Israel X Irã: entrada dos EUA, cessar-fogo e a instabilidade no Oriente Médio
Contexto geopolítico ajuda a entender atual situação da guerra, enquanto nova ordem mundial se estabelece
Por Fernanda Simas
Na noite de sábado, os Estados Unidos entraram na guerra entre Israel e Irã, atacando três instalações nucleares iranianas - Fordow, Natanz e Esfahan - com 14 bombas perfuradoras de bunkers. A administração Donald Trump afirmou que esse era o objetivo, mas não hesitaria em voltar a atacar caso Teerã não recuasse.
Na segunda-feira, a resposta do Irã foi pontual: ataques a bases americanas no Qatar e no Iraque. Segundo a Casa Branca, os EUA foram avisados por Teerã dos ataques, ou seja, Trump minimizou a reação e deu a situação por terminada, começando a falar em cessar-fogo.
No início desta terça-feira (fim da noite de segunda pelo horário de Brasília), surge a notícia do cessar-fogo, rapidamente violado pelos dois lados do conflito. Teerã diz parar seus ataques se Israel parar também. Nas horas seguintes, três ondas de mísseis foram lançadas contra o território israelense, matando ao menos 4 pessoas e Israel reage. Trump volta a se envolver e afirma que Israel deve recuar.
Até esta publicação, não é possível garantir que o cessar-fogo será respeitado e a guerra tão temida por décadas, encerrada, ou dizer que o conflito vai escalar e envolver outros países do Oriente Médio. Tampouco é possível afirmar, por enquanto, que o programa nuclear iraniano de fato tenha sido destruído com os ataques americanos.
Olhando para os dias de guerra e o contexto geopolítico, no entanto, é provável que não haja o envolvimento de outras grandes potências, como Rússia ou China. Em entrevista à Carta Global (parte feita antes da ação americana e parte logo em seguida), o professor de relações internacionais da ESPM-SP Gunther Rudzit, doutor em ciência política com pesquisa na área de Segurança Internacional, explica os desdobramentos da guerra e possíveis cenários daqui para a frente.
O que acontece com o ataque dos EUA?
Ao que tudo indica, o Irã não vai usar a arma do petróleo contra os EUA porque isso afetaria a China, maior parceira econômica do Irã, que, portanto, já deve ter deixado o recado de que não apoia o fechamento do estreito de Ormuz. O regime iraniano está com uma limitação muito grande e se provocar mais ataques americanos, pode cair pela situação econômica. O aiatolá Ali Khamenei está com opções bastante limitadas.
Como fica a situação do Irã?
A situação já não estava equilibrada porque a Força Aérea de Israel estava atacando quando bem entendia, tinha a supremacia aérea no espaço aéreo iraniano. Isso com alvos entre 1.500 mil e 1.800 quilômetros distantes do território israelense. O Irã respondia com mísseis, que têm uma certa precisão, mas não tão boa quanto um avião lançando sua carga em cima de alvos designados. Ao mesmo tempo, os israelenses não conseguiam destruir o principal objetivo dessa operação: as duas instalações subterrâneas, de Fordow e Natanz. Com a entrada dos EUA, a destruição fica muito mais provável.
Por que provável e não certa? Porque as GBU-57, as bunker buster, têm um raio de ação de profundidade de 60 metros. Mas, ao que tudo indica, as instalações iranianas estão entre 80 e 100 metros dentro das montanhas. Essas bombas foram desenvolvidas pois em outras guerras, alguns alvos já eram subterrâneos. Quando se soube que o Irã estava construindo instalações dentro de montanhas, esse se tornou o principal motivo para o desenvolvimento dessas bombas.
Em nenhum momento Israel pensou em ter uma bomba assim?
O problema é ter o avião que consiga lançá-las, porque elas pesam 13,6 toneladas, somente o B-2 consegue fazer isso.
Existe a chance de outra grande potência entrar na guerra?
Não. A China não tem capacidade de projetar poder militar além da sua própria região. A Rússia até poderia, mas está atolada na guerra da Ucrânia, não vai querer entrar numa guerra contra os EUA porque estaria arriscando uma guerra maior, inclusive com a possibilidade de utilização de armas nucleares.
Além disso, tanto o governo russo quanto o chinês não veem com maus olhos a destruição do programa nuclear militar iraniano porque um Irã nuclear significa um Irã que vai aumentar a sua influência na Ásia Central, região que Moscou considera sua região natural de influência. Para Pequim significa quebrar o tabu do Tratado de Não-Proliferação. Se um país é signatário e desenvolve a bomba, vai servir de exemplo e incentivo para outros fazerem o mesmo, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas, Vietnã. A China não quer que esses países tenham armas atômicas.
O Irã está muito isolado nessa situação.
Sim, porque ele perdeu os aliados que contava para não cair nessa situação, principalmente o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, fora o (ex-presidente sírio) Bashar al-Assad. O principal instrumento do Irã era o Hezbollah, que tinha em torno de 150 mil mísseis e foguetes que ameaçavam Israel, servia como um cão de guarda. Quando Israel conseguiu enfraquecer o Hamas e o Hezbollah, e o Assad caiu, Israel fez ataques - em setembro do ano passado e em abril deste ano - que enfraqueceram demais a defesa aérea iraniana. Israel só estava esperando o momento certo para essa operação. (Joe) Biden não iria apoiar, mas quando entra o Trump o caminho fica aberto. Faltava o motivo, que veio com o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica.
Muito se falou que esse relatório teria sido uma desculpa.
É um relatório dos inspetores da AIEA, teve o apoio dos governos americano, britânico, francês e alemão. Logo em seguida, o governo iraniano declarou que iria começar a construção de uma terceira localidade de enriquecimento de urânio. O cálculo era de que entre três e seis semanas o Irã teria até 12 bombas.
E por que o Irã não pode ter, na visão de Israel? Porque desde a Revolução Islâmica, o Irã não aceita o seu direito de existir, faz discursos pela eliminação do país.
A lógica ocidental quebra quando existe o risco de um ator que promete eliminar Israel do mapa ter arma atômica e acreditar que se morrer numa guerra santa vai para o céu. Se não fosse o Netanyahu, fosse qualquer outro político também tomaria a decisão.
Como fica o apoio a Netanyahu agora?
Desde o fim da Guerra Fria, governos ocidentais diziam estar agindo em nome da comunidade internacional, mas estavam agindo em nome de interesses ocidentais. Naquela época, anos 90, os governos não podiam criticar os EUA porque a Rússia precisava da ajuda do FMI e a China queria entrar na OMC. A partir dos anos 2000, não é mais assim.
O Ocidente europeu vinha criticando o que estava sendo feito em Gaza porque o apoio a Israel tem limites, mas numa situação envolvendo os palestinos. Agora, em relação ao Irã, a percepção ocidental é de que o Irã representa uma ameaça existencial a Israel.
Qual é a situação interna do Irã? Pode se falar em queda do regime?
Esse cenário tem uma probabilidade muito baixa, mas a situação do regime iraniano não é das mais confortáveis nos últimos anos. Eles tiveram que reprimir muito forte a população para acabar com os protestos públicos, principalmente entre 2019 e 2020 com o assassinato da jovem Mahsa Amini. A repressão mostrou que o governo ainda tem uma estrutura repressiva muito forte.
Mas, antes dessa guerra, a situação econômica já era ruim, com inflação acima de 40%, o desemprego alto, principalmente entre os jovens, na casa dos 50%. Isso chama atenção porque quem vai para a rua e derruba o governo é jovem. A situação dos jovens é a grande preocupação do regime.
Diante de toda destruição que ainda vai acontecer na infraestrutura iraniana ao terminar a guerra, a situação econômica vai piorar. Aí sim, a possibilidade da queda do regime começa a se tornar algo mais possível.
Como fica o tabuleiro do Oriente Médio? Israel se consagra como a grande força?
Aparentemente sim. Esse era também um dos objetivos do governo (Binyamin) Netanyahu quando atacou o Hezbollah, era uma ação preparatória para a ação definitiva contra o Irã. Ele (Netanyahu) disse que ia restabelecer a hegemonia militar israelense na região. Agora, tenho certeza que Mohamed Bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, prefere lidar com o Irã do aiatolá Khamenei do que com o Netanyahu hegemônico. Tanto que deixou claro que a Arábia Saudita não vai mais reconhecer Israel, pelo menos por enquanto.
Quando o Hamas atacou (em outubro de 2023) foi justamente para impedir esse reconhecimento, que aconteceria em janeiro de 2024. A Arábia Saudita não trata mais Israel como inimigo, mas também não quer um Israel hegemônico. Como vai ficar essa dinâmica ainda temos de esperar para ver.
Podemos ter uma disputa pela hegemonia entre Arábia Saudita e Israel?
Depende se o Netanyahu vai continuar no poder. Quando essa guerra com o Irã terminar, a pressão para o retorno dos reféns (em Gaza) vai voltar. Há um limite para que a sociedade de Israel aceite isso, Netanyahu vem perdendo popularidade. Se o Irã, que efetivamente era considerado a maior ameaça a Israel, deixar de ser, para que continuar a guerra com o Hamas? Com Netanyahu fora do poder, dependendo de quem subir, as pontes com a Arábia Saudita podem ser restabelecidas.
E como fica a questão palestina?
Precisa ver o que vai acontecer em Gaza, parando a guerra. Se o Hamas quiser continuar governando Gaza, acho muito difícil qualquer governo israelense aceitar. Acredito que um governo pós-Netanyahu possa negociar com a Arábia Saudita uma força árabe de capacetes azuis que garantam que o Hamas não volte ao poder e isso abra caminho para um Estado palestino.
Com a derrota do Irã, Hamas e Hezbollah têm força para voltar?
Eles não vão deixar de existir, mas dificilmente voltarão a ser fortes como eram antes dessa guerra. Podem não representar mais uma ameaça a Israel de uma destruição de larga escala, mas para a população palestina em Gaza, continuariam sendo uma ameaça a liberdades individuais dos palestinos.
A definição de uma nova ordem mundial se torna mais clara ou mais nebulosa agora?
Israel não parar as ações militares em Gaza e ter feito essa ação contra o Irã já é um reflexo dessa nova lei da selva. Porque o Ocidente está criticando Netanyahu e ele não está nem aí. Outros governos não ocidentais o criticam por conta do Irã e ele não se importa. Na lei da selva, os mais fortes se impõem sobre os mais fracos. O presidente Vladimir Putin não se sente nem um pouco pressionado a negociar uma paz, nem um cessar-fogo com a Ucrânia. A China está aumentando as pressões sobre Taiwan e outros vizinhos. O (indiano) Narendra Modi escalou contra o Paquistão achando que era mais forte e só recuou porque sofreu uma humilhação militar da China. Ninguém mais fala da guerra civil do Sudão nem da Líbia.
Na realidade, tanto Gaza quanto o Irã já são exemplos dessa nova realidade da desordem internacional.
Indicação sobre o tema
O podcast Xadrez Verbal publicou uma live realizada antes dos ataques americanos, mas que deixo aqui por trazer um ótimo contexto histórico do conflito Israel-Irã, explicando pontos que levavam essa guerra ser temida havia décadas.