O ceticismo em torno do acordo entre Ruanda e República Democrática do Congo
Décadas do conflito de motivações étnicas e econômicas dependem de pacto frágil firmado com mediação dos EUA
Por Fernanda Simas
No fim de maio, Ruanda e República Democrática do Congo (RDC) assinaram, em Washington, um acordo para acabar com o conflito de décadas na região fronteiriça entre os dois países. Passada uma semana, analistas e historiadores continuam céticos de que esse seja o fim do conflito e defendem que pode acabar se tornando uma pausa.
“Esse é um acordo que não prevê nenhum tipo de investigação por atrocidades cometidas, de responsabilização ou indenizações, seja por violência cometida ou riqueza contrabandeada”, explica o historiador e criador do Xadrez Verbal, Filipe Figueiredo. “É um acordo frágil que depende exclusivamente das boas relações entre os governos da República Democrática do Congo e dos Estados Unidos, e de os dois países, principalmente EUA, cumprirem compromissos, como colocar dinheiro no Congo, preparar as tropas congolesas para um eventual conflito.”
O acordado pelos ministros das Relações Exteriores congolês, Thérèse Kayikwamba Wagner, e ruandês, Olivier Nduhungirehe, inclui a promessa de que Ruanda encerrará suas medidas defensivas no país vizinho. Os rebeldes do M23 - composto principalmente por tútsis -, que segundo a ONU e os EUA receberam apoio militar de Ruanda, têm ganhado território no leste da República Democrática do Congo desde janeiro, conquistando cidades estratégicas como Goma e Bukavu.
O governo congolês denuncia há muito tempo que o M23 recebe apoio militar de Ruanda, que nega apoiar diretamente os rebeldes. O governo ruandês afirma que sua segurança tem sido ameaçada por grupos armados que permaneceram no leste da República Democrática do Congo durante décadas, em particular as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda, criadas por ex-líderes hutus vinculados ao genocídio de tútsis em 1994.
Para entender melhor o ceticismo de historiadores e especialistas em África é preciso voltar às origens deste conflito. Um conflito que envolve a formação desses países, suas etnias e a presença de minerais importantes.
Histórico de RDC e Ruanda
Os dois países africanos tiveram um processo de formação com base em divisões e domínio europeus. Com isso, tanto a RDC quanto Ruanda têm uma grande diversidade étnica dentro de fronteiras estabelecidas por europeus. Esse é o primeiro motivo apontado por historiadores para o atual conflito.
As duas populações mais conhecidas - e aqui entramos no segundo fator da origem do conflito - estiveram no centro do genocídio cometido em Ruanda na década de 1990, quando extremistas hutus perseguiram e mataram tútsis. “Depois do genocídio, as principais milícias foram expulsas de Ruanda e parte delas fugiu para o leste do Congo”, explica Figueiredo.
O terceiro fator deste conflito está no fato de que a região é rica em recursos minerais naturais essenciais para a tecnologia, como lítio, cobalto e coltan, além de ouro e diamantes. A República Democrática do Congo, com reservas desses recursos minerais em seu solo, se torna interessante do ponto de vista estratégico e econômico.
“Ruanda, sob a atual ditadura de Paul Kagame, usa a justificativa de combater grupos hutus que fugiram do país e estão no leste do Congo e financia grupos como o M23 para controlar esses territórios e recursos”, afirma o historiador. “Mesmo sem ter reservas desses recursos em seu solo, Ruanda é um dos líderes de exportação de alguns deles justamente pelo controle e contrabando de riquezas minerais do Congo.”
Impactos
O conflito de décadas afeta não apenas Ruanda e RDC, mas, também, países no entorno e de outras partes do mundo. Vale lembrar da presença de tropas e missões da União Africana no continente. Fora isso, o agravamento da situação pode levar a um fluxo de refugiados a países vizinhos dos envolvidos, como Uganda.
Figueiredo ressalta os impactos para outras regiões, como a relação próxima entre Ruanda e Israel, que compra muitos recursos naturais, incluindo diamantes, justamente via Ruanda. Além disso, o Catar teve papel importante na mediação deste conflito. “Tem se tornado um investidor cada vez maior dessas explorações minerais. Estamos falando de recursos, como lítio e ouro, que têm repercussão global.”
O ganhador do Prêmio Nobel da Paz e candidato à presidência congolesa em 2024, Denis Mukwege, criticou o acordo e denunciou que o pacto "legitima a pilhagem dos recursos naturais do país" e "recompensa a agressão". Mukwege também criticou a “abordagem bilateral favorecida por Washington diante de uma crise cuja dimensão é amplamente regional, com a presença de vários exércitos estrangeiros no território congolês, incluindo os de Uganda e Burundi".
Interesses americanos
Assim como fez no conflito entre Israel e Irã, o presidente Donald Trump segue tentando marcar sua presidência por acordos e afirmou que mediaria a paz no conflito africano, em mais um passo para se cacifar como merecedor de um Nobel da Paz. Outro interesse do americano está ligado à riqueza mineral do Congo.
”Aqui entra a competição com a China pelo controle dessas riquezas naturais cada vez mais estratégicas para a economia e novas tecnologias. E vai além de tirar a presença chinesa dessa região, é interromper a dependência dos EUA da produção chinesa”, explica Figueiredo. “Hoje, os chineses são os maiores produtores desse tipo de minério, as chamadas terras raras.”
Principal produtor mundial de cobalto e segundo maior país da África, a República Democrática do Congo detém pelo menos 60% das reservas mundiais de coltan, o mineral estratégico para o setor de eletrônicos, fato que é de particular interesse para Trump.
Indicação sobre o tema
Deixo aqui, desta vez, o link para o discurso de António Guterres, secretário-geral da ONU, feito em abril para o Dia Internacional de Reflexão sobre o Genocídio de 1994.
Mais pelo mundo
Negociações por cessar-fogo em Gaza ocorrem sob pressão de Trump
As negociações entre Israel e o grupo terrorista Hamas sobre um cessar-fogo em Gaza estão ocorrendo no Catar, depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressionou o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, para alcançar um acordo que termine com a guerra.
Até a manhã desta terça-feira não havia avanços. O Catar, país mediador, alertou que alcançar um acordo levará tempo.
As negociações indiretas começaram em Doha no domingo, com o objetivo de negociar um cessar-fogo após 21 meses de guerra. Na segunda-feira, em um encontro com Netanyahu na Casa Branca, Trump negou a existência de qualquer "obstáculo" para as negociações.
O presidente americano quer aproveitar o momento de trégua entre Israel e Irã para conseguir um cessar-fogo em Gaza e ficar marcado como o líder que “conseguiu resolver” a situação no Oriente Médio. O enviado especial de Trump, Steve Witkoff, deve se unir às negociações no Catar durante a semana.
Netanyahu, no entanto, descartou a possibilidade de criação de um Estado palestino, insistindo que Israel "sempre" manterá o controle da segurança em Gaza, o que pode dificultar as negociações.
Das 251 pessoas sequestradas em 7 de outubro de 2023 durante o ataque terrorista do Hamas a Israel, 49 permanecem em cativeiro em Gaza, 27 delas consideradas mortas pelo Exército israelense.
Segundo fontes palestinas, a proposta americana prevê um cessar-fogo de 60 dias, durante o qual o Hamas libertaria 10 reféns israelenses vivos e entregaria vários cadáveres de sequestrados, em troca da libertação de prisioneiros palestinos em Israel.
O ataque do Hamas em outubro de 2023 deixou 1.219 mortos em Israel, a maioria civis. Mais de 57.500 palestinos morreram na ofensiva que Israel lançou em retaliação em Gaza, a maioria civis, segundo o Ministério da Saúde do território governado pelo Hamas. A ONU considera os dados confiáveis.
Colômbia prende mais um acusado de envolvimento em ataque a pré-candidato presidencial
A polícia colombiana prendeu no sábado mais um homem acusado de envolvimento no atentado contra o senador e pré-candidato à Presidência Miguel Uribe Turbay.
Elder José Arteaga Hernández, conhecido como El Costeño, é apontado como um dos cérebros logísticos e peça-chave para chegar aos autores intelectuais do ataque de 7 de junho contra Uribe, que continua hospitalizado em Bogotá.
"Um criminoso com mais de 20 anos de história criminal, aquele que participou diretamente, que materializou e organizou o antes, durante e depois desse ataque criminoso", disse o diretor da polícia Carlos Fernando Triana Beltrán, em entrevista coletiva em Bogotá.
O senador de direita de 39 anos do Centro Democrático, foi baleado três vezes durante um comício em um parque da capital colombiana.
A Colômbia prendeu até agora cinco acusados de participação no atentado - que despertou o medo de o país voltar a viver a violência politica dos anos 1980 -, incluindo o atirador, um adolescente de 14 anos preso minutos após o ataque.
El Costeño, que tem uma notificação vermelha da Interpol, "seria o encarregado dos trabalhos de coordenação da ação criminosa, além da identificação e entrega da arma ao adolescente", disse a polícia. Ele está sendo investigado pelos crimes de tentativa de homicídio agravado, fabricação, tráfico e posse de armas, conspiração para cometer um crime e uso de menores em atos criminosos.