Oriente Médio: duas mortes e aumento da tensão
Probabilidade de guerra regional aumenta em meio a ameaças do Irã e do Hezbollah
Por Fernanda Simas
A probabilidade de uma guerra regional no Oriente Médio aumentou nesta semana, após as mortes do líder político do Hamas Ismail Haniyeh, no Irã, e do líder do Hezbollah Fuad Shukr, no Líbano. Para analistas, a ampliação do conflito não é de interesse dos atores envolvidos diretamente e nem das potências que seriam arrastadas para o embate, como EUA e China, mas qualquer movimento considerado além dos limites pode desatar a guerra.
“O governo iraniano tem que dar uma resposta. Vamos ter uma guerra regional? Ainda não. Neste momento, isso significaria o aumento do preço do petróleo, portanto o governo americano vai pressionar Israel e o chinês, o Irã”, explica o professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit, especialista em Oriente Médio. “Além disso, uma guerra em larga escala deixaria Israel e Irã mais abalados politicamente. O receio é que um dos dois lados cruze uma linha vermelha”, afirma.
Para se ter ideia do impacto econômico da tensão no Oriente Médio, logo depois do anúncio da morte de Haniyeh, houve uma alta no preço do barril de petróleo, que chegou a bater 4%.
No fim desta semana, o governo de Israel afirmou que está se preparando para um ataque iraniano, mesmo sem ter assumido a autoria da morte de Haniyeh. O líder político do Hamas desde 2004 era figura importante nas negociações de um possível cessar-fogo em Gaza e estava em Teerã para a posse do novo presidente iraniano.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ameaçou Israel com um “castigo severo” e o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, falou em “resposta inevitável”.
Haniyeh foi primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina entre 2006 e 2014 e foi morto quando uma bomba explodiu em seu quarto numa residência onde costumava ficar durante as viagens ao Irã.
Segundo relatos da imprensa internacional, a bomba teria sido plantada no local há mais de um mês. O Irã não confirmou tal versão, até pelo fato de que deixaria claro a falha de segurança.
“Para o Irã foi uma humilhação. É o segundo ataque que Israel efetuou de forma profunda no território iraniano. Ou o serviço de inteligência israelense, o Mossad, consegue penetrar no Irã facilmente ou tem agentes infiltrados no governo iraniano”, avalia Rudzit, explicando que implantar a bomba no local requer um dado de inteligência muito preciso.
A Guarda Revolucionária iraniana afirmou que Haniyeh foi morto em um “ataque com um projétil de curto alcance” e acusou Israel pela ação, que chamou de “terrorista”. Analistas ressaltaram ao longo desta semana o fato de o Irã ser uma nação soberana, portanto tal ataque teria de ser coordenado com Teerã, ou pode ser interpretado como um desrespeito do direito internacional.
Reforço militar
Na sexta-feira, o governo americano anunciou um reforço em sua presença militar no Oriente Médio, “diante da possibilidade de uma escalada regional por parte do Irã e seus aliados”. Teerã é o grande apoiador, financiador e quem mantém o Hamas, o Hezbollah e os Houthis, no Iêmen.
Washington enviará mais navios de guerra com mísseis balísticos de defesa, além de um esquadrão adicional de caças, informou o Pentágono.
Neste sábado, o jornal ultraconservador iraniano Kayhan, citado pela agência de notícias France-Press, afirmou que as cidades israelenses de Tel-Aviv e Haia estão entre os alvos e falou em uma resposta que “prevê dolorosas perdas humanas”.
O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, informou que o país está em um “nível muito elevado” de preparação para qualquer cenário, seja defensivo ou ofensivo.
Hamas e a situação em Gaza
Para o esforço de guerra do Hamas, a morte de Haniyeh não altera muito o tabuleiro. Mas, para as negociações de um cessar-fogo em Gaza e a troca de reféns com Israel, sim. Das 251 pessoas sequestradas nos ataques terroristas do Hamas em Israel, em 7 de outubro do ano passado, 111 continuam em cativeiro em Gaza, sendo que 39 morreram, de acordo com o Exército israelense.
A ofensiva israelense em Gaza continua e o governo Netanyahu promete destruir o Hamas. O professor Rudzit afirma que o grupo já não controla Gaza e está enfraquecido politicamente, o que era inimaginável antes de outubro.
“Esse foi um dos motivos para a assinatura de um documento pelas 14 alas palestinas em Pequim, que mostra o Hamas e o Fattah concordando em formar um governo de união, eventualmente governando Gaza e Cisjordânia. É uma prova do enfraquecimento militar do Hamas, que, por outro lado, ganhou apoio entre muitos jovens da Cisjordânia”, diz Rudzit.
A tensão no Líbano
A situação no Líbano também está mais tensa depois desta semana. A Suécia anunciou neste sábado o fechamento de sua embaixada em Beirute e recomendou que seus cidadãos deixem o país.
As companhias aéreas Air France e Transavia suspenderam os voos para a capital libanesa até, pelo menos, a terça-feira dia 6.
Ainda neste sábado, a representação do Irã na ONU disse esperar que o Hezbollah “escolha mais alvos e ataque profundamente o território de Israel, sem se limitar a objetivos militares”.
Israel assumiu a autoria do ataque que matou o líder do Hezbollah Shukr, mas ressaltou que foi uma resposta aos ataques do grupo xiita nas Colinas do Golã.
Continue acompanhando as notícias da região com a Carta Global e em nosso Twitter / X.
Mais pelo mundo
Países se dividem e cobram auditoria da eleição na Venezuela
A tensão na Venezuela continua após a eleição da semana passada, na qual o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), ligado ao chavismo, proclamou Nicolás Maduro como vencedor, sem exibir as atas eleitorais. Após pressão de alguns países pedindo que o governo venezuelano permitisse uma auditoria internacional, os Estados Unidos cansaram da falta de resposta e reconheceram a vitória do candidato opositor, Edmundo González.
A líder opositora Maria Corina Machado afirmou que González foi o vencedor e apresentou dados com base em atas que teria coletado. Maduro subiu o tom após três dias de manifestações e falou na criação de dois presídios de segurança máxima.
Se semana passada, uma das dúvidas na Venezuela era sobre o papel dos militares, até este momento ficou claro que seu apoio continua ao chavismo. Em vídeo publicado ao longo da semana, militares ao lado do ministro da Defesa, Vladimir Padrino, juraram lealdade ao governo Maduro.
Enquanto isso, Brasil e Colômbia continuam se equilibrando para exigir transparência do governo Maduro e não romper relações com a Venezuela. O Brasil assumiu a custódia da embaixada da Argentina em Caracas após a expulsão dos diplomatas argentinos, vai cuidar do prédio e dar assistência aos argentinos.
O presidente argentino, Javier Milei, e Corina Machado agradeceram ao Brasil. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adotado tom ambíguo, vezes pedindo uma auditoria dos votos, vezes dizendo que a Venezuela passa por um processo normal.
Do lado colombiano, o presidente Gustavo Petro pressiona de forma mais aberta o governo Maduro por uma recontagem dos votos de forma independente, aberta e pública.
Outro ator importante é o México. O presidente Andrés Manuel López Obrador foi enfático ao criticar a postura do governo americano de reconhecer a vitória da oposição, mas assinou um comunicado conjunto com Brasil e Colômbia pedindo que as atas sejam divulgadas.
Para este sábado, a oposição venezuelana convocou uma grande marcha.
Kamala garante indicação democrata para disputar eleições
A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, garantiu a indicação do Partido Democrata na sexta-feira para concorrer à presidência nas eleições de novembro. Em uma votação eletrônica com quase 4 mil delegados do partido, Kamala era a candidata única.
Ela recebeu o endosso do presidente Joe Biden logo após ele anunciar que estava saindo da disputa, há duas semanas. A nomeação oficial de Kamala vai ocorrer na convenção do partido em Chicago.
Na próxima semana, a candidata vai visitar sete Estados cruciais para as eleições, possivelmente com seu vice, que deve ser anunciado nos próximos dias já que está prevista uma aparição pública dos dois na terça-feira na Filadélfia.
A campanha de Kamala bateu recordes de arrecadação de fundos e diminuiu a vantagem que o republicano Donald Trump tinha nas pesquisas de intenção de voto.