Um ano do 7 de outubro: a reconfiguração do Oriente Médio
Desde os ataques terroristas do Hamas em Israel, conflitos ganharam escala e nova ordem deve se impor na região
Por Fernanda Simas
O Oriente Médio está passando por uma remodelação. Isso é o que se pode cravar a partir dos desdobramentos do ataque terrorista do Hamas contra Israel há praticamente um ano. Desde aquele 7 de outubro de 2023, os confrontos entre atores locais aumentaram e, agora, analistas afirmam que já existe uma guerra regional - guerra que impacta o equilíbrio de forças locais, a economia mundial e até a eleição americana.
“Não temos a clareza de para onde (a região) está indo, mas estamos numa mudança de paradigma”, explica o professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit. Para ele, ao matar o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah - uma das últimas etapas desses confrontos -, Israel sabia que o Irã daria uma resposta. “Isso muda a ordem estabelecida, que era a de uma guerra indireta entre Israel e Irã, algo que beneficiava o Irã”.
Em 7 de outubro de 2023, o Hamas realizou ataques terroristas em Israel que terminaram com 1.205 mortos e mais de 200 sequestrados. A partir daquele momento, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, prometeu acabar com o grupo terrorista, então as Forças Armadas do país iniciaram uma guerra na Faixa de Gaza, primeiro com bombardeios e depois por terra.
A questão palestina era justamente o ponto inicial desse conflito. Analistas acreditam que o ataque do Hamas tinha a intenção de impedir a concretização do acordo entre Arábia Saudita e Israel. Mediado pelos Estados Unidos, ele previa a retomada das relações entre os dois países.
Quase um ano depois, com a ofensiva israelense em Gaza, a Arábia Saudita decidiu postergar o acordo e o condicionou à criação de um Estado palestino.
A situação palestina
Tanto as principais lideranças quanto a infraestrutura do Hamas foram destruídas ao longo deste quase um ano. De acordo com o ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, ao menos 41 mil pessoas morreram.
Ainda existem 97 reféns israelenses em Gaza e o local continua sendo atacado pelas forças israelenses. Neste sábado, o Exército israelense emitiu uma ordem de retirada para os habitantes de uma parte do centro da Faixa de Gaza, indicando que se preparava para atuar "com força" no local. Este é o primeiro pedido de retirada em Gaza em semanas.
Críticos do governo Netanyahu afirmam que não há um plano para o pós-guerra na região e potências ocidentais afirmam que deixá-la sob domínio de Israel não pode ser a solução. Enquanto isso, integrantes da extrema direita radical religiosa do governo israelense falam em ocupar tanto Gaza, quanto a Cisjordânia.
Mas, segundo o professor Rudzit, é importante lembrar que essa discussão ficou em segundo plano após as duas últimas semanas. “A discussão sobre o que vai ser de Gaza no pós-guerra foi esquecida depois das ações contra o Hezbollah e o Irã. E Netanyahu agradece”, afirma.
Em setembro, o ministro da Defesa israelense, Yoav Galant, afirmou que o eixo da guerra estava se voltando ao norte, ou seja, à fronteira norte de Israel, com o Líbano.
Na Cisjordânia, território ocupado por Israel desde a guerra de 1967, as ações militares israelenses também aumentaram neste período. Na noite de quinta-feira, um bombardeio israelense matou 18 pessoas no acampamento de refugiados de Tulkarem, cidade do norte da Cisjordânia, no bombardeio mais letal na região desde 2.000.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia palestina foi totalmente devastada após um ano de guerra na Faixa de Gaza. Segundo dados da entidade financeira, o PIB da Faixa de Gaza caiu 86% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2023, e a economia da Cisjordânia se contraiu 25% no mesmo intervalo.
A situação no Líbano
Desde aquele 7 de outubro de 2023, a milícia radical xiita libanesa Hezbollah, apoiada pelo Irã, passou a bombardear Israel em solidariedade ao Hamas. Com isso, cerca de 70 mil israelenses deixaram suas casas na região da fronteira.
Nas últimas semanas, Israel ampliou as respostas ao Hezbollah sob a justificativa de possibilitar o retorno das famílias israelenses. O conflito se intensificou quando milhares de pagers e walkie-talkies usados por integrantes do Hezbollah explodiram em diferentes partes do Líbano - Israel não assumiu a autoria dos ataques.
A milícia xiita respondeu realizando ataques aéreos que chegaram perto de Tel-Aviv, o que não acontecia. Na semana passada, Israel bombardeou regiões próximas à capital libanesa, Beirute, e matou o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, e um integrante da guarda iraniana.
Dias depois, as forças israelenses iniciaram uma incursão por terra no Líbano, com a intenção de criar uma zona tampão de segurança e eliminar outras lideranças do Hezbollah. No entanto, houve a morte de soldados libaneses que se envolveram no conflito.
O Hezbollah foi criado após a guerra de 1982 e 1985, quando Israel invadiu o Líbano, em guerra civil, e ocupou Beirute. Seu objetivo era combater a ocupação israelense.
Agora, o grupo parece estar muito debilitado. “Ainda não sabemos ao certo, mas parece que toda alta liderança do Hezbollah foi eliminada”, afirma Asi Garbarz, especialista em Líbano e historiador pela universidade de Haifa.
Essa incursão levou a dois temores: de uma guerra terrestre que pode levar a uma grande destruição tanto no Líbano quanto em Israel e de iniciar uma guerra regional. Esse segundo temor se concretizou ao longo desta semana.
A reação do Irã
No começo da semana, o Irã lançou 180 mísseis contra Israel como resposta à morte de Nasrallah. Os mísseis atingiram diferentes partes do país e chegaram a Tel-Aviv e Jerusalém, por exemplo, mas a maior parte foi interceptada pelo sistema de defesa israelense.
Um palestino morreu na Cisjordânia após ser atingido por destroços de um míssil interceptado. Além disso, foram registrados danos físicos.
Rudzit explica que olhando esse cenário de sequência de ataques é possível concluir que o governo israelense decidiu “reimpor uma hegemonia militar na região”. “O Hamas e o Hezbollah atacavam, assim como os houthis (no Iraque) porque o Irã patrocina”.
Enquanto o enfrentamento era entre as forças israelenses e esses grupos financiados pelo Irã, existia uma guerra por procuração entre Israel e Irã. Esta semana cresceu o temor de uma guerra direta entre os dois lados.
O governo iraniano sofre pressão interna para agir contra Israel, mas ao mesmo tempo sofre pressão interna em razão da piora econômica e pressão da China para não escalar o conflito. Isso porque a escalada levaria a um aumento do preço do petróleo, o que prejudicaria a economia chinesa, e mundial.
Impacto econômico
Após o ataque do Irã, Israel e EUA discutiram a possibilidade da resposta israelense ser um ataque a estruturas petrolíferas iranianas. Com isso, o preço do barril de petróleo subiu.
O barril Brent subiu 5,03%, para US$ 77,62. Por sua vez, o WTI, referência no mercado americano, avançou 5,15%, para US$ 73,71. Os dois atingiram seu nível mais alto em um mês.
“O grande debate em Israel com o governo americano é como responder, vão ter que responder. Mas qual é o grau de destruição que Israel quer produzir no Irã? Vai ser uma resposta em larga escala ou uma resposta militar?”, avalia Rudzit. “Serão atingidos só alvos militares ou vão querer destruir a infraestrutura de refinarias para prejudicar a economia iraniana e fazer a população se revoltar? Isso levaria a sérias consequências econômicas e tem o potencial de prejudicar Kamala na eleição”.
A guerra e a eleição americana
A candidata democrata à presidência dos EUA, Kamala Harris, tem lutado para se descolar de uma imagem negativa na economia do país. Mesmo com a melhora na oferta de empregos e, até na inflação, o americano médio ainda sente os preços mais caros e o aumento do preço do petróleo levaria ao aumento da inflação mundial.
A guerra no Oriente Médio tem sido tema constante nas campanhas eleitorais americanas. Após o ataque iraniano, Kamala seguiu os passos do presidente Joe Biden e prometeu apoio a Israel, dizendo que "sempre se assegurará de que Israel tenha a capacidade de se defender".
Mas a democrata tem sido mais insistente em seus apelos por um cessar-fogo em Gaza, por exemplo. "Não vou ficar em silêncio", disse recentemente sobre a situação humanitária na região. Kamala se ausentou do discurso de Netanyahu perante o Congresso americano em julho, o qual dezenas de democratas decidiram boicotar.
Do lado republicano, Donald Trump tenta ganhar votos em Nova York e na Pensilvânia, Estados com grandes populações judias, e adota o discurso de ter sido o presidente da paz, que promoveu acordos de retomada das relações diplomáticas entre países árabes e Israel.
Trump chegou a afirmar que se não ganhar as eleições, "o povo judeu teria muito a ver com a derrota".
Israel mantém sua ofensiva contra os grupos apoiados pelo Irã em outros países, como Síria e Iraque, e demonstrou ter força de reação após o 7 de outubro do ano passado. “A visão interna era de necessidade de restabelecer a moral e a confiança da população nas forças armadas israelenses porque o 7 de outubro abalou muito isso”, diz Rudzit.
Fica a dúvida, neste momento, sobre quais serão os objetivos israelenses daqui para frente. “Falta muita clareza dentro do governo israelense. A tática está boa, mas não existe estratégia”, explica Garbarz.
Vale lembrar que Israel também sofre consequências econômicas com o conflito, que, segundo o FMI, reduziu fortemente o turismo na região e mobilizou uma boa parte de sua força de trabalho, com uma queda de 20% de seu PIB no último trimestre em comparação com o último de 2023.
O Oriente Médio está sendo modificado e é preciso esperar para entender o papel que cada ator passará a ter.
Continuem acompanhando os desdobramentos com a Carta Global.
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