Petro vê promessa de paz total na Colômbia cada dia mais distante
Presidente enfrenta dificuldades políticas enquanto grupos armados se fortalecem
Por Fernanda Simas
A promessa de Gustavo Petro de levar a paz total à Colômbia parece cada vez mais distante de se tornar uma conquista do primeiro presidente de esquerda do país. Falhas na estratégia de negociações, incertezas políticas e a crescente violência entre grupos armados colombianos são as causas apontadas por analistas e os desafios de Petro em seus próximos dois anos de governo.
Um dos primeiros pontos que levam ao atual cenário é o fato de os termos dos acordos de 2016 entre o governo do então presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não terem sido respeitados após o fim do mandato de Santos. Essa foi justamente a premissa para o plano da paz total: era preciso reconhecer que a ação de outros atores armados do país impedia a implementação dos termos pactuados há oito anos e realizar uma negociação ampla e simultânea.
Mas aqui mora também o primeiro problema para o governo Petro. “Nenhum grupo (armado) é alheio ao fato de que governo Petro e (de Iván) Duque não conseguiram manter a segurança a ex-combatentes (das Farc) e, tampouco, mantiveram a palavra do governo anterior para os acordos de paz”, explica o diretor do Colombian Risk Analysis, Sergio Guzmán.
Atualmente, o governo colombiano tenta negociar com oito grupos diferentes, cada um com objetivos próprios e olhando os “benefícios” que os outros recebem da Casa de Nariño.
Segundo fontes próximas às negociações, falhas na estratégia do governo ajudam a travar o avanço das conversas. Uma delas é o fato de o marco jurídico para os herdeiros das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia) - um grupo paramilitar - não ter tramitado, causando incerteza e pouca clareza jurídica.
Ao longo de seis décadas, o conflito armado na Colômbia opôs guerrilhas, narcotraficantes, paramilitares e agentes estatais. O balanço é de mais de nove milhões de vítimas, a maioria deslocados.
O marco jurídico criado para a negociação com os herdeiros das AUC tinha a intenção justamente de tirar o caráter político desses grupos. Atualmente, o principal herdeiro do paramilitarismo na Colômbia é o Clã do Golfo, que, segundo dados oficiais, trafica ao exterior cerca de 700 toneladas de cocaína por ano, está ligado ao garimpo ilegal e ao tráfico de migrantes na fronteira com o Panamá.
Outra falha de impacto direto para o atual desânimo com a possibilidade de uma paz total foi o Exército ter passado a adotar uma política de defesa e não de iniciativa na segurança em áreas onde antes existia o predomínio das Farc.
Esses pontos somados incentivaram, de forma involuntária, o reposicionamento e o confronto entre os distintos atores armados, aumentando a insegurança e a violência em territórios do país. Analistas colombianos dizem que o declínio do preço da cocaína no mercado internacional acabou levando os grupos armados a recorrerem a mais sequestros, extorsões e à mineração ilegal para aumentar seus recursos.
“Os grupos não têm incentivo real de negociar com o governo, que ao oferecer um cessar-fogo bilateral contínuo, sem importar quantos atentados façam, mostra que não há consequências. Negociar perpetuamente pode ser uma boa estratégia para os grupos se fortalecerem”, afirma Guzmán.
Em março deste ano, o governo colombiano reconheceu o aumento no número de integrantes dos principais grupos armados do país. De acordo com o portal La Silla Vacía, houve um crescimento de 11% no número de combatentes da guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN) e de dois grupos dissidentes das Farc, conhecidos como Estado-Maior Central (EMC) e Segunda Marquetalia.
O mesmo portal afirma que, em 2023, todos os grupos armados colombianos somavam 16.770 combatentes, 1.650 a mais do que no ano anterior.
Desde o início das conversas entre o governo Petro e os grupos, em 2022, o cessar-fogo com o ELN foi violado diversas vezes pelos integrantes da guerrilha e a trégua com os dissidentes do EMC foi suspensa por meses em 2023.
Peso político
Além da questão da segurança, Petro precisa lidar com o desgaste político, a dificuldade em levar adiante outras agendas, como a reforma da Saúde, por conta da oposição no Congresso, e a consequente falta de união em torno de sua maior promessa. E, se esse cenário se manter ou piorar, as chances de uma paz total em governos seguintes também diminuem.
“O presidente não parece ter apoio político, mesmo com a maioria dos colombianos dizendo que buscar a paz de forma negociada é melhor do que buscá-la por meio armado. O governo não parece negociar com o resto do Estado e isso trunca sua capacidade de gestão e a possibilidade de um sucessor continuar seu plano de paz total”, avalia Guzmán.
O fator Venezuela
Vale lembrar aqui um elemento externo que pode ter papel fundamental no futuro dessas negociações: a eleição na Venezuela.
O ELN é hoje uma das organizações criminosas mais poderosas da América Latina. Nos últimos anos, se expandiu e se fortaleceu na Venezuela, se tornando uma guerrilha binacional.
Segundo o InSight Crime, um grupo que estuda o crime organizado na América Latina, o ELN opera em ao menos 23 dos 32 Departamentos (Estados) da Colômbia e em 8 dos 24 da Venezuela.
Com mais de 5 mil integrantes espalhados pelos dois países, o grupo combate o Estado na Colômbia e atua como força paramilitar em apoio ao governo de Nicolás Maduro na Venezuela.
Para fontes próximas às negociações, uma mudança interna na Venezuela, onde o grupo tem uma retaguarda estratégica, pode mudar os incentivos do ELN com as negociações também.
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Palestina tem vitória simbólica na ONU
A Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta sexta-feira, 10, uma resolução que dá mais direitos aos palestinos nas Nações Unidas e recomenda que o Conselho de Segurança reconsidere a candidatura da região como membro pleno. A decisão simbólica, apesar de não vinculante, dá amplos direitos aos palestinos e despertou fortes críticas de Israel.
O texto concede imediatamente diversos "direitos e privilégios adicionais" aos palestinos a partir da 79ª sessão da Assembleia, em setembro. No entanto, exclui o direito de voto e de se eleger membro do Conselho de Segurança. Agora, a Palestina poderá apresentar diretamente propostas e emendas sem passar por um terceiro país ou se sentar entre os Estados-membros por ordem alfabética. A resolução foi aprovada por 143 países, outros 25 se abstiveram e 9 foram contra, entre eles os Estados Unidos.
Desde 2012, a Palestina tem o status de “Estado não membro observador”. Para ser membro pleno da ONU, é preciso uma recomendação positiva do Conselho de Segurança. Em abril, os EUA vetaram essa recomendação.
Haiti terá presidência rotativa
O novo conselho de transição do Haiti estabeleceu uma presidência rotativa de mandatos de cinco meses como forma de enfrentar a crise gerada pela nomeação de Edgard Leblanc Fils como presidente interino do país na semana passada. A notícia foi dada pela agência France-Press, que teve acesso a um decreto.
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Agora, Fils ficará à frente do conselho até 7 de outubro. Segundo o decreto, o conselho também se comprometeu a tomar suas decisões mais importantes, como a nomeação de um primeiro-ministro e um governo, por uma maioria de cinco votos.