Nova presidente do México tem 1º desafio com possíveis reformas de López Obrador
Claudia Sheinbaum promete discussão e deve tentar uma articulação com o Congresso para suavizar reforma judicial prometida por atual presidente
Por Fernanda Simas
As eleições no México consolidaram o Morena, do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, como o principal partido dos últimos anos. O Movimento Regeneração Nacional elegeu a presidente Claudia Sheinbaum com quase 60% dos votos e 243 deputados, tendo agora maioria qualificada na Câmara para governar e aprovar reformas, o que é visto com preocupação por alguns setores e desafio inicial para a presidente eleita.
Para o analista de México da Oxford Economics, Joan Domene, Sheinbaum deve tentar alguma mediação com o Congresso para “encontrar formas de suavizar essas reformas”. “Os mercados estão preocupados e existe uma tensão com o setor privado. Amlo (como é conhecido o presidente) tem muito claro que queria se despedir da política fazendo grandes transformações. Ele conseguiu ter o partido político mais exitoso em décadas, mas sem grandes mudanças”, explica Domene.
Esse primeiro desafio de Sheinbaum chega antes mesmo de sua posse, que ocorrerá em outubro. Isso porque o novo Congresso assume em setembro e López Obrador deve forçar a votação de alguma das reformas que gostaria de ter deixado como legado.
Uma delas é a reforma judicial. A ideia é diminuir o número de juízes da Suprema Corte e tornar a eleição dos magistrados por voto popular. Diante desse cenário, Sheinbaum prometeu, nesta segunda-feira, 10, realizar uma ampla discussão em torno da reforma. Ela esteve reunida com López Obrador por duas horas, discutindo a transição de poder e o pacote de alterações na Constituição que o atual presidente tinha em mente.
Outras reformas propostas por Amlo são mudar a forma como os conselheiros do INE (Instituto Nacional Eleitoral) são nomeados e acabar com alguns órgãos autônomos que regulam diferentes setores econômicos, como a Comissão Regulatória de Energia.
“Podemos ter a erosão da democracia por vias democráticas, essa é a preocupação”, afirma a analista de México da Control Risks, Marina Pera. “Existe ainda a reforma política, que reduziria o número de deputados e senadores, o que afeta o sistema de minorias e fortalece o partido dominante”, afirma.
Para amenizar o clima de tensão, Sheinbaum afirmou, dias após a eleição, que o atual ministro da Fazenda permanecerá no cargo, e se reuniu com integrantes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da BlackRock.
Segurança e criminalidade
Desde a campanha, e em seu discurso da vitória, Sheinbaum prometeu um governo de continuidade, inclusive na maneira de lidar com a insegurança - outro fator que afugenta investimentos. Com um índice de 30 mil homicídios por ano, o México não viu a violência diminuir com a política de “abraços e não balas” de López Obrador.
A analista da Control Risks explica que parte da ineficiência dessa política vem da militarização da segurança pública. “A estratégia de criar a Guarda Nacional tem militarizado cada vez mais a questão, tirando recursos da polícia. Agora existe um déficit de policiais estaduais e municipais e um empoderamento do Exército para lidar com questões de Segurança, sendo que nem sempre os militares têm o conhecimento necessário para isso”, afirma.
Desde a política de mãos duras do presidente Felipe Calderón para lidar com o narcotráfico, em 2006, a estrutura do crime organizado no México mudou. Os grupos se dividiram e se diversificaram. Se antes existiam 20 grupos atuando principalmente no norte, agora são mais de 100 espalhados em todo o país.
“Esse não é um problema novo e afeta em distintos níveis a economia mexicana, mas algumas empresas levam anos lidando com isso. Acredito que o pior momento que tivemos foi durante os anos de guerra direta (do governo Calderón). Sheinbaum deve manter a situação de certa forma estável”, diz Domene.
Atualmente, os grupos criminosos disputam mercado e rotas entre si e atuam em diferentes frentes. Muitos estão infiltrados em atividades como a distribuição de cestas básicas e o controle de venda de água, por exemplo, ponto importante no México, que vive uma forte crise hídrica.
A falta de água
A Cidade do México pode viver no dia 26 deste mês o “dia zero” e ficar sem água. A situação vem sendo alertada e é consequência da falta de chuvas, das mudanças climáticas causadas pelos homens e, o principal, da falta de infraestrutura.
A falta de água é um problema antigo na capital mexicana, mas agora não afeta apenas os bairros mais pobres e ganhou destaque justamente no período eleitoral. Cerca de um quarto da água que abastece a capital sai do sistema de Cutzamala, uma série de reservatórios e canais que estão secando. Em maio, o sistema estava operando com 28% de sua capacidade.
Os analistas ressaltam que Sheinbaum, doutora em engenharia ambiental, foi prefeita da Cidade do México e deve ter uma abordagem um pouco diferente da do atual presidente no quesito políticas ambientais e climáticas.
“O discurso da ciência e sobre as mudanças climáticas deve favorecer a indústria das energias renováveis. Ela não fala em abandonar o que tem sido feito nos últimos anos no fortalecimento da indústria de óleo e gás, mas seu discurso tem sido e de conciliar, de suprir o aumento da demanda com energia renovável”, explica Marina Pera, para quem a seca acaba expondo justamente a vulnerabilidade da rede elétrica do país e a necessidade de modernizá-la.
“A infraestrutura não é ampliada ou atualizada. Não se trata mais apenas de gastar o dinheiro para se ter água. é preciso mudar a infraestrutura”, afirma Domene. “A situação impacta ainda nos preços de produtos agrícolas, em razão do desabastecimento. Os picos e baixas dos preços mexem com a inflação”, acrescenta o analista.
Compasso de espera
O outro grande desafio de Sheinbaum na presidência do México será definido apenas em novembro, com a eleição nos Estados Unidos. Outros rumos de seu governo dependerão de quem será o novo presidente: Joe Biden ou Donald Trump.
No caso da reeleição de Biden, a política de diálogo deve continuar muito semelhante ao que ocorre agora, com o presidente americano pressionando a mexicana em temas migratórios. A própria Sheinbaum deve continuar atuando fortemente em políticas sociais, para evitar a saída de mexicanos rumo aos EUA, e no diálogo com outros países da América Central, para evitar o fluxo migratório.
Vale lembrar que em 2026 deverá ser revisto o Acordo de livre comércio entre México, EUA e Canadá, outro ponto muito importante para a economia mexicana. Para isso, fator determinante será quem estará ocupando a Casa Branca.
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Eleição do Parlamento europeu tem avanço da extrema direita
O Parlamento Europeu é a única instituição da União Europeia eleita diretamente por cidadãos do bloco, a cada cinco anos. Neste fim de semana, 720 legisladores foram eleitos em uma votação marcada pelo avanço da extrema direita, mas com a manutenção da coalizão governante nas instituições comunitárias - conservadores, socialistas e liberais - que manteve a maioria absoluta.
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