Eleição nos EUA: impactos da crescente imigração pela fronteira
Piora nas condições sociais torna o debate menos centrado em questões econômicas
Por Fernanda Simas
O impacto econômico da crescente chegada de imigrantes sem autorização legal aos Estados Unidos tem sido considerado positivo para o país por analistas. Por outro lado, os desafios sociais aumentam e, com o fim das convenções Democrata e Republicana, lidar com esse tema será um dos focos das campanhas dos presidenciáveis Kamala Harris e Donald Trump.
Segundo dados recentes, a imigração recorde dos últimos anos - legal e ilegal, é preciso reforçar - tem mantido a economia americana de pé. Consequência disso é o próprio discurso de Trump contra a imigração de indocumentados, que mudou nesta campanha.
“O argumento que usam hoje é muito mais sócio-cultural”, explica a professora de Harvard e especialista em Imigração, Gabrielle Oliveira. “Trump diz ‘essas pessoas são perigosas, estão cometendo crimes, fazem mal e tiram o que é ser americano’. A narrativa está muito mais cultural.”
De acordo com dados do Pew Research Center, os imigrantes representam 13,8% da população americana. Importante lembrar que, atualmente, entre 10 milhões e 15 milhões de imigrantes que vivem nos EUA são “indocumentados”.
Problemas sociais que têm se agravado no país acabam fortalecendo falsas narrativas contra os imigrantes e são impulsionados em época eleitoral. Gabrielle cita dois desafios importantes da questão migratória nos EUA: acesso ao trabalho e à moradia.
Os imigrantes que vivem sem documentação legal no país têm dificuldade em conseguir um trabalho estável, onde não sofrerão abusos ou deixarão de receber, por exemplo.
Um levantamento do Pew Research Center feito em julho deste ano mostrou que, em 2022, mais de 30 milhões de imigrantes faziam parte da força de trabalho americana, sendo que 8,3 milhões estavam em situação irregular no país.
Além da dificuldade para atuar em empregos estáveis, o custo da moradia no país aumentou muito nos últimos anos.
Moradia mais cara
Mesmo com a queda na inflação, a economia em crescimento e uma baixa taxa de desemprego, o custo de vida do americano continua alto. E o preço da moradia é um dos fatores apontados como preocupantes.
As medidas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para conter a inflação levaram ao aumento do valor das hipotecas e das casas, tornando o mercado imobiliário praticamente inacessível.
Em fevereiro deste ano, de acordo com pesquisa da Intercontinental Exchange, uma família média americana precisava dispor de 34% de seu orçamento para pagar as taxas de uma casa financiada
“Quando você olha Chicago, Boston, Nova York, são cidades que estão tendo dificuldade muito grande com moradia, então você vê uma quantidade maior de pessoas morando nas ruas”, explica Gabrielle.
Segundo o estudo do Pew Research Center, em 2022 a maior parte dos imigrantes que viviam nos EUA moravam em quatro Estados: Califórnia (23%), Texas (11%), Flórida (10%) e Nova York (10%).
Um levantamento feito pela Forbes mostrou que neste ano, a Califórnia era o segundo Estado mais caro dos EUA em termos de moradia, tanto para compra, quanto para aluguel. A revista trouxe, ainda, Nova York e Flórida em 5° e 7° lugares, respectivamente, quando o assunto é o aluguel.
Com o alto custo do aluguel, muitos imigrantes acabam morando juntos numa mesma casa, em locais com alto nível de pobreza.
Esse contexto leva ao aumento da discriminação, aponta a professora de Harvard. “Vemos muito mais hoje a cena de imigrantes conversando em outro idioma e relatando que sentem medo e insegurança. Se um imigrante comete algum crime, isso vira uma narrativa, quando sabemos que imigrantes cometem muito menos crimes do que americanos, as pesquisas mostram.”
Economia fortalecida
Os EUA precisam da força de trabalho de imigrantes para manter a economia girando. O envelhecimento da população americana e a queda na taxa de natalidade diminuem a mão de obra disponível, deixando postos de trabalho vazios.
O contexto de uma economia que cresceu de forma estável, com geração de mais renda e melhor educação para a população nativa, também reforça o vazio de trabalhadores para empregos que exigem pouca qualificação.
Além disso, é importante lembrar que boa parte dos imigrantes que chegam aos EUA tem qualificação profissional. Muitos são empresários e abrem pequenas empresas em ritmo mais acelerado que os próprios americanos, criando empregos e gerando demanda por mão de obra.
Essa população migrante é, ainda, um ator consumidor que faz aumentar a demanda por produtos e serviços. E esses motivos derrubam, um pouco, o tom econômico da discussão migratória nesta eleição presidencial.
Época eleitoral
Ao aceitar a nomeação do partido Democrata, Kamala prometeu reformar o “sistema migratório fraturado” e não cair no dilema de escolher entre uma fronteira segura ou um esquema para abordar a migração de forma mais humanitária. “Sei que podemos carregar com orgulho a nossa herança como nação de imigrantes. Podemos criar um caminho para a cidadania e proteger nossa fronteira.”
Do lado republicano, Trump fala em uma plataforma anti-imigração, prometendo o fechamento da fronteira e deportações em massa. Segundo Gabrielle, cumprir a promessa de realizar a maior deportação que os EUA já viram seria difícil por uma questão de implementação. “Quais polícias serão usadas para ir atrás de 10 a 15 milhões de pessoas, por exemplo?”, questiona.
Como em todo momento em que os EUA viveram a perspectiva de uma mudança de governo, a esperança entre a população migrante se renova. “Acho que vamos ver deportações acontecendo de forma mais rápida, mas vamos continuar vendo mais gente vindo”, afirma Gabrielle, citando as crises em países da América Latina, a guerra na Ucrânia e outras situações que levam as populações a buscarem os EUA como alternativa.
A selva de Darién, no Panamá, tem 266 km de extensão e tornou-se nos últimos anos um corredor para migrantes da América do Sul que tentam chegar aos EUA. Mais de 520 mil pessoas atravessaram o local em 2023. Este ano, mais de 230 mil fizeram a travessia, segundo dados oficiais panamenhos.
Na recente onda migratória rumo aos EUA, entre 1965 e 2024, os latino-americanos representaram 49% dos migrantes.
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Mais pelo mundo:
Maduro muda gabinete em meio a pressão internacional
A crise na Venezuela continua após a eleição de 28 de julho. Internamente, Nicolás Maduro tem apertado o cerco contra a oposição e, nesta terça-feira, anunciou mudanças em seu gabinete, reforçando a gestão do Petróleo com seu núcleo duro.
Maduro - que foi proclamado vencedor da eleição presidencial sem que as atas dos resultados fossem publicadas - ratificou Delcy Rodríguez como sua vice-presidente e a colocou como ministra do Petróleo. Dessa forma, ela assa a ter responsabilidades diretas sobre a Petróleos de Venezuela, a PDVSA.
Diosdado Cabello - o número dois do chavismo - volta ao Executivo como ministro do Interior e Justiça, cargo que lhe dá o comando das polícias. Vladimir Padrino continua sendo o ministro da Defesa.
As mudanças chegam num momento de crescente pressão internacional sobre o regime Maduro. Brasil e Colômbia continuam sem reconhecer a vitória de Maduro, pedem a publicação das atas eleitorais e buscam uma solução diplomática para a crise no país vizinho.
Diplomaticamente, o governo brasileiro já deu indícios de que, caso não haja uma resolução política, a relação com a Venezuela terá mudanças. Não se fala em cortar laços, mas mudar o tratamento, que deixaria de ser de alto nível.
Essa semana, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, criticou o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o colombiano Gustavo Petro por “não reconhecerem a vitória de Maduro”. O governo de Manágua tem ficado cada vez mais isolado na região e esse pode ser o caminho da Venezuela, como já disseram analistas à Carta Global.
Cresce preocupação com confrontos entre ucranianos e russos perto de central nuclear
O aumento dos confrontos entre russos e ucranianos perto da central nuclear russa de Kursk tem preocupado a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). “Uma central nuclear deste tipo tão próxima de um ponto de contato ou frente militar é algo extremamente grave”, disse o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, após visitar a central de Kursk, de acordo com a France-Press.
Na semana passada, o presidente russo, Vladimir Putin, acusou a Ucrânia de tentar bombardear a central nuclear de Kursk. Desde o início da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, a agência tem alertado para os riscos de combates próximos a centrais nucleares.
No começo de agosto, a Ucrânia lançou um ataque surpresa a Kursk e afirma que as suas forças tomaram mais de uma centena de cidades em território russo, numa virada na guerra que já dura quase três anos. De acordo com o governo ucraniano, 594 integrantes das forças russas foram capturados e 1.294 km² do território russo, tomado.
Se a intenção de Kiev era parar o avanço russo para que as tropas fossem direcionadas à defesa do próprio território, o resultado ainda não veio. As forças russas continuam a avançar para o leste da ex-república soviética.