Migrantes em situação regular são alvo de prisões e deportações sob governo Trump
Cumprir promessa de deportar imigrantes sem documentação para estar nos EUA requer investimento em infraestrutura; administração fala em ‘prisões colaterais’ e exibe ações de forma midiática
Por Fernanda Simas
“Toda entrada ilegal será imediatamente interrompida e começaremos o processo de devolver milhões e milhões de criminosos estrangeiros aos lugares de onde vieram”. O discurso de Donald Trump ao tomar posse já indicava que os imigrantes sem documentação para estar nos Estados Unidos seriam alvo da nova política migratória. O que os analistas no tema não imaginavam seria a rapidez com que migrantes em situação regular no país passariam a ser perseguidos.
Ir atrás dos cerca de 400 mil imigrantes sem documentação que vivem nos EUA virou um problema de infraestrutura e contingente policial. Para uma deportação ser feita, é preciso que haja uma prisão. Essas pessoas sem documentação não aparecem em registros do governo, não são simples de serem encontradas. Imaginando que fossem encontradas facilmente, seria preciso um grande número de agentes nas ruas para realizar as operações e uma estrutura carcerária para recebê-las.
Por isso, não é o que está sendo visto no país. “Para o governo é muito mais fácil achar, prender e deportar quem paga imposto, está fazendo tudo certo, mesmo sendo um imigrante com algum tipo de documentação, do que outras pessoas que estejam fora do radar direto”, explica Gabrielle Oliveira, especialista em imigração e professora de Harvard.
O que temos visto são prisões de imigrantes que têm status de proteção para viver nos EUA, como venezuelanos, nicaraguenses e cubanos - que começaram a ser o alvo recentemente.
Luis Morales, caminhoneiro, cubano. Foi detido quando visitava um amigo em Denver. Agentes da Polícia de Migração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) pediram o documento do jovem e depois, mesmo diante da situação regular, o prenderam. A justificativa? Ele não tem uma audiência marcada para definir sobre o pedido de residência nos EUA. Detalhe: ele é casado com uma americana.
Denver, no Colorado, é uma cidade-santuário, ou seja, não entrega automaticamente imigrantes em situação irregular ao governo federal. Por isso, as autoridades democratas limitam a cooperação da polícia local com a polícia de imigração, da esfera federal. Essas cidades-santuário foram classificadas por Trump, ao longo da campanha, como símbolo dos “EUA invadidos”.
Em Maryland, o salvadorenho Kilmar Armando Abrego García foi abordado por policiais da imigração em 12 de março e, três dias depois, deportado em um voo junto com diversos venezuelanos para El Salvador. Acusados de pertencerem a gangues criminosas, todos foram enviados ao Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), uma megaprisão criada pelo presidente salvadorenho, Nayyib Bukele.
Abrego tem mulher e filho americanos, estava estudando para se tornar jornalista, tinha permissão de trabalho e um status humanitário concedido em 2019, quando já havia sido detido. Na ocasião, a Justiça entendeu que o salvadorenho - que fugiu aos EUA por ser perseguido pela gangue Barrio 18 - de fato corria riscos de morrer se voltasse a El Salvador.
A administração reconheceu na semana passada que a deportação ocorreu por um erro. Na sexta-feira, uma juíza federal determinou que o governo Trump tem até o fim da segunda para resolver o retorno de Abrego.
A ICE afirma que essas detenções - em situação regular - são as prisões colaterais, de pessoas que, segundo a nova administração federal, não deveriam estar no país.
“As pessoas com status legal, que incluem as que estão aqui com visto sem estar vencido, com residência permanente, com green card, como refugiado, ou mesmo esperando a audiência com o juiz, essas pessoas estão entrando no alvo do governo dependendo do histórico delas”, afirma Gabrielle Oliveira. Se o governo acha que tem algo que represente algum perigo naquelas pessoas para a política doméstica, elas são deportadas. “A ICE usa isso muito mais agora do que em qualquer outro governo”.
Deportações X Exibições
Olhar para o número de deportados em si não torna a administração Trump cumpridora de sua promessa até agora. Estatísticas mostram que a ICE sob Trump deportou, em fevereiro, menos do que sob seu antecessor Joe Biden, no mesmo mês do ano passado.
O pico de deportações com Biden foi de 329,9 mil em 2024. Mas o recorde continua sendo do governo Barack Obama, com pico de 433 mil em 2013. Ao longo de seus dois mandatos, a administração Obama deportou 3 milhões de imigrantes, segundo dados do Departamento de Segurança Interna dos EUA. No primeiro governo Trump, foram 1,19 milhão de deportados.
No entanto, a implementação da nova política migratória de Trump é feita para ser mostrada, tem forte apelo midiático. Aeronaves militares são usadas para levar os migrantes aos países da América Latina ou para o centro de detenção na Baía de Guantánamo, em Cuba.
“A Casa Branca e a administração colocam na mídia os vídeos das pessoas sendo presas e deportadas, usam caricaturas e músicas, itens que são trends de mídias sociais, com o intuito de normalizar o que está acontecendo”, diz Oliveira. Essas exibições tem gerado medo real, deixaram claro que o governo não está apenas falando, mas agindo.
Em Washington, imigrantes têm usado grupos de WhatsApp para compartilhar informações, em tempo real, sobre as operações da ICE nas redondezas. “Migrantes relatam muito medo de trabalhar, de dirigir, mesmo com a habilitação válida, de levar as crianças para as escolas”, conta Oliveira. “Pais e mães passaram a falar mais com seus filhos sobre o que eles devem fazer caso os pais sejam presos. Isso gera uma ansiedade muito grande”.
O clima de medo fez cair, isso sim, o número de pessoas que decidem cruzar a fronteira para os EUA. Entre fevereiro e janeiro, a diminuição foi de mais de 70%. E comparando fevereiro deste ano com fevereiro do ano passado, de mais de 90%.
Esse contexto tem um impacto, destacado por Oliveira, que chama a atenção e preocupa se formos olhar para o futuro. Muitas crianças americanas são filhas de pais em situação irregular ou mesmo com alguma pendência na documentação, ou até de imigrantes em situação regular, mas que podem ser alvos de uma deportação.
O que vai acontecer com as crianças que nasceram aqui, mas são filhas de pais indocumentados ou deportados? “Se esses números se acelerarem muito podemos ver um número muito grande de crianças americanas crescendo nos EUA sem um pai, uma mãe, um cuidador responsável. Consequentemente, isso diminui muito as chances de essas crianças terem uma vida digna, e gera também um ônus para a sociedade americana, onde começa a se criar outra classe de cidadão”, explica a professora.
Atualmente, 5,5 milhões de crianças americanas vivem em casas com ao menos um morador em situação irregular, incluindo 1,8 milhão que vivem com os pais sem a documentação necessária. Os dados são do Center for Migration Studies.
O governo Trump tem desafiado as ordens judiciais e evocando leis muito antigas - como disse que faria em seu discurso de posse. “E ao invocar o Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, direcionarei nosso governo a usar todo o poder federal e estadual da aplicação da lei para eliminar a presença de todas as gangues estrangeiras e redes criminosas que trazem o crime devastador para o solo dos EUA, incluindo nossas cidades e áreas urbanas”, falou Trump em janeiro.
Tudo isso está sendo feito sem que o governo se preocupe muito sobre o que vai acontecer, até mesmo, com as crianças que nascem nos EUA, com cidadania.
Indicação sobre o tema
Outro aspecto dessa política migratória que estamos vendo é a expulsão de estudantes. As universidades passaram para a mira do governo. Existe um novo olhar para os campus, uma observação sobre as políticas disciplinares. “O governo vai atrás das universidades, remove vistos, deporta pessoas com Green card, mas o foco está na condução do ensino superior”, explica Oliveira.
Deixo aqui o episódio que trata deste tema do podcast The Daily, do The New York Times. Ele conta a história de alunos da Universidade de Columbia para exemplificar o que tem acontecido ao redor dos EUA.
Mais pelo mundo
EUA: o tarifaço de Donald Trump
Entraram em vigor neste sábado, dia 5 de março, as tarifas de 10% impostas pelo governo Donald Trump sobre grande parte dos produtos provenientes do resto do mundo. Ato que vem sendo apontado como temeroso por economistas para o futuro do comércio mundial.
Petróleo, gás, cobre, ouro, prata, platina, paládio, madeira para construção, semicondutores, produtos farmacêuticos e minerais que não são encontrados em solo americano estão isentos da taxação. Por outro lado, as importações de aço, alumínio e automóveis continuam sujeitas às taxas de 25%.
No dia 9, quarta-feira, entram em vigor impostos mais altos para outros países. As taxas serão de 54% para a China, 20% para a União Europeia, 46% para o Vietnã, 24% para o Japão, 15% para a Venezuela, 18% para a Nicarágua, 41% para as Ilhas Malvinas.
Na sexta-feira, Pequim anunciou que vai impor, em retaliação, tarifas aduaneiras adicionais de 34% sobre os produtos americanos a partir de 10 de abril.
Após os anúncios de Trump, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, alertou que tais tarifas podem, provavelmente, aumentar a inflação nos EUA, elevar o desemprego e desacelerar o crescimento americano.
A secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Rebeca Grynspan, o aumento das tarifas vai atingir mais duramente os mais pobres e vulneráveis.
Le Pen é condenada e fica inelegível na França
A líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, está impedida, por enquanto, de disputar a eleição presidencial em 2027, depois que a Justiça a condenou e a tornou inelegível por desvio de dinheiro público quando era eurodeputada. Com 56 anos, Le Pen era apontada como uma das favoritas para a próxima eleição, que não terá a candidatura do presidente centrista Emmanuel Macron, em seu segundo mandato.
A Justiça impôs cinco anos de inabilitação e quatro de prisão, embora ela tenha apenas a obrigação de cumprir dois anos em regime domiciliar e com tornozeleira eletrônica.
Le Pen criticou a decisão e recebeu apoio de diversos líderes da extrema direita mundial. “Esta condenação é uma decisão política para impedir que me apresente e seja eleita", disse a francesa.
O presidente americano, Donald Trump, comparou a condenação às suas próprias batalhas judiciais, e seu assessor Elon Musk a classificou de abuso "do sistema de Justiça" pela "esquerda radical". O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro falou em "perseguição".
"Eu sou Marine!", publicou na rede social X o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Já o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, disse que "cada vez mais capitais europeias seguem o caminho da violação das normas democráticas".
Internamente, o caso também foi criticado e, diante das críticas, o conselho superior do Judiciário francês afirmou que "ameaças" e "declarações de líderes políticos" sobre os fundamentos do processo não poderiam ser aceitas em uma sociedade democrática.
O processo
A Justiça julgou, entre setembro e novembro, Marine Le Pen, seu partido Reagrupamento Nacional (RN) e outras 24 pessoas por pagarem com o dinheiro do Parlamento Europeu os funcionários de sua legenda entre 2004 e 2016. Todos foram condenados.
O tribunal considerou que essas pessoas trabalharam na realidade para o partido Frente Nacional (FN), rebatizado como RN em 2018, que teria economizado quantias importantes de dinheiro com essa prática, proibida pela legislação europeia.