o Hezbollah) desprotegida.
E quais são as alianças do Irã que se fortalecem?
Alianças com outros Estados mesmo, não estou falando das alianças com esses grupos subordinados ao Irã. As alianças com China, Índia, são crescentes. Começaram a se fortalecer nos anos 1990 e dispararam nos últimos 10 anos. Foram realizados, recentemente, seis exercícios militares conjuntos com a China.
O Irã hoje é um forte provedor de armas para Rússia, Venezuela, por exemplo. São relações de interdependência. O Irã depende do armamento da Coreia do Norte e da Rússia, a Rússia, neste momento, depende do sistema financeiro de China, que depende do petróleo do Irã.
Qual pode ser o impacto da eleição presidencial nos Estados Unidos para o Irã?
Depois de novembro, e principalmente em janeiro, as coisas devem mudar. Se a vitória for de Donald Trump, Teerã sabe que haverá maior pressão. O que ocorreu durante a presidência Trump foi que o Irã preveniu certas ações, como o 7 de outubro. Existe uma frase famosa do Trump, ‘O Irã nunca ganhou uma guerra, mas nunca perdeu uma negociação’. Precisamos entender isso.
O Irã sempre busca chegar a uma mesa de negociação. Uma de suas grandes vitórias foi o acordo nuclear. Teerã quer ter capacidade nuclear para que o mundo leve o país a sério. O cálculo de Trump era debilitar o Irã para acelerar a negociação. Se o atual governo americano mudar, o Irã terá de medir mais suas ações. Com o presidente Joe Biden, Teerã está mais acostumada a como agir, recorre a falsas promessas e segue avançando contra Israel.
As novas eleições no Irã vão mostrar a nova cara de uma mesma moeda.
Como a morte do presidente Ebrahim Raisi afeta o governo iraniano?
O regime iraniano é o único que muda. A presidência vai mudar, com a morte de Raisi, e isso pode afetar um pouco a estrutura do regime. A figura do presidente não é tão importante por conta da existência do Líder Supremo. O presidente resolve mais temas internos, agora as decisões fortes, militares, é tudo manejado pelo Líder Supremo e isso não muda. As novas eleições no Irã vão mostrar a nova cara de uma mesma moeda.
A revolução iraniana mantém a mesma direção e a resistência iraniana, cuidada por outras oficinas dentro da estrutura, também.
Os grandes protestos de 2023 em razão da morte de Mahsa Amini não afetaram em nada o governo?
Serviram para deslegitimar o Irã perante a comunidade internacional. Mas precisamos lembrar que o sistema multilateral já não está forte como há 30, 40 anos. Se estivesse, ou se esses protestos tivessem ocorrido nos anos 1990, teriam levado a muitos problemas para o Irã. Mas o fato é que os que protestam acabam no mesmo destino. Não vemos uma guerra mundial hoje em dia porque essa habilidade de mobilizar a rua não derruba regimes autocráticos.
E como fica o envolvimento da comunidade internacional?
A comunidade internacional apoia esses grupos (que protestam) e negocia, mas o regime iraniano entende esse jogo, o Irã entende a arte da negociação e trata de aproveitar isso ao máximo. O Irã tem a revolução mais longa no poder, atrás de Cuba. A mudança do Líder Supremo teria de ser um momento de transição, mas agora quem está se fortalecendo para ocupar o cargo é o filho de Ali Khamenei. Acredito que uma nova geração desse regime pode ser ainda mais brutal.
Mas, veja, o mesmo passaria com Raisi, que era favorito a tentar se tornar Líder Supremo. Ele era brutal, acusado de vários assassinatos. O cenário continuaria igual, com a diferença de ser menos militar e mais clérigo. Seria interessante ver se alguém que desagrade aos militares chegasse ao cargo.
Mais pelo mundo:
México elege primeira mulher presidente neste domingo
O México vai às urnas neste domingo, 02, em sua maior eleição da história, para escolher presidente, 500 deputados e 128 senadores, além de nove governadores e mais de 20 mil cargos locais. As duas candidatas viáveis são a governista Claudia Sheinbaum, apoiada pela popularidade do presidente em exercício, Andrés Manuel López Obrador, e a opositora Xóchitl Gálvez.
Segundo as pesquisas, Sheinbaum tem 53% de apoio, contra 36% de Gálvez. Mas, independente da vencedora, o grande desafio será a crescente violência no país.
Na sexta-feira, menos de 48 horas antes da votação, um candidato a prefeito foi assassinado no Estado de Puebla (centro). Essas eleições gerais foram marcadas pelo assassinato de 25 candidatos, informaram as autoridades locais. Jorge Huerta Cabrera concorria a uma vaga pelo Partido Verde, aliado do oficialista Morena.
O México está preso em uma espiral de violência desde o início de uma ofensiva militar em 2006 contra os cartéis, que obtêm lucros milionários com o tráfico de drogas sintéticas para os Estados Unidos, onde se abastecem com armas. Desde então, o país acumulou mais de 450 mil homicídios e mais de 100 mil desaparecimentos, segundo dados oficiais.
A nova presidente também terá o desafio de manter os programas sociais em que López Obrador baseia a sua popularidade, com um déficit fiscal de 5,9% e baixo crescimento - uma média de 0,8% durante seis anos.
Na quarta-feira, foram encerrados os comícios de campanha para as eleições. Cerca de 100 milhões de mexicanos - de uma população de 129 milhões - estão habilitados para votar.
Donald Trump é condenado em caso de fraude financeira
Donald Trump se tornou o primeiro ex-presidente e atual presidenciável condenado criminalmente nos Estados Unidos. O republicano foi considerado “culpado de todas as 34 acusações de falsificação contábil agravada para ocultar uma conspiração destinada a perverter as eleições de 2016".
A sentença, que vai de pagamento de multa à prisão, será dada pelo juiz Juan Merchan em 11 de julho, dias antes da Convenção Nacional Republicana em Milwakee, onde Trump receberá a nomeação formal do partido. Trump chamou todo o processo, que ocorreu em Nova York, de “injusto e politizado” e prometeu recorrer.
O presidenciável, que aparece em vantagem nas pesquisas, era acusado de falsificação de documentos contábeis para comprar o silêncio da ex-atriz pornô Stormy Daniels na reta final da campanha eleitoral de 2016.
Mesmo condenado e, eventualmente, preso, Trump continua podendo concorrer à presidência em novembro contra o atual presidente, o democrata Joe Biden. E os EUA entram em um território político e jurídico desconhecido.
A campanha de Biden publicou um comunicado destacando que o veredito contra Trump mostra que "ninguém está acima da lei" e as urnas serão "a única forma de manter Donald Trump fora do Salão Oval".
O republicano tem mais três processos contra ele, mas nenhum deve ter decisão antes da eleição de novembro. Trump foi acusado em Washington e na Geórgia de conspiração para anular os resultados das eleições de 2020 e, na Flórida, de ter levado grandes quantidades de documentos sigilosos para a sua residência após deixar a Casa Branca.
Tropas israelenses entram no centro de Rafah, em Gaza
O Exército israelense confirmou a entrada de suas tropas no centro de Rafah, em Gaza, intensificando a guerra apesar dos apelos internacionais para interromper a ofensiva terrestre na cidade que fica ao sul do território palestino. A operação iniciada no dia 7 de maio tem a intenção de eliminar os últimos redutos do Hamas.
Antes do início da operação, a ONU estimou em 1,4 milhão o número de pessoas que se refugiavam em Rafah. Mas cerca de 1 milhão fugiu desde então, segundo a Agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA).
As forças israelenses afirmam, também, terem tomado o controle do corredor Filadélfia, faixa de 14 quilômetros na fronteira entre Gaza e Egito. Segundo as autoridades, esse corredor é usado para transportar armas até a Faixa de Gaza por meio de túneis. O presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sissi, nega a existência dos túneis.
No dia 26 de maio, um bombardeio de Israel a um campo de deslocados de Rafah deixou, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, 45 mortos e 249 feridos. As forças armadas de Israel informaram que dois líderes do Hamas foram mortos no ataque, e o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tratou o caso como "um acidente trágico".
De acordo com o governo israelense, o ataque atingiu explosivos do Hamas que estavam armazenados no campo, o que levou a um incêndio. As fortes imagens de crianças queimadas despertaram uma nova leva de críticas às ações de Israel em Gaza.