Guerra no Oriente Médio: a escalada com a morte do líder do Hezbollah
Hassan Nasrallah foi morto em bombardeios israelenses na madrugada de sexta para sábado, no maior ponto de tensão do conflito desde 7 de outubro do ano passado
Por Fernanda Simas
O Oriente Médio volta a ser um palco de incertezas após duas semanas de escalada crescente no conflito entre Israel e o Hezbollah. O líder da milícia xiita radical, Hassan Nasrallah, está morto e o tema, que se tornou um grande desafio para a política internacional nas duas últimas semanas, agora preocupa lideranças.
Durante a noite de sexta-feira, Israel voltou a intensificar seus bombardeios contra redutos da milícia xiita radical em Dahiya, no sul do Líbano, e afirmou ter matado Nasrallah. “Ele não vai mais poder aterrorizar o mundo”, disseram as forças israelenses em um post no X, antigo Twitter.
Cerca de quatro horas depois, veio a confirmação do Hezbollah. Em um comunicado, a milícia afirmou que Nasrallah, que comandou o grupo por 32 anos, estava morto.
“O mestre da resistência, o servo justo, morreu para estar com seu senhor, que está satisfeito com ele como grande mártir. A liderança do Hezbollah se compromete a continuar sua jihad ao enfrentar o inimigo (Israel), apoiando Gaza e a Palestina e defendendo o povo honrado e firme do Líbano”, disse o comunicado, sem citar quem sucederá a Nasrallah.
O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, afirmou na manhã deste sábado que “todas as forças de resistência” regionais estão do lado do Hezbollah. Esse foi o primeiro pronunciamento de Teerã após o anúncio da morte de Nasrallah.
Este pode ser considerado o maior golpe ao Hezbollah e um capítulo no conflito entre Israel e Hezbollah com consequências imprevisíveis. Por quase um ano, desde os ataques terroristas do Hamas em solo israelense, que levaram ao início da guerra em Gaza, há o temor de que um acontecimento assim espalhasse as tensões e passassem a envolver outros grupos apoiados pelo Irã, ou o próprio Irã.
O gabinete libanês realizará uma reunião de emergência neste sábado e o exército do país anunciou o deslocamento de forças em toda capital, Beirute, tentando se antecipar a possíveis reações populares em razão da morte de Nasrallah.
Os últimos ataques
Os bombardeios da madrugada de sexta para sábado tinham a intenção, segundo as forças israelenses, de destruir capacidades armamentistas do Hezbollah. Segundo Israel, esses depósitos ficavam escondidos sob áreas residenciais.
As cenas dos bombardeios realizados nas últimas horas mostram casas e prédios totalmente destruídos.
O Hezbollah foi, de fato, surpreendido e enfraquecido nas últimas duas semanas, desde as explosões de pagers e walkie-talkies. Mas continuava sendo considerado uma força significativa, com um arsenal de mísseis capazes de infligir danos a Israel - como demonstrado, inclusive, ao longo da semana, com disparos que chegaram a Tel-Aviv, mas foram interceptados pelo Domo de Ferro - o sistema de defesa aérea israelense.
Muitas dessas armas mais potentes da milícia xiita não foram usadas. Ainda não há informações suficientes para sabermos se elas foram destruídas nos bombardeios recentes ou se o Hezbollah vai preparar uma forte retaliação.
Ao longo desta semana, em diferentes momentos foram dados sinais de que Israel poderia iniciar uma incursão terrestre no Líbano, sob a justificativa de ter mudado o eixo da guerra para o norte e poder criar a segurança necessária para o retorno dos milhares de israelenses que deixaram suas casas desde o ano passado.
Alguns analistas em segurança afirmam que o conflito já chegou num ponto de guerra generalizada, que as forças militares israelenses têm poderio suficiente para arrastar a guerra na frente norte, contra o Hezbollah, e na frente sul, em Gaza. A grande dúvida é como Teerã vai, se vai, se envolver diretamente no conflito.
Até este momento, o governo iraniano vinha evitando escalar o conflito e vinha afirmando que não era do interesse iraniano uma guerra total contra Israel. Mas os grupos apoiados por Teerã em diferentes partes da região, como Síria, Iraque, e mesmo Gaza e Líbano, continuavam operando.
Na sexta-feira, a Embaixada do Irã em Beirute, ao tomar conhecimento de uma tentativa de assassinato contra Nasrallah, já havia falado em “escalada perigosa que muda as regras do jogo”.
Durante a Assembleia-Geral da ONU, o primeiro-ministro libanês, Nayib Mikati, tentou levar adiante uma proposta de cessar-fogo de 21 dias feita por Estados Unidos e França e afirmou que o israelense Binyamin Netanyahu “não se importava com os esforços internacionais”.
Medo e fuga
O número de deslocados no Líbano passa de 100 mil, mas autoridades libanesas afirmam que ele pode chegar a 500 mil. Desde o fim de semana passado, quando Israel intensificou seus bombardeios contra os redutos da milícia, as cenas de famílias inteiras deixando as regiões do sul e fugindo para o norte se espalham pelo noticiário internacional.
A newsletter desta semana é fechada com duas incertezas: qual será o envolvimento do Irã e se o Oriente Médio será tragado para uma guerra aberta e total.
Agora, os atores militares e políticos regionais começam a se movimentar, enquanto analistas tentam entender o impacto da notícia para tantos outros temas, como a imagem do premiê Netanyahu, as eleições nos EUA e a sequência da guerra em Gaza, prestes a completar um ano.
Continuem acompanhando a Carta Global para novos desdobramentos da política internacional.
Mais pelo mundo:
Crise climática da América Latina na Assembleia-Geral da ONU
As guerras na Ucrânia, em Gaza, e agora no Líbano, dominaram as reuniões e discursos da Assembleia-Geral da ONU nesta semana. Mas é importante destacar, neste espaço, alguns outros temas que ganharam espaço, principalmente entre líderes latino-americanos. Um desses temas são as mudanças climáticas.
Os presidentes colombiano, Gustavo Petro, e o brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, denunciaram as queimadas que destruíram milhões de hectares da floresta amazônica. A COP 16 de biodiversidade ocorrerá no final de outubro na Colômbia.
Na semana passada, falamos do caos climático na América Latina aqui na Carta Global, e a situação só piorou de lá para cá. Só na América do Sul, até o dia 17 foram registrados mais de 2,4 milhões de focos de calor em 13 países da região.
E um recorte interessante é olhar a partir das populações indígenas da região, as primeiras e mais afetadas pela seca extrema e as queimadas que não dão trégua.
De acordo com líderes indígenas, a seca aumentou em 620% na Amazônia, no Gran Chaco e outros ecossistemas da região.
Segundo estudos, mais da metade dos territórios indígenas na região amazônica sofre com uma seca grave, que leva a uma escassez de água, rios completamente secos e perdas de cultivos e pastagens.
Pobreza dispara na Argentina e chega a 52,9% da população
A pobreza na Argentina saltou no primeiro semestre de 2024 e já afeta mais da metade da população. De acordo com o Indec, divulgado nesta semana, a pobreza chegou a 52,9% da população, uma diferença de 11,2 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado.
O cenário resulta da forte política de austeridade do governo de Javier Milei, para conter os gastos públicos e a inflação. O presidente se afastou nesta sexta-feira do problema e disse que a pobreza era culpa dos governos peronistas.
“O número é consequência de 20 anos de populismos e destruição…Pegamos o desastre e o estamos corrigindo”, disse o porta-voz da Casa Rosada.
A indigência também aumentou no país, 6,2 pontos percentuais, ficando em 18,1% da população no primeiro semestre de 2024.
É fato que nos primeiros três meses deste ano, a Argentina registrou um superávit fiscal de 0,4% do Produto Interno Bruto, mas às custas de uma contração que fez o PIB cair 1,7% no segundo semestre deste ano, em comparação com o semestre anterior.
Muitos analistas vinham comentando essa dualidade do aperto do cinto para recuperar a economia do país e o custo social de tal medida. Resta saber se e por quanto tempo a pressão social resistirá.
Adiantando para nossos leitores, esse é um material que está sendo preparado de forma mais aprofundada e, em breve, estará aqui na Carta Global.