América Latina em chamas: o ponto de não retorno está muito próximo
Analistas climáticos se assustam com rapidez das mudanças climáticas e pedem mais ações governamentais e fim da impunidade de crimes ambientais
Por Fernanda Simas
Nas últimas semanas, cena constante no noticiário tem sido as queimadas que se espalham pelo Brasil e pelo mundo. E chama particularmente a atenção a surpresa de analistas climáticos, que já temem estarmos chegando a um ponto de não retorno.
“Estamos vendo a mudança do clima sair do papel e das previsões e ganhar a vida real. Em vários locais podemos estar chegando a um ponto de não retorno”, explica Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “É o caso dos corais ao redor do mundo e das florestas tropicais, mais notadamente a Amazônia, com 20% de desmatamento. Isso significa que as medidas de adaptação ou não suficientes, ou não são possíveis de serem tomadas.”
Fazendo um recorte regional, vemos que diversos países da América Latina sofrem ao mesmo tempo com a forte seca e consequências dessa mudança climática acelerada. Em última instância, o resultado é a extinção de biomas, de espécies.
“Junto com as florestas, você queima a capacidade de elas se manterem vivas, queima muito carbono - o que intensifica o problema do clima -, queima espécies animais que vivem ali, queima a saúde pública”, diz Astrini. “Muitas pessoas em cidades próximas a esses focos de queimadas estão com problemas sérios respiratórios, principalmente na Amazônia”.
O Brasil chegou a ter 60% de seu território coberto por fumaça nesta semana. Ver o céu era coisa rara. Os incêndios são iniciados, na maioria das vezes, de forma criminosa e se alastram rapidamente favorecidos pela seca extrema.
“É preciso acabar com o crime, fazer as pessoas pagarem pelo prejuízo. É preciso ampliar a punição porque esses criminosos não pagam a multa, o processo deles prescreve, ninguém perde uma propriedade, não tem ninguém na cadeia”, argumenta Astrini, lembrando que seria preciso, também, o governo proibir, pelo menos por um tempo, o desmatamento e reforçar as estruturas de fiscalização.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desde o início do ano foram identificados 188.623 focos de incêndios no Brasil, quase o total do ano passado (189.926). Em setembro, a situação foi piorando.
Amazônia
Na Amazônia, desde o começo de setembro, o número de incêndios é significativamente maior do que o mesmo período em 2019 (31.412 face a 19.925). Justamente no bioma chamado de “bomba d’água do mundo”.
Astrini faz esse alerta. “A Amazônia é uma bomba d’água, gera água para o Brasil e boa parte da América do Sul. Destruir a floresta é destruir a capacidade de geração de chuvas para essa região. Com isso, prejudicar o plantio de alimento, a geração de energia por hidrelétrica; e locais podem sofrer processo de desertificação, como o Sudeste e o Centro-Oeste brasileiros.”
Os especialistas em Clima explicam que a Amazônia é uma solução climática quando está viva porque retira carbono da atmosfera e “estoca” em seu solo. Se a floresta entrar no ponto de não retorno, todo esse carbono estocado é liberado para a atmosfera.
Com as chamas, o País emitiu cerca de 4 megatoneladas (1 megatonelada equivale a 1 milhão de toneladas) de dióxido de carbono neste mês. Agora, vale lembrar que além da Amazônia, o Brasil está vendo focos de incêndio no Cerrado e no Pantanal.
Argentina
Na Argentina, os incêndios florestais também consomem o ar neste momento em Córdoba, província central do país. Focos de grande intensidade levaram à retirada de pessoas de áreas rurais.
As autoridades deixaram um alerta nesta semana: há risco “extremo” de fogo em toda a província.
Colômbia
O país de Gustavo Petro, que quando assumiu a presidência prometeu lutar contra as mudanças climáticas, adotando um papel de protagonismo ao lado de Lula, luta para conter os incêndios florestais que já devastaram mais de 9 mil hectares. A maior parte dos focos está no oeste do país.
A capital Bogotá decidiu retomar a partir do dia 29 os turnos diários do racionamento de água que vigora desde abril. O baixo nível dos reservatórios, em razão da seca intensa, preocupa.
Peru
No Peru, as regiões de selva e dos Andes sofrem com os incêndios, que já deixaram 18 mortos. O governo de Dina Boluarte decretou estado de emergência até novembro nos Departamentos (Estados) mais afetados: Ucayalli, na fronteira com o Brasil, San Martín e Amazonas, na fronteira com o Equador.
Equador
Em menos de um mês, o Equador registrou mais de 1.300 incêndios em meio à pior seca do país em 60 anos.
Ações
Mudar a situação, ou ao menos tentar de fato conter o avanço rápido das mudanças climáticas, precisa ser olhado definitivamente como algo urgente, como algo que leva a impactos ambientais, humanos e econômicos. Astrini diz que só assim teremos uma chance.
“A mentalidade dos governantes precisa mudar. Alertas são negligenciados. Alguns (políticos) acreditam (nas mudanças climáticas), mas acham que não chegou a hora de fazer alguma coisa; tem os que não acreditam; os que acham que nunca vai chegar a hora de fazer algo; e tem quem fale em teoria da conspiração”, afirma o secretário-executivo. “Se um banco for falir hoje no Brasil, surge dinheiro, surge medida provisória, surge projeto de lei, mobilização de todo mundo e problema resolvido.”
Continue acompanhando esse e outros temas da geopolítica internacional aqui na Carta Global.
Mais pelo mundo:
A tensão entre Israel e Hezbollah aumenta após ataques
O “centro de gravidade” da guerra está se locomovendo para o norte. Foi essa expressão usada esta semana pelo ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, em meio às explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano, tendo como alvo integrantes da milícia xiita Hezbollah.
Desde 7 de outubro do ano passado, Israel trava uma guerra contra o Hamas após o grupo ter realizado ataques terroristas em solo israelense. Nesta semana, Gallant deixou claro que uma nova fase da guerra se inicia, aumentando os temores de uma guerra total no Oriente Médio.
Analistas explicam que uma guerra entre o Hezbollah e Israel poderia ser muito mais devastadora, dado que o poderio militar da milícia radical xiita é muito maior do que o do Hamas, por exemplo.
Mas vale lembrar os acontecimentos desta semana para entender porque esses temores aumentaram: na terça-feira, centenas de aparelhos pagers explodiram, de forma coordenada, em redutos do Hezbollah no Líbano. Um dia depois, foi a vez de centenas de walkie-talkies explodirem. No total, 37 pessoas morreram e quase 3 mil ficaram feridas.
O líder do Hamas, Hassan Nasrallah, prometeu vingança e a milícia lançou mais de 100 foguetes em direção ao território israelense. Segundo o grupo, “o principal quartel-general da inteligência na região norte de Israel” foi atingido.
Na sexta-feira, as forças israelenses mataram o chefe militar do Hezbollah Ibrahim Aqil em um bombardeio que, segundo o Ministério da Saúde do Líbano, deixou 12 mortos e dezenas de feridos no subúrbio sul de Beirute.
Este foi o terceiro bombardeio do subúrbio sul de Beirute desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, enquanto os confrontos de artilharia entre os países ocorrem quase diariamente desde então, levando milhares de habitantes a deixarem suas residências em ambos os lados da fronteira.
O Hezbollah afirmou em diferentes ocasiões que pararia com as provocações e ataques se houvesse um cessar-fogo em Gaza. Até agora, não há sinais de otimismo para que esse acordo saia.
Eleição nos EUA: Kamala e Trump empatados na Pensilvânia e as surpresas da semana
A corrida eleitoral nos Estados Unidos está ainda mais apertada, segundo as pesquisas realizadas após o debate entre Kamala Harris e Donald Trump. Na Pensilvânia, um dos Estados-pêndulo que podem ser determinantes para a vitória em novembro, os dois candidatos aparecem empatados.
De acordo com as pesquisas do jornal The Washington Post, os dois aparecem com 48% das intenções de voto. O jornal The New York Times mostra um cenário pouco mais favorável à democrata, que aparece com 50% das intenções de voto, enquanto o republicano tem 46%.
As pesquisas em sete Estados-chave estão muito apertadas, ou seja, mudanças em um ou dois Estados podem significar a vitória para um ou outro candidato. E vale lembrar que quem vencer no Estado leva para o colégio eleitoral todos os delegados daquele Estado.
Na reta final das campanhas, Kamala e Trump percorrem esses Estados-pêndulo. E, se o eleitor americano esperava por uma semana mais calma em termos de novidades eleitorais, não foi assim.
Trump sofreu uma nova tentativa de assassinato no domingo passado quando estava em seu clube de golfe na Flórida. Agentes do Serviço Secreto abriram fogo contra Ryan Routh, que estava armado com um fuzil com mira telescópica, mas não chegou a disparar. Ele foi preso.
As mexidas eleitorais não pararam aí. O mesmo Serviço Secreto admitiu na sexta-feira ter cometido uma série de falhas de segurança ao revisar sua atuação na tentativa de assassinato de Trump em julho, na Pensilvânia.
Em mais uma mudança nas regras eleitorais, a junta eleitoral da Geórgia aprovou um regulamento que obrigará os condados a contarem manualmente todos os votos nas eleições presidenciais, o que poderá atrasar a divulgação dos resultados no Estado-chave para os comícios. A decisão foi impulsionada por uma maioria favorável a Trump.
O republicano, por outro lado, pode ter sua imagem abalada em outro Estado-chave, a Carolina do Norte, em razão de um escândalo envolvendo o candidato republicano ao governo, Mark Robinson. A CNN divulgou mensagens atribuídas a ele sobre nazismo e escravidão, publicadas em um site pornô na década de 2010. Ele nega ser autor das mensagens e descartou desistir da candidatura, mas já não estará presente em um evento de campanha de Trump no Estado.
Somado a esse caldeirão, tem a economia. O Banco Central americano, o Federal Reserve (o Fed), baixou na quarta-feira suas taxas de juros de referência pela primeira vez desde 2020. E optou por um forte corte de meio ponto percentual, para a faixa de 4,75% a 5%.
Trump acusou o Fed de estar fazendo política e Kamala considerou o dado uma “boa notícia” para os americanos. Fato é que a decisão do Fed pode levar a um aumento do otimismo do americano com a economia - tema que tem sido discutido na campanha. Resta saber se isso será determinante na definição do voto.
O plano de paz total de Petro está cada vez mais distante na Colômbia
O plano de paz total de Gustavo Petro na Colômbia parece cada dia mais distante. Essa avaliação não é nova, mas ganhou força nesta semana após o ataque do Exército de Libertação Nacional (ELN) a uma base militar em Arauca, que deixou três soldados mortos e outros 28 feridos.
O ELN é o principal grupo guerrilheiro do país desde o acordo de paz feito entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, e está em negociações com o governo Petro desde 2022.
Esta semana, o governo suspendeu as negociações em razão do ataque. A delegação de paz do governo advertiu que os diálogos só seriam retomados após “uma manifestação inequívoca da vontade de paz” por parte dos guerrilheiros.
Mas o grupo considera sua ação “legítima” e denuncia a suposta atividade dos paramilitares na região. Ele acusa o exército colombiano de “custodiar e proteger” grupos armados rivais no setor. Um dos líderes do ELN chegou a defender que as negociações de paz continuem mesmo em meio a operações militares.
O ELN, armado desde 1964, intensificou sua ofensiva desde o início de agosto, quando decidiu não retomar uma trégua que estava em vigor desde 2023. A partir de então, o Exército retomou suas operações militares.
Petro, o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, está tentando neutralizar o conflito armado de 60 anos mantendo diálogos com vários guerrilheiros e grupos criminosos. Ao mesmo tempo, o presidente enfrenta críticas da oposição, que denuncia a deterioração da segurança pública.