10 meses de Milei na Argentina: medidas econômicas e seus impactos
Governo do ultradireitista é elogiado por política fiscal, mas vê popularidade cair em razão do custo social de suas medidas e enfrenta greves
Por Fernanda Simas
Após 10 meses na presidência da Argentina, Javier Milei conseguiu alguns avanços no equilíbrio econômico, mas vê sua popularidade cair em razão do custo social de suas políticas e tem um novo desafio a partir da próxima semana: a greve generalizada do setor de educação superior.
Segundo analistas argentinos, o governo Milei tem enfrentado o problema econômico como o anterior não conseguiu, mas é cedo para saber se a política adotada será capaz de baixar a inflação de forma sustentável - o que não ocorre há mais de 20 anos - e fazer com que a economia volte a crescer. A economia argentina está estancada desde 2011.
“A política econômica tem êxitos, é inquestionável. (Milei) Fez um ajuste fiscal muito importante e conseguiu uma forte baixa da inflação, em relação ao que foi o primeiro trimestre do ano”, explica Ignacio Labaqui, professor na Universidade Católica Argentina e consultor na Medley Global Advisors. “No entanto, a atividade não se recupera e ele tem muitos desafios pela frente.”
O presidente ultradireitista, que se intitula libertário, chegou ao poder prometendo reduzir o Estado ao mínimo. Para isso, neste período, reduziu em 30% o orçamento nacional - de acordo com o Centro de Economia Política Argentina (Cepa) - como parte da luta contra o déficit fiscal.
Além disso, Milei fechou 13 ministérios e demitiu cerca de 30 mil funcionários públicos, interrompeu obras públicas e reduziu a verba destinada a educação, saúde, ciência e aposentadoria. Reportagem do espanhol El País mostra que as reduções foram de 74% em infraestrutura, 52% em educação, 65% em trabalho, 60% em desenvolvimento social, 28% em saúde e 68% em assistência às províncias.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apoiou as reformas promovidas pelo governo e anunciou que pretende conceder mais de US$ 3,8 bilhões em créditos ao país sul-americano neste ano. Em recente artigo publicado no jornal britânico Financial Times, o presidente do BID, Ilan Goldfajn, ressalta que a gestão de Milei, "em apenas sete meses, obteve um progresso notável na restauração do tão necessário equilíbrio fiscal, ao converter um déficit primário de 2,9% do PIB no fim de 2023 em um superávit de 1,5% no fim de agosto deste ano”.
Custo social
O custo social imediato das medidas foi o aumento da pobreza, que saltou no primeiro semestre de 2024 e afeta mais da metade da população. De acordo com o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina), a pobreza chegou a 52,9% da população, uma diferença de 11,2 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado. Esse dados indicam que 5,5 milhões de argentinos passaram a viver na pobreza.
Para o analista Labaqui, o aumento na pobreza era inevitável, mas poderia ter ocorrido de forma a impactar menos a população. “Qualquer (partido) que tivesse assumido o poder teria que tomar medidas que inevitavelmente fariam subir a pobreza, porque tinha que mexer no câmbio e cortar tarifas e isso tem um impacto inflacionário inicial. E se sobe a inflação e a economia se estanca, a pobreza tende a aumentar”, afirma o analista. “O tema é se isso poderia ter sido melhor amortizado. Possivelmente poderia ter sido evitada a deterioração que houve principalmente no primeiro trimestre do ano”.
A indigência também aumentou no país, em 6,2 pontos percentuais, ficando em 18,1% da população, ou 8,5 milhões de pessoas, no primeiro semestre do ano. E, se olharmos para o público infantil, 66% (7,2 milhões) das crianças com menos de 14 anos vivem na pobreza.
Greve na educação
Neste contexto, o presidente, que vê sua popularidade cair e chegar a 40% - pela primeira vez desde dezembro, mais argentinos o rechaçam do que o aprovam - se depara com uma greve nacional do setor de educação superior a partir da semana que vem. O governo decidiu vetar uma lei de financiamento universitário aprovada pelo Congresso que previa reajustes orçamentários nas universidades públicas, com o aumento de salários de professores e funcionários.
Milei alegou que o texto colocava em risco sua política de equilíbrio fiscal, apesar de o Congresso estimar que representava apenas 0,14% do PIB. Os fundos eram destinados a compensar a perda do poder de compra dos salários de professores e pessoal administrativo, no contexto de uma inflação que alcançou em setembro 209% em relação ao ano anterior, uma das mais altas do mundo.
Na semana passada, quando a Câmara decidiu respaldar o veto presidencial, os atos começaram convocados por sindicatos. Agora, a situação escalou e professores, estudantes e grêmios estudantis de pelo menos 73 instituições de ensino se juntaram ao movimento, que fala em realizar atos mais fortes a partir da semana que vem, quando o Congresso deve retomar a discussão sobre verbas destinadas a universidades a partir de 2025.
Desde a quarta-feira, dezenas de aulas públicas, ocupações de faculdades e uma marcha noturna com tochas ocorrem como prévia de uma mobilização federal. Na Universidade de Buenos Aires, as faculdades de Direito, Medicina, Filosofia e Letras, Ciências Econômicas, Ciências Sociais e Ciências Exatas levaram suas aulas para as ruas em sinal de protesto contra o ajuste econômico nas universidades públicas, onde estudam 80% dos matriculados no ensino superior.
Impacto da popularidade em queda
O presidente afirma que não vai ceder aos protestos organizados pela classe estudantil, mas analistas acreditam que sua situação pode piorar caso sua popularidade continue caindo.
Milei tem minoria no Congresso, não tem governadores afins e seu partido, o Libertad Avanza, está sendo construído. Sem ter uma estrutura política que o respalde, o apoio popular é essencial para ele.
A queda em sua popularidade se dá entre as classes mais pobres que percebem uma piora em seu cotidiano. Por essa razão, a máxima de analistas argentinos continua a mesma: a “tranquilidade” do governo vai depender de até quando durará a paciência da população para suportar as consequências dos ajustes econômicos.
Enquanto isso, o presidente continua adotando o tom que usou ao longo de toda a campanha: acusa o establishment político de integrar uma casta e ataca os políticos de esquerda. “Não vejo muita mudança e me parece parte de uma estratégia política que veremos se será exitosa ou não no ano que vem”, conclui Labaqui.
Continuem acompanhando o andamento do governo Milei com a Carta Global.
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Cuba declara emergência energética e vive apagão total
Cuba tentava, ao longo da sexta-feira, restaurar gradativamente o sistema elétrico que sofreu uma queda total devido à inoperância de sua principal usina termelétrica, informou o Ministério de Minas e Energia, em um contexto de "emergência energética" no país. O apagão deixou quase 10 milhões de habitantes no escuro.
Um dia antes, na quinta-feira, o governo havia anunciado, entre outras medidas, a paralisação das atividades de trabalho do setor estatal para enfrentar a crise energética, que nas últimas semanas deixou a população de várias províncias até 20 horas sem luz em um único dia.
Em sua conta no X, o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, disse que o governo dá "absoluta prioridade à atenção e solução desta contingência energética de alta sensibilidade". Díaz-Canel já havia dito que a ilha enfrenta uma "emergência energética" por problemas em conseguir combustível para abastecer seu sistema de energia, devido ao endurecimento do embargo que os Estados Unidos impõem à ilha desde 1962.
As aulas foram suspensas em todo o país até segunda-feira, e boates e locais de lazer permanecerão fechados em diversos pontos da capital Havana. As autoridades locais indicaram que apenas hospitais e fábricas de alimentos permaneceriam funcionando com geradores.
Os cubanos sofrem há três meses com os apagões, que se tornaram cada vez mais prolongados e frequentes, com um déficit de cobertura nacional de até 30%.
Guerra em Gaza: Israel mata o líder do Hamas Yahya Sinwar
Esta semana teve um novo marco na guerra em Gaza, a morte do líder do Hamas Yahya Sinwat. O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse que a morte de Sinwar marca "o início do fim" da guerra no enclave palestino, enquanto vários líderes ocidentais compartilharam a esperança de que o fato abra caminho para um cessar-fogo.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chamou a morte de Sinwar de "oportunidade para buscar o caminho para a paz" no Oriente Médio. Ele e os líderes alemão, britânico e francês destacaram "a necessidade imediata de devolver os reféns [israelenses] às suas famílias, de interromper a guerra em Gaza e garantir que a ajuda humanitária chegue aos civis".
Sinwar, de 61 anos, liderava o Hamas em Gaza desde 2017 e foi nomeado líder político do grupo em agosto, após a morte de Ismail Haniyeh, assassinado em 31 de julho, em Teerã, em um ataque atribuído a Israel.
Sinwar era considerado o mentor do ataque terrorista do Hamas em Israel, em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra no enclave palestino. Na ocasião, 1.206 pessoas, a maioria civis, morreram em Israel e 251 foram sequestradas. Dessas, 97 continuam em Gaza, segundo um balanço da agência France-Press baseado em dados oficiais israelenses, que inclui os reféns mortos em cativeiro.
O Hamas advertiu, na sexta-feira, que não vai libertar os reféns em seu poder até que Israel ponha fim à guerra em Gaza. O grupo assegurou que a morte de Sinwar o deixará "mais forte".
O braço armado do Hamas afirmou que a luta continuará "até a libertação da Palestina".
E a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) fez um chamado à "unidade" das diferentes facções palestinas.