EUA: o olhar de Trump para a América Latina
Presidente eleito começa indicações de cargos deixando claro prioridade com políticas migratória e tarifária, que podem impactar países latino-americanos
Por Fernanda Simas
Planos para a deportação em massa de imigrantes em situação ilegal e a imposição de tarifas comerciais são alguns dos temas tratados como prioritários pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e podem ter grande impacto em países da América Latina. Lembrando, é claro, que essa eleição terá efeitos na política nacional de alguns desses países.
Nas últimas semanas, Trump vem anunciando nomes para seu governo e confirmando a prioridade à migração e à política externa. Com certeza, o grande foco no último quesito será a China. Mas, vamos nos ater aqui, dessa vez, a pontos que podem afetar nosso continente - que deve ganhar mais atenção do que o que vinha tendo e não necessariamente de uma forma positiva.
Com maioria no Senado, na Câmara e na Suprema Corte, o republicano terá mais liberdade para impor sua agenda política neste segundo mandato. Vale lembrar, no entanto, que a votação popular não teve uma distância tão grande, o que significa que os EUA continuam divididos e isso pode ser a única coisa a funcionar como freio a Trump.
De toda forma, a partir de 20 de janeiro entraremos em um mundo desconhecido no que tange aos movimentos dos EUA para os próximos dois anos - quando ocorrem as eleições de meio de mandato.
E, enquanto países latino-americanos viviam as euforias ou derrotas das cúpulas dos BRICs, da APEC e do G-20, começaram a pensar em suas relações futuras com o governo Trump.
De forma imediata, analistas acreditam que a relação do republicano com líderes de países latino-americanos deverá ser mais definida por questões migratórias do que em seu primeiro mandato. Trump prometeu uma deportação massiva dos quase 12 milhões de imigrantes em situação ilegal nos EUA. E, hoje, entre esses imigrantes não estão apenas os que saíram de países da América Central - cenário do primeiro mandato do republicano -, mas muitos que chegaram de Venezuela, Cuba, Equador e Haiti, por exemplo.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, saiu em defesa dos imigrantes nesta semana e afirmou que receberá todos os mexicanos que forem deportados dos EUA. “Evidentemente, não estamos de acordo com que os migrantes sejam tratados como criminosos. Para isso existem as instituições de Justiça em qualquer lugar do mundo…Vamos receber as e os mexicanos e temos um plano para isso”.
De acordo com o Instituto de Políticas Migratórias, os mexicanos representam 45% dos quase 12 milhões de migrantes em situação ilegal nos EUA.
Reação comercial
Na reta final da campanha, Trump prometeu impor tarifas de 25% a produtos que o México exporta aos EUA se o país não contiver a passagem de migrantes pela fronteira.
Dentro da questão migratória, está ainda o envio de remessas que imigrantes vivendo nos EUA enviam aos parentes em países da América Latina. Há décadas, essas remessas são um pilar da economia latino-americana e caribenha.
De acordo com uma reportagem da Americas Quarterly, no ano passado as remessas somaram US$ 159 bilhões. Dez anos antes, o valor havia sido de US$ 62 bilhões.
Mas esse cenário pode sofrer grande impacto com a concretização da deportação em massa e com legislaturas que estão ganhando força em Estados americanos pela taxação das remessas, o que prejudicaria o crescimento de países latino-americanos.
Para se ter uma ideia, essas remessas equivalem a 28% do PIB na Nicarágua, 18% no Haiti, 23,5% em El Salvador e 4,9% no Equador.
Questões ideológicas
A relação de Trump com líderes da América Latina passa pela questão ideológica. Basta ver a imediata comemoração do argentino Javier Milei com sua vitória e, no Brasil, a empolgação da ala bolsonarista.
“Trump vai fomentar alianças com Milei, e algumas figuras da extrema direita, não da centro-direita, como é o caso de LaCalle Pou, no Uruguai, vão se sentir prestigiadas”, explica Moisés Marques, professor de relações internacionais na Fundação Escola de Sociologia e Política (Fesp) de São Paulo.
Segundo ele, os líderes de uma esquerda que chama de “pragmática, como Lula (Brasil) e Boric (Chile)” devem ter uma “relação fria, mas razoável” com o governo Trump.
“Temos dois Trumps possíveis. Um vingativo e odioso que vai fazer o que quiser, ou o Trump que quer entrar para a História e fazer um governo dentro dos limites da democracia. Vamos ver qual Trump aparece por aí”, diz Marques.
Olhar as indicações do presidente eleito para cargos-chave nas áreas relacionadas com imigração e política externa é uma forma de entender como a lealdade a ele foi determinante em suas escolhas e como deve ser a condução desses temas a partir do ano que vem.
Vamos a algumas delas:
Marco Rubio, secretário de Estado:
Pode ser o primeiro latino a comandar a diplomacia americana. Foi eleito senador em 2010 e se tornou o primeiro filho de imigrantes cubanos com um assento na Câmara. Se destacou no Senado ao adotar posturas contra China e Irã. Apoiou sanções a Venezuela, Cuba e Nicarágua. Além disso, é um grande defensor de Israel.
Marques ressalta que Rubio não pode ser caracterizado, pelo menos agora, como “um grande MAGA (make America great again)”, se referindo ao movimento “faça a América grande de novo”. O senador é um conservador muito ligado ao lobby cubano da Flórida.
Tom Homan, o czar da fronteira:
Durante o primeiro mandato de Trump, Homan já aplicou com mão dura as políticas migratórias. Neste ano, ganhou destaque entre os trumpistas com a frase: “tenho uma mensagem aos milhões de imigrantes ilegais que Joe Biden liberou em nosso país violando a lei federal: é melhor começarem a fazer as malas já”.
Stephen Miller, chefe-adjunto do Gabinete da Casa Branca:
Outro defensor das políticas migratórias de Trump, Miller foi um dos partidários, em 2018, do programa que promoveu a separação de famílias imigrantes.
Elise Stefanik, embaixadora na ONU:
A nova iorquina considera a ONU uma “instituição antissemita” e abraçou as teorias da conspiração de Trump. Acusou reitorias de universidades americanas de antissemitismo ao longo deste ano, durante os protestos nos quais manifestantes acamparam em campus contra a guerra em Gaza.
Howard Lutnick, secretário do Comércio:
O bilionário é CEO da Cantor Fitzgerald, empresa de serviços financeiros, e foi escolhido para representar os interesses das empresas americanas. Sua companhia investe na América Latina e Lutnick tem apoiado fortemente as promessas tarifárias de Trump, que incluem a tarifa de 10% sobre todas as importações e de 60% para as importações da China.
Kristi Noem, secretária de Segurança Nacional:
Governadora da Dakota do Sul por duas vezes, Noem foi nomeada para chefiar o departamento que vai executar as políticas migratórias de Trump: deportação em massa de imigrantes em situação ilegal, a volta do “remain in México” - política em que os imigrantes ficam no México aguardando a resposta para seu pedido de asilo - e o fim da concessão de cidadania americana a cidadãos nascidos nos EUA e filhos de imigrantes em situação ilegal.
Tulsi Gabbard, diretora da Inteligência Nacional:
Ex-congressista democrata pelo Havaí, Gabbard foi escolhida para a área que supervisiona as 18 agências que formam a rede de Inteligência dos EUA. Ela terá papel central em qualquer decisão de política externa ou decisão militar envolvendo a segurança nacional.
Continuem acompanhando as notícias de EUA e Donald Trump pela Carta Global.
Mais pelo mundo:
EUA chamam opositor de ‘presidente eleito’ da Venezuela
A Venezuela voltou a ganhar destaque nesta semana com duas notícias que podem movimentar a política interna. Na sexta-feira, O Ministério Público venezuelano, dominado pelo chavismo, abriu uma investigação contra a líder opositora María Corina Machado, acusada de “traição à pátria” por “conspirar” com o governo de Joe Biden.
A Câmara dos Estados Unidos havia aprovado na segunda-feira um projeto de lei bipartidário chamado Bolívar, que ainda precisa da aprovação do Senado e da assinatura do presidente para entrar em vigor. Mas o texto, oficialmente denominado Proibição de Operações e Arrendamentos com o Regime Autoritário Venezuelano Ilegítimo, proíbe a assinatura de contratos com pessoas que tenham negócios "com o governo ilegítimo de Nicolás Maduro" ou com qualquer outro "não reconhecido como legítimo pelos EUA".
Caracas classificou o projeto como um "ataque criminoso" e, como resposta, o Parlamento, também dominado pelo chavismo, aprovou a Lei Orgânica Libertador Simón Bolívar contra o Bloqueio Imperialista, que propõe a inabilitação para exercer cargos públicos de venezuelanos que apoiem as sanções americanas.
O MP venezuelano também investiga Corina Machado por supostamente divulgar em um site 80% das atas eleitorais, algo que, segundo a oposição, seria a prova de que Edmundo González Urrutia venceu as eleições presidenciais.
Sobre Urrutia, vem a segunda notícia importante da semana sobre a Venezuela. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, chamou o opositor de “presidente eleito” da Venezuela. "O povo venezuelano se manifestou de forma contundente em 28 de julho e transformou Edmundo González em presidente eleito", disse na rede social X, quase quatro meses após Nicolás Maduro ter sido proclamado vencedor em meio a acusações de fraude.
Urrutia reivindica a vitória nas eleições presidenciais de 28 de julho, nas quais a autoridade eleitoral proclamou Maduro para um terceiro mandato de seis anos (2025-2031), sem apresentar as atas eleitorais com os detalhes da apuração.
A Venezuela considerou a fala “ridícula”. "Do único lugar que não se volta é do ridículo, diz o ditado popular", reagiu o chanceler venezuelano, Yván Gil, no aplicativo Telegram. “Blinken, inimigo confesso da Venezuela, insiste em voltar a fazê-lo", acrescentou, referindo-se ao reconhecimento por Washington, em 2019, durante o governo Trump, do opositor Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino após a questionada reeleição de Maduro, em 2018.
Jornais europeus abandonam a rede X
Jornais europeus estão anunciando sua saída do X alegando que a rede social do bilionário Elon Musk espalha desinformação. Nesta semana foi a vez do jornal de maior circulação na França, o Ouest-France, suspender suas publicações no X afirmando não considerar “sensato ou apropriado permanecer ativo enquanto não forem tomadas medidas sérias de proteção contra a desinformação, o assédio e a violência".
O britânico The Guardian, o espanhol La Vanguardia e o sueco Dagens Nyheter já haviam abandonado a plataforma.
O Ouest-France também acusa a rede X de "contribuir para envenenar o debate público, vital para a democracia".
Elon Musk, o homem mais rico do mundo, diz rejeitar qualquer forma de censura e comprou o Twitter em 2022 por US$ 44 bilhões. Logo na sequência, o rebatizou de X.
TPI emite ordens de prisão contra Netanyahu e Gallant
Enquanto continua sua ofensiva com bombardeios em Gaza e no Líbano, Israel criticou nesta semana a ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu por crimes de guerra e contra a humanidade. O ex-ministro da Defesa de Israel Yoav Gallant e o líder do braço armado do Hamas, Mohamed Deif, também foram alvos de pedidos de prisão.
O TPI emitiu os mandados de prisão na quinta-feira. "A sala emitiu mandados de prisão contra dois indivíduos, Binyamin Netanyahu e Yoav Gallant, por crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos pelo menos entre 8 de outubro de 2023 e 20 de maio de 2024", informou o TPI, acrescentando em outra declaração que também pediu a prisão de Deif, líder militar do movimento Hamas.
Segundo Israel, Deif morreu em um ataque em 13 de julho no sul de Gaza, mas o Hamas nega a sua morte.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, reagiu imediatamente na rede X e afirmou que o TPI "perdeu toda a legitimidade para existir e agir" após emitir "ordens absurdas e sem autoridade", escreveu Saar.
Já o Hamas parabenizou a medida do tribunal. "É um passo importante em direção à justiça, que pode permitir às vítimas obter reparação, mas permanece modesto e simbólico se não tiver o apoio total de todos os países do mundo”, disse Basem Naim, membro do grupo, em comunicado, sem fazer qualquer menção ao mandado de prisão de Deif.
O chefe da diplomacia da União Europeia considerou os mandados "vinculativos", e afirmou que, por isso, devem "ser aplicados". "Não é uma decisão política. É uma decisão de um tribunal, de um tribunal de justiça, de um tribunal internacional de justiça. E a decisão do tribunal deve ser respeitada e aplicada", declarou o diplomata europeu, Joseph Borrell, durante uma visita a Amã, capital da Jordânia.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, descreveu como “lógica” a decisão do TPI. Por outro lado, o governo argentino rejeitou o mandado de prisão do TPI alegando que ele "ignora o direito legítimo de Israel de se defender".
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, cujo país ocupa a presidência semestral da UE, anunciou nesta sexta-feira que convidaria Netanyahu para protestar contra a ordem do TPI.
"Não temos outra escolha senão contestar esta decisão. Vou convidar Netanyahu para a Hungria, onde posso garantir-lhe que a decisão do TPI não terá efeito", declarou em uma entrevista à rádio estatal.
O presidente americano, Joe Biden, qualificou de "escandalosa" a emissão de ordens de prisão contra dirigentes israelenses. "Independentemente do que possa insinuar o TPI, não há equivalência entre Israel e Hamas", afirmou Biden.
Os ministros de Relações Exteriores do G-7, que se reunirão entre segunda e terça-feira nos arredores de Roma, conversarão sobre as ordens de prisão emitidas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). "A presidência italiana do G7 tem a intenção de incluir esta questão na ordem do dia da próxima reunião ministerial, que será realizada em Fiuggi, de 25 a 26 de novembro", declarou Giorgia Meloni em um comunicado.