Seis meses da guerra em Gaza: a radicalização X a solução política
Analistas enxergam momento atual como o pior do conflito entre Israel e Hamas
Por Fernanda Simas
Independente dos próximos passos, o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas já tem impactos de ordem mundial, mexeu com a geopolítica do Oriente Médio, com a posição de potências ocidentais e levou a uma catástrofe humanitária. De acordo com analistas, o período serviu para reacender a discussão sobre a solução de dois Estados e a segurança regional, mas tem levado a novos cenários de radicalização.
Há seis meses, o Oriente Médio vive o temor de um conflito regional. A guerra, cada vez mais distante de uma resolução definitiva, começou com o ataque terrorista do Hamas em Israel, que deixou 1.170 mortos e mais de 250 reféns, e levou a uma resposta militar israelense em Gaza que deixou 33.175 mortos, a maioria mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas, que controla a Faixa de Gaza..
“O ataque foi muito grave, complexo. O Hamas esperava uma reação de Israel, mas não essa reação tão forte. Começou como uma resposta legítima de antiterrorismo e ganhou outra forma”, explica Rashmi Singh, professora de relações internacionais na PUC Minas Gerais, codiretora na Rede de Terrorismo, Radicalização e Crime Organizado e autora do livro “Hamas e o Terrorismo Suicida”. “Ao mesmo tempo, o ataque levantou novamente a conversa sobre dois Estados e a segurança regional”, acrescenta.
Vale lembrar que essa solução ganhou corpo principalmente no campo diplomático, mas neste momento parece distante já que, de forma esperada, o discurso de ódio e a radicalização cresceram nas sociedades palestina e israelense.
“A ideia de dois Estados perdeu bastante força depois de 7 de outubro. Mas acredito que vai ressurgir muito em breve, inevitavelmente, vai surgir como a única opção viável em médio e longo prazos”, afirma Asi Garbarz, historiador e pesquisador formado nos estudos do Oriente Médio pela Universidade de Haifa, em Israel.
Uma consulta realizada no começo de março pelo Instituto para Estudos em Segurança Nacional, com base em Tel-Aviv, e citada pela agência France Press, mostrou que o apoio dos judeus israelenses à solução de dois Estados, com a criação de um Estado palestino independente estava em 35%. Em 2022, esse apoio era de 49%.
A mesma pesquisa mostrou que o apoio da população de Gaza a essa mesma solução passou de 35% em dezembro para 62% em março.
“Existiu um erro de cálculo do Hamas e, também, de Israel. Estamos vendo o pior momento do conflito de décadas entre os dois”, diz Singh. “O que está ocorrendo vai levar a um pico nos discursos de ódio, com mais radicalização e mais pessoas para usar a violência. Vale lembrar que a maioria dos terroristas do 7 de outubro era composta de órfãos.”
“Existiu um erro de cálculo do Hamas e, também, de Israel. Estamos vendo o pior momento do conflito de décadas entre os dois”
O governo israelense vem sendo pressionado em razão de sua resposta em Gaza. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem alertado para a catástrofe humanitária e o risco de uma fome generalizada no território de 2,4 milhões de habitantes. Segundo a diretora-executiva do Unicef (Fundo da ONU para a Infância), Catherine Russell, “a fome é iminente”.
Até mesmo seu principal aliado e fornecedor de armas, os Estados Unidos, adotaram nova postura. O Conselho de Segurança da ONU realizou recentemente cinco votações sobre um cessar-fogo do conflito. Apenas na última, os EUA se abstiveram, abrindo caminho para a aprovação.
No entanto, o cessar-fogo que deveria começar nesta terça-feira, dia 9, não foi respeitado.
Na semana passada, o governo do presidente Joe Biden condicionou, pela primeira vez, seu apoio às medidas que Israel adotasse para proteger os civis e trabalhadores humanitários em Gaza.
Como consequência, Israel decidiu abrir a passagem de Erez, ao norte de Gaza, para a entrada temporária de ajuda humanitária, prometeu habilitar o porto de Ashdod para o envio de insumos e autorizou "o aumento da ajuda" pelo posto de Kerem Shalom, no sul.do território, além de admitir "erros" no bombardeio que matou sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen (WCK), do chef hispano-americano José Andrés, no território palestino dias antes.
A possibilidade de uma nova trégua no conflito está sendo discutida entre os dois lados. Seriam seis semanas de trégua, envolvendo a troca de 900 palestinos prisioneiros por mulheres e crianças reféns e a possibilidade de entrada de 400 a 500 caminhões de ajuda humanitária em Gaza por dia.
No final de novembro do ano passado, a primeira trégua do conflito permitiu a entrada de ajuda em Gaza e a troca de uma centena de reféns por prisioneiros palestinos detidos em prisões israelenses.
Ao mesmo tempo em que ocorrem essas negociações, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, anuncia que foi definida uma data para a operação militar em Rafah, cidade ao sul da Faixa de Gaza a qual o premiê diz ser o último reduto do Hamas. “A vitória contra o Hamas requer a entrada em Rafah e a eliminação dos batalhões terroristas que estão lá", afirma.
O Exército israelense anunciou sua retirada de Khan Yunis para se preparar para a operação em Rafah. A partir desta retirada, dezenas de refugiados palestinos em Rafah iniciaram sua viagem de retorno a pé, de carro ou em carroças para Khan Yunis. Imagens da France Press mostram esse retorno.
Manifestações
O governo de Netanyahu sofre também uma pressão interna crescente, com manifestações quase diárias pedindo novas eleições e a saída do premiê. No sábado 6 de abril, um dia antes dos ataques terroristas do Hamas completarem seis meses, milhares de pessoas saíram às ruas de Israel pedindo eleições antecipadas.
“Todas as pesquisas mostram uma queda no apoio ao governo desde o 7 de outubro. De todos os lados da oposição, mas também do lado da coalizão, do governo de união formado durante a guerra, estão pedindo o adiantamento das eleições para setembro”, afirma Garbarz.
Para a professora Singh, o governo Netanyahu está “empurrando Israel para uma guerra regional”, principalmente depois de um ataque a um consulado iraniano na Síria.
Na Cisjordânia, mais violência
Embora a guerra ocorra em Gaza, desde o 7 de outubro os casos de violência aumentaram na Cisjordânia, envolvendo palestinos, colonos judeus e forças israelenses.
Mais de 440 palestinos foram mortos por soldados israelenses ou colonos desde o início do conflito, segundo a Autoridade Palestina, que administra parte do território. E ao menos 17 soldados e civis israelenses foram mortos em ataques no mesmo período, de acordo com autoridades de Israel.
“As duas sociedades. palestina e israelense, estão passando por uma radicalização, mas, por outro lado, e isso pode soar um pouco estranho, surgem oportunidades porque de repente todo mundo, israelenses, palestinos, o mundo todo, está sentindo que não dá mais, que é preciso mudar alguma coisa de forma fundamental”, diz Garbarz.
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Crise diplomática entre Equador e México
O México rompeu relações diplomáticas com o Equador no sábado após, um dia antes, forças policiais equatorianas entrarem na embaixada mexicana em Quito e prenderem o ex-presidente equatoriano Jorge Glass. Momentos antes, o México havia concedido asilo a Glas, condenado por corrupção.
O presidente do Equador, Daniel Noboa, defendeu sua decisão de invadir a sede diplomática - considerada território inviolável - argumentando que não poderia correr o risco de uma fuga de Glas.
O México já retirou todo seu corpo diplomático do Equador e a crise continua. O governo colombiano propõe uma solução latino-americana para superar a situação. A Casa Branca condenou o uso de força equatoriana contra a embaixada mexicana.
Brasil pede perdão a indígenas por perseguição
O Estado brasileiro pediu perdão oficialmente, no marco dos 60 anos do golpe militar no país, pela perseguição realizada a povos indígenas durante o período ditatorial. O pedido, feito pela Comissão de Direitos Humanos, foi dirigido, em particular, aos povos krenak e guarani-kaiowá, pela “perseguição política estatal ocorrida entre 1946 e 1988.
Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), povos originários foram obrigados a deixar suas terras. O reconhecimento, inédito, não implica em reparações, mas, a partir de agora, esses povos indígenas passam a ser considerados, oficialmente, anistiados políticos coletivos.
Corrida eleitoral americana
O ex-presidente Donald Trump, candidato republicano à Casa Branca, afirmou na segunda-feira que as restrições ao direito ao aborto devem ser deixadas nas mãos de cada Estado americano. A fala é uma tentativa de acenar a eleitores centristas, sem ferir sua base conservadora.
Trump sempre se vangloriou de ter conseguido com que a Suprema Corte derrubasse a proteção ao direito ao aborto, ao inclinar, por meio de suas nomeações, a Corte para a direita. Em 2022, o tribunal deixou para os Estados a possibilidade de legislar sobre a interrupção da gravidez.