Trump na América Latina: Venezuela, Colômbia e o combate ao narcotráfico
Washington usa segurança nacional para realizar ataques a embarcações no Caribe e no Pacífico; ações são ilegais
Por Fernanda Simas
A campanha do presidente Donald Trump contra o narcotráfico na América Latina tem sido ampliada semanalmente, com novos ataques a embarcações no Oceano Pacífico e no Caribe e ameaças de ações terrestres - neste caso na Venezuela. A discussão sobre o combate ao crime organizado na região ganha força, mas quais são os objetivos de Washington e como isso vai impactar o cenário eleitoral latino-americano?
“A visão dos Estados Unidos sob Trump é que há uma escalada de pequenos carregamentos de cocaína de países caribenhos, principalmente Colômbia e Venezuela, levados para o México de barco, que coloca isso no mercado americano”, explica o professor de relações internacionais e coordenador da Fesp-SP, Moisés Marques. “É possível, mas não tem nada comprovado sobre isso. A ação (dos EUA) é ilegal porque viola o tratado de águas, mas a questão maior é que não se sabe se estão atacando as pessoas certas”, complementa.
A ONU classificou nesta semana as ações americanas de inaceitáveis e pediu que os ataques cessem. “Esses ataques, com seu crescente custo humano, são inaceitáveis”, escreveu o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado. “Os EUA devem tomar todas as medidas necessárias para evitar as execuções extrajudiciais de pessoas a bordo dessas embarcações, independentemente de qualquer suposta atividade criminosa”, acrescentou.
Desde setembro, Washington iniciou a campanha de ataques a embarcações que já resultaram em 62 mortos e destruiu 14 barcos e um submersível. O governo Trump alega que as embarcações são uma ameaça à segurança nacional.
Para Marques, é preciso ter sempre em mente as promessas de Trump antes de ser eleito. Uma das principais era justamente combater a entrada de drogas no país. “A intenção real de Trump é cumprir o que prometeu em campanha, destituir o Maduro seria uma consequência”, explica, se referindo ao que a Venezuela chama de campanha para destituir o governo de Nicolás Maduro - cuja reeleição no ano passado não é reconhecida por diversos países em razão de fraudes na contagem dos votos. O Brasil chegou a exigir que as atas eleitorais fossem exibidas e não reconheceu oficialmente o resultado.
Em um mundo onde o unilateralismo vem ganhando força, é justamente isso que possibilita que os EUA continuem usando da força contra as embarcações. “O unilateralismo vem sendo uma constante, os EUA abusam disso e não têm freios”, afirma Marques.
Guerra às drogas
Neste ano, Trump designou grupos narcotraficantes como terroristas e declarou “guerra” ao narcotráfico, com a intenção de poder realizar mais ações militares. Na esteira da crise com a Venezuela, chamou Maduro de líder do cartel Los Soles e ofereceu uma recompensa por informações que levassem à sua prisão.
Nesta sexta, Trump afirmou não estar planejando ataques à Venezuela, mas em outras ocasiões, o presidente chegou a dizer que uma operação por terra não estava descartada e autorizou operações especiais da CIA no território venezuelano.
Washington enviou oito navios de sua Marinha de guerra para o Caribe e aviões de combate furtivos F-35 para Porto Rico. Além dos recursos militares mobilizados na região, Washington realizou múltiplas demonstrações de força com bombardeiros B-52 e B-1B sobrevoando perto da costa da Venezuela.
Enquanto a pressão americana sobre Caracas aumenta, a entrega do prêmio Nobel da Paz deste ano para a opositora venezuelana María Corina Machado acabou dando força à retórica de Trump. Corina Machado recebeu o prêmio por liderar os esforços democráticos no país, mas apoia as ações dos EUA e chegou a receber críticas por isso. “Apesar de ser uma figura notória da oposição que vem há muito tempo numa espécie de asilo dentro do país, ao mesmo tempo ela já apoiou vários atos totalmente antidemocráticos, desde 2002 com a posse de Pedro Carmona, até o reconhecimento de (Juan) Guaidó (como presidente no lugar de Maduro), coisas que não estão respaldadas democraticamente”, afirma o professor da Fesp.
Fator China
Mas o combate ao narcotráfico não é a única motivação do presidente americano com sua retórica na Venezuela. Algo que preocupa o republicano é o tamanho da influência da China na América Latina. E Caracas tem forte relação com China e Rússia.
Marques explica que a Venezuela está longe de ser um centro de abastecimento do narcotráfico, inclusive. O que não se aplica ao outro país da região que tem se tornado alvo dessas políticas americanas: a Colômbia.
Ali, a grande intenção do governo Trump, segundo analistas, é desestabilizar o governo de Gustavo Petro, que já está mal, com popularidade baixa e sem conseguir implementar as políticas econômicas que prometeu. “Trump tenta o que tentou no Brasil”, afirma Marques. “Desestabilizar um governo para ter benefícios eleitorais”. Os EUA chegaram a impor sanções econômicas contra Petro e sua família.
Na semana passada, o presidente americano chegou a chamar Petro de líder narcotraficante e anunciou o corte de ajuda financeira à Colômbia, uma decisão inédita, com um aliado de longa data, inclusive em ações de combate ao narcotráfico, como o Plano Colômbia.
“Esse conto de que Petro é um narcotraficante, ninguém acredita, nem mesmo os piores inimigos de Petro. Ele tem uma trajetória como senador e em sua vida pública, por meio de debates e pronunciamentos, de combate não apenas ao narcotráfico, mas também contra a associação do narcotráfico com os setores paramilitares e a corrupção pública”. A declaração é do ex-presidente colombiano Ernesto Samper ao jornal espanhol El País.
“A questão é complexa e a ideia é mudar o jogo político dentro do que Trump sempre anunciou, ou seja, voltar a ter a América embaixo dos EUA”, avalia o professor Marques. “Os EUA não são a polícia do mundo, mas precisam mandar em áreas que são de sua influência.”
Com isso, outros países da região podem ser impactados. E o reflexo na política nacional de cada um começa a ficar evidente.
No Equador, o presidente Daniel Noboa, importante aliado de Trump na região, chegou a dizer nesta semana que poderia abrigar uma base militar estrangeira - leia-se dos EUA - nas Ilhas Galápagos que poderia servir ao combate ao narcotráfico. Na sexta-feira, Quito e Washington descartaram a instalação de tal base, mas fato é que a população vai às urnas no dia 16 de novembro para um referendo sobre a permissão de o país ter bases estrangeiras em seu território - algo proibido na Constituição desde 2008.
No Brasil, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cresceu após os enfrentamentos com Trump - por outros motivos que não a segurança na América Latina -, mas isso pode reverberar em outros governos que também adotam postura de “enfrentamento” com o americano.
Do outro lado, a pauta de segurança volta a ganhar força no momento de contexto eleitoral latino-americano. Noboa foi reeleito no começo deste ano fortalecendo o tema ao longo da campanha, a Bolívia acaba de eleger um presidente de centro-direita pela primeira vez em 20 anos que já anunciou o endurecimento de medidas de segurança. O Chile terá eleições em novembro e Brasil e Colômbia, no ano que vem.
O podcast da Americas Quarterly entrevistou em setembro a analista Lucía Dammert, autora do livro Anatomía del Poder ilegal: violencia, crimen organizado y corrupción en América Latina. O episódio fala justamente de como a questão de segurança tem aparecido como prioridade entre eleitores latino-americanos.
Novos ataques e projeto para anexar a Cisjordânia ameaçam cessar-fogo em Gaza
O acordo de cessar-fogo em Gaza, anunciado com comemoração há vinte dias, corre o risco de colapsar a qualquer momento. Novos ataques do exército de Israel contra a região palestina e projetos para anexar a Cisjordânia são ameaças reais, enquanto o governo de Donald Trump articula para manter o pacto que ajudou a costurar.
Na terça-feira, Israel bombardeou, pela terceira vez nas últimas duas semanas, a Faixa de Gaza, após acusar o grupo terrorista Hamas de violar o cessar-fogo - deixando ao menos 46 crianças mortas. O grupo nega. Segundo o governo israelense, o Hamas atacou as tropas que ainda seguem em Gaza.
Desde o dia 19, o acordo está sendo testado. Na ocasião, os dois lados do conflito se acusaram de romper o pacto e os ataques voltaram.
Um dos pontos de atrito que levam a essas acusações começou com o anúncio do Hamas de não ter todos os corpos dos reféns israelenses mortos em seu poder. Para o ministro da extrema-direita Itamar Ben Gvir, o Hamas “continua jogando e não entrega imediatamente todos os corpos” porque “ainda está de pé”. “É hora de quebrar suas pernas de uma vez por todas”, diz.
O porta-voz do Hamas, Hazem Qassem, afirma que vai “entregar os corpos assim que forem localizados” e acrescentou que, em um território devastado por dois anos de combates, recuperá-los é “complexo e difícil”.
Semana passada, autoridades do governo Trump se dividiram em visitas a Israel com a intenção de salvar o acordo após a volta dos ataques israelenses a Gaza. A justificativa para os ataques foi de que integrantes do Hamas abriram fogo contra soldados israelenses que se retiravam da Cidade de Gaza. O grupo terrorista nega.
Cisjordânia
Como se a situação dentro de Gaza não fosse o suficiente para colocar em risco o acordo, o Parlamento israelense apresentou dois projetos de lei na semana passada que abrem caminho para a anexação da Cisjordânia, enquanto o secretário-geral Marco Rubio e o vice-presidente americano, J.D. Vance, estavam em visita à Israel.
Trump já havia falado que a anexação da Cisjordânia era inaceitável e voltou a reforçar que isso levaria à perda do apoio americano ao governo Binyamin Netanyahu.
Os projetos de anexação são apoiados pela extrema direita israelense, da qual depende a coalizão do primeiro-ministro Netanyahu. Vários países árabes e muçulmanos, entre eles a Arábia Saudita, condenaram, em um comunicado conjunto, a análise pelo Parlamento israelense dos projetos de lei que buscam ampliar a soberania de Israel na Cisjordânia.
Novo presidente da Bolívia retomará relações com EUA e cortará gastos
O presidente eleito da Bolívia, Rodrigo Paz, de centro-direita, anunciou a retomada das relações diplomáticas com os Estados Unidos - rompidas desde 2008, ainda no governo de Evo Morales. Paz viajará a Washington para tentar, também, conseguir algum crédito de organismos internacionais e enfrentar a grave crise econômica na Bolívia.
Paz venceu o segundo turno das eleições presidenciais com 54,5% dos votos e se torna o primeiro presidente de direita no país em 20 anos. Sua eleição foi vista de forma positiva por Washington. “Depois de duas décadas de uma administração ruim, a eleição de Paz representa uma oportunidade de transformação para as duas nações”, afirmou o secretário de Estado americano, Marco Rubio.
Paz toma posse no dia 8 de novembro e tem o desafio de superar a pior crise econômica em 40 anos. As reservas de dólares do país estão esgotadas, principalmente em razão de uma política de subsídios aos combustíveis, e a inflação chegou a 23% na comparação anual em setembro. O novo presidente prometeu cortar mais da metade dos gastos com esses subsídios.
Agora, Paz planeja realizar reuniões em Washington com representantes do governo Donald Trump, assim como com dirigentes do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da CAF e do Fundo Monetário Internacional.
Nesta semana, Paz anunciou ainda que não vai convidar para sua posse os presidentes de Venezuela, Cuba e Nicarágua, que considera não democráticos. Em resposta, esses países, que integram a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), decidiram suspender a participação do futuro governo de Paz no bloco de esquerda.
Após vitória, governo Milei acelera reformas na Argentina
No domingo, o presidente argentino, Javier Milei, teve uma vitória surpreendente nas eleições legislativas de meio de mandato e ganhou fôlego para continuar com seu projeto econômico no país. Em foco, estão três reformas: trabalhista, previdenciária e tributária.
Nesta sexta-feira, Milei designou como novo chefe do Gabinete de Ministros seu porta-voz, Manuel Adorni, e planeja mais mudanças em sua equipe como parte do relançamento de sua gestão após o triunfo nas eleições de meio de mandato.
O presidente argentino ampliará sua bancada no Congresso a partir de dezembro, mas não terá maiorias, logo terá de buscar apoio dos governadores e de outros partidos para avançar em seu plano de reformas. A partir de 10 de dezembro, o governo do Libertad Avanza terá 93 das 257 cadeiras na Câmara dos Deputados (antes tinha 37) e 19 das 72 no Senado (antes tinha 6).
Diante do cenário, o presidente convocou governadores e forças políticas ao diálogo. Seu primeiro objetivo é trabalhar na Reforma Tributária. A intenção de Milei é gerar uma expansão do setor privado e, assim, avançar para a reforma na questão trabalhista.
Milei chegou às eleições com um difícil cenário: forte ajuste de gastos, boatos de desvalorização e de uma corrida cambial, além de uma imagem prejudicada diante de importantes escândalos de corrupção. No entanto, o medo do fiasco e o repúdio ao peronismo falaram mais alto.
O partido ultraliberal de Milei obteve mais de 40% dos votos, acima dos 31,6% das agrupações do peronismo, um histórico partido nacionalista e industrialista. O repúdio ao peronismo “pesou mais” que os escândalos políticos e de corrupção envolvendo o governo, afirmou à agência France-Press o cientista político Carlos Fara.
Dado importante foi a baixa participação eleitoral, de 67,6%, a mais baixa desde 1983 na Argentina, onde o voto é obrigatório.
Retorno dos testes nucleares?
Nesta semana, Donald Trump afirmou que vai retomar os testes nucleares, o que levou a preocupações de uma nova corrida armamentista. Trump surpreendeu o mundo ao anunciar essa iniciativa e justificou a decisão alegando que outros países realizam testes.
No entanto, nenhum país, além da Coreia do Norte, realizou testes de explosivos nucleares nas últimas décadas. A Rússia e a China não realizam esses testes desde 1990 e 1996, respectivamente. A última vez que os EUA realizaram explosões nucleares subterrâneas foi em 1992.
Trump afirmou que os testes americanos começariam “imediatamente”, o que gerou uma reação de reprovação de China e Rússia, que realizou testes recentes com armas de propulsão e capacidade nucleares — o míssil de cruzeiro Burevestnik e o drone submarino Poseidon.





