Tragédias climáticas: reconstrução e conscientização
Catástrofe vivida no Rio Grande do Sul traz à memória furacão Katrina, nos EUA, e levanta nova discussão sobre políticas climáticas
Por Fernanda Simas
O que a tragédia climática no Rio Grande do Sul tem a ver com o furacão Katrina, que atingiu a Louisiana, nos Estados Unidos, em 2005? Para analistas, é preciso tirar lições de como foi a reconstrução do Estado americano para que a reconstrução do RS não seja feita sem levar em conta a nova realidade climática.
“Sabia-se que Nova Orleans era vulnerável a inundações. A cidade contava com sistema de diques, que não funcionou como deveria, e eles se romperam com a chegada do furacão. A preparação, em termos de engenharia, foi insuficiente e, em termos de emergência, não funcionou. Isso expõe a necessidade de medidas eficazes antes da tragédia, tanto em termos de infraestrutura, quanto de planos de contingência”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Já escutamos diversas vezes que as mudanças climáticas são fenômenos do presente e não do futuro, mas o tema continua em segundo plano quando há uma crise econômica. Analistas alertam que tragédias, como a do furacão Katrina, ou a do Rio Grande do Sul, não serão as últimas e é preciso repensar uma estrutura socioeconômica resistente aos eventos climáticos extremos.
“Todos nós (governos, setores privados, sociedade civil) precisamos reduzir as emissões de CO², mas também temos de nos adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. A prevenção é crucial para o futuro porque os custos sociais e econômicos da inação, ou da ação atrasada, são mais altos do que os custos da ação imediata”, explica Nathalie Hilmi, pesquisadora ambiental do Centro Científico de Mônaco.
A tragédia atual no Rio Grande do Sul - com mais de 150 mortos, 80 mil pessoas deslocadas para abrigos, 90% dos municípios afetados e bairros inteiros inacessíveis depois de três semanas do começo das chuvas no Estado - tem sido comparada ao furacão Katrina, que matou mais de 1.500 pessoas em Louisiana, deixando 80% de Nova Orleans debaixo d’água.
Hilmi ressalta que mesmo o Katrina tendo ocorrido em um país rico, “seu custo econômico, monetário, foi muito alto”. “Eles (Katrina e as chuvas em Dubai, por exemplo) são bons exemplos do que vai acontecer com mais frequência e força”, diz a pesquisadora.
A partir de 2007, mais de US$ 14 bilhões foram investidos em sistemas de proteção contra furacões e inundações na cidade americana. E as novas obras funcionaram em 2021, durante a passagem do furacão Ida.
Para a reconstrução do Rio Grande do Sul, o Novo Bando de Desenvolvimento, conhecido como Banco dos Brics - grupo de economias emergentes - liberou um auxílio de US$ 1,1 bilhão. No total, os aportes destinados ao Estado brasileiro por bancos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), somam cerca de US$ 3 bilhões.
“Temos que reconstruir buscando reduzir as emissões de gases do efeito estufa, priorizando medidas de adaptação às mudanças do clima. Temos de atuar para reduzir o número de áreas de risco, temos de assegurar mais proteção para as comunidades humanas e o meio ambiente como um todo. O mundo não tem capacidade de aguentar mais degradação ambiental em todas as suas formas”, afirma Suely Araújo.
Mudanças urgentes
As analistas acreditam ser preciso um novo paradigma socioeconômico com foco na natureza. “Nós (analistas climáticos) temos falado muito e estamos tentando repassar nossa mensagem aos atores políticos, mas vemos que quando o orçamento aperta, a decisão é de cortar despesas de ecologia e pesquisa. Ou seja, quando esses atores enfrentam uma crise econômica, pensam apenas no curto prazo e esquecem de questões globais maiores das três crises planetárias: mudança climática, perda de biodiversidade e poluição”, diz a pesquisadora Hilmi.
No Brasil, a discussão sobre a tragédia do Rio Grande do Sul e sua reconstrução vem sendo agravada pela disseminação de fake news e pela insistência de políticos negacionistas das mudanças climáticas. Em ano eleitoral, o assunto ganha ainda mais peso político.
“Precisamos nos preparar para sermos mais resistentes aos eventos extremos. Deve ser compreendido que 2024 traz uma realidade pior do que 2005. Isso assusta, mas temos que nos assustar para agir com a rapidez necessária”, afirma a coordenadora do Observatório do Clima.
Suely Araújo ressalta a importância de uma forte atuação do Estado ao longo desse processo. “Essa crise mostra a importância do Estado com letra maiúscula. Não será a mão invisível do mercado ou o Estado mínimo que vão enfrentar como necessário as tragédias, mesmo que se reconheça a necessidade de recursos privados para se lidar com tudo isso.”
Mais pelo mundo:
A morte do presidente do Irã e a incerteza política
O Irã anunciou a convocação de eleições presidenciais para o dia 28 de junho após a morte do presidente, Ebrahim Raisi, em um acidente de helicóptero. Até lá, é esperado um período de incerteza, que se soma ao cenário político já conturbado que o país vive.
Além de Raisi, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Houssein Amir-Abdollahian, e outras autoridades, como o representante do Líder Supremo - o aiatolá Ali Khamenei - estavam na aeronave.
O helicóptero caiu no domingo 19, no noroeste do país, após o presidente ter participado da inauguração de uma represa na fronteira com o Azerbaijão. Líderes de diversos países expressaram condolências. Nesta terça-feira, 21, milhares de pessoas prestaram homenagens ao presidente.
O grande impacto político deste acidente está no fato de que Raisi era cotado para suceder Khamenei no poder. O atual aiatolá ocupa a posição desde 1989 e sua sucessão tem sido debatida no Irã.
Político da ala linha-dura do país, Raisi foi chefe do Judiciário e doutor em jurisprudência islâmica. As próximas semanas devem mostrar como a sua morte vai repercutir entre os atores políticos iranianos.
Atualmente, o regime iraniano tem passado por turbulências e vem tendo baixa em sua aprovação, o que foi agravado com os protestos pelo assassinato de Masha Amini. Raisi, por exemplo, havia sido eleito em 2021, em eleições marcadas por taxas de abstenção recordes.
DICA: para saber mais sobre quem era e a importância de Raisi, aqui tem um perfil dele escrito pelo Filipe Figueiredo, do Xadrez Verbal.
Procurador do TPI pede prisão de Netanyahu e líderes do Hamas
O procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, solicitou a emissão de mandatos de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, e três líderes do grupo Hamas, por acusações de crimes de guerra e contra a humanidade. A decisão levou a críticas de Israel e dos Estados Unidos.
Sobre os pedidos contra Netanyahu e Gallant, a justificativa foi por crimes como “matar deliberadamente os civis de fome” e “extermínio e/ou assassinato” na Faixa de Gaza. As acusações contra líderes do Hamas, entre eles Yahya Sinwar, líder em Gaza, incluem "extermínio, estupro e outras formas de violência sexual" e "tomada de reféns como crime de guerra" em Israel e em Gaza.
As outras duas lideranças do grupo que realizou os ataques terroristas de 07 de outubro em Israel - origem da atual guerra em Gaza - são Mohamed Al Masri, conhecido como "al Deif", chefe das brigadas Ezzedin al Qasam, o braço militar do Hamas, e Ismail Haniyeh, líder do gabinete político do grupo.
O governo israelense, que não faz parte do TPI, chamou a decisão de “vergonha histórica”. O ministro do gabinete de guerra do país, Benny Gantz, afirmou que "colocar os líderes de um país que entrou em guerra para proteger seus cidadãos no mesmo patamar que terroristas sedentos de sangue constitui uma cegueira moral".
O Hamas também criticou a decisão, que chamou de parte das “tentativas do procurador do TPI de equiparar a vítima com o carrasco ao ditar ordens de prisão contra diversas autoridades da resistência palestina".
Os ataques terroristas do Hamas em Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram mais de 1.170 mortos - a maioria civis - e mais de 250 sequestrados, sendo que 124 permanecem como reféns em Gaza. Desses reféns, 37 teriam morrido, segundo o Exército israelense.
A reação de Israel aos ataques em Gaza deixou até o momento 35.562 palestinos mortos - a maioria civis -, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
A etapa final de um julgamento de Trump
Um dos julgamentos do ex-presidente dos Estados Unidos e candidato republicano às eleições deste ano, Donald Trump, entra em sua fase final na semana que vem. O caso da alteração de documentos contábeis para esconder pagamentos feitos por Trump a uma ex-atriz pornô teve as alegações finais marcadas.
A grande dúvida continua sendo se Trump vai depor. Mas, independente disso, o veredicto deve ser histórico e ter grande impacto político.
O julgamento começou em 15 de abril e, agora, os 12 integrantes do júri devem analisar se Trump é culpado por falsificar 34 documentos contábeis para colocar como pagamentos legais os US$ 130 mil à ex-atriz Stormy Daniels na reta final das eleições de 2016, quando o republicano venceu Hillary Clinton.
Para se ter um veredicto de culpa, é necessário unanimidade por parte do júri e a pena, que será fixada pelo juiz, pode ser até de prisão. A eventual condenação seria um fato histórico nos EUA e mexeria com a campanha acirrada entre Trump e Joe Biden.