Uma semana de Trump no poder: decretos e foco em migração
Presidente americano tira promessas do papel, fala em nova era de ouro e começa deportação de centenas de imigrantes
Por Fernanda Simas
Em uma semana no poder, Donald Trump mostrou que está disposto a cumprir suas promessas de campanha, falou sobre o início de uma nova “era de ouro” para os Estados Unidos e iniciou diversas ações, principalmente na questão migratória. “Ele sabe que tem força no início do mandato, e usar esse momento para deixar sua marca é importante”, explica a professora de relações internacionais da ESPM-SP Denilde Holzhacker.
Avaliando os decretos e movimentos do governo americano em sua primeira semana, nota-se que Trump tem, agora, mais capacidade de demonstrar força do que tinha em seu primeiro mandato. “Ele sabe que tem o apoio de diversos setores da sociedade e, institucionalmente, está confortável com o apoio dentro do Congresso e no setor jurídico”, diz Holzhacker.
A sua agenda antiprogressista e contrária a questões afirmativas e de ESG, por exemplo, já entraram na pauta. Mudanças na questão energética, da exploração de petróleo e gás, que estavam forte, apareceram em diversos discursos do republicano.
Migração
A migração é o principal tema para Trump neste começo de mandato. O presidente assinou decretos cancelando o aplicativo que permitia aos imigrantes iniciarem o pedido de asilo nos EUA, suspendendo a entrada de imigrantes pela fronteira sul - com o México - e declarou emergência na fronteira; ordenou que o Departamento de Justiça investigue funcionários que estejam dificultando a aplicação das novas leis e determinou a prisão de imigrantes em situação ilegal mesmo que estejam em escolas, igrejas e hospitais.
Além disso, o Congresso aprovou na semana passada uma lei autorizando a prisão e deportação de imigrantes em situação ilegal que sejam acusados de crimes, mesmo sem julgamento e eventual condenação. A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, anunciou entre a quinta e a sexta-feira que 538 imigrantes de diferentes origens haviam sido presos desde a posse do republicano.
Trump também iniciou as deportações. “Logo no início, ele já dá indicações de que vai ser mais duro com as fronteiras, esse é um tema que ele considera essencial”, afirma Holzhacker.
Dois voos com 160 imigrantes foram enviados dos EUA para a Guatemala, outro voo foi enviado ao Brasil, na semana passada, com pelo menos 158 migrantes. Entre eles, estavam 88 brasileiros deportados que relataram maus tratos no voo militar e chegaram ao País algemados e com os pés acorrentados.
O tratamento dado aos deportados levou a críticas do governo brasileiro, que convocou o encarregado de negócios dos EUA em Brasília para conversas. O encontro que ocorreu nesta segunda-feira foi considerado uma tentativa de diálogo para encontrar uma solução sem entrar em confronto diretamente com o governo Trump.
Essa maneira de deportar os imigrantes foi justamente o pivô de uma crise diplomática entre EUA e Colômbia. No domingo, o governo Trump anunciou que iria impor tarifas de 25% aos produtos colombianos após o presidente Gustavo Petro negar receber aeronaves militares americanas com os imigrantes.
Petro chegou a ameaçar impor tarifas aos produtos americanos em resposta. Mas, nesta segunda-feira, Washington afirmou que um acordo tinha sido alcançado e o governo colombiano havia aceitado receber as aeronaves. Bogotá afirma que as pessoas deportadas passariam a ser tratadas de forma mais digna.
O México afirmou que não vai receber migrantes que não sejam mexicanos, anunciou a criação de empregos aos cidadãos que forem enviados de volta e começou a abrir abrigos temporários perto da fronteira.
Outro ponto controverso da questão migratória de Trump foi sua determinação de acabar com a cidadania americana sendo concedida a pessoas que nascem nos EUA. Tal determinação já está sendo tratada na justiça.
Imposição de tarifas
“O que não ficou tão presente (em sua primeira semana no poder), mas se espera que vá ganhar um papel mais forte a partir de fevereiro é (a atuação de Trump) na área de comércio e cobrança de tarifas”, afirma Holzhacker. “Ele está preocupado com o quanto isso vai impactar internamente, estudos mostram que isso poderia ter impactos muito negativos em termos de inflação”.
De fato, a imposição de tarifas a outros países foi algo diversas vezes repetido no discurso do republicano. Até agora, Trump falou em aplicar uma tarifa de 10% sobre a China, após acusar o país asiático de enviar fentanil para o México e o Canadá. Mas, segundo ele, essa medida começaria a valer em fevereiro.
De toda forma, a tarifa seria muito menor do que o que Trump vinha prometendo.
Além disso, o presidente americano comentou sobre impor tarifas sobre a União Europeia considerando que os EUA tem um déficit de US$ 350 bilhões, mas não disse quando nem quanto.
Fator China
Para a professora Holzhacker, existe uma “disputa” interna no governo Trump sobre o tratamento dado à China. “Acredito que neste momento vence a ala que pensa em se manter uma posição dura (com a China), mas não de forma que coloque o país na defensiva pelos custos econômicos que isso pode gerar. Precisamos lembrar que o Elon Musk tem interesses econômicos na China, a Tesla tem interesse”.
Além disso, Trump vinha sinalizando que era preciso resolver problemas como a guerra na Ucrânia e em Gaza para priorizar sua principal questão estratégica, “que era o poder chinês no mundo, e mais importante do que o poder político, parece ser o poder econômico”.
Guerras
Antes mesmo de assumir a presidência, Trump conseguiu exibir um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas (falamos disso aqui na Carta da semana passada). Agora, o presidente americano voltou a enviar determinados tipos de armamento para Israel e chegou a comentar sobre uma possível negociação para que Egito e Jordânia recebessem palestinos já que Gaza “está destruída”.
O Hamas, o presidente da Autoridade Palestina e diversos países árabes denunciaram a proposta de “limpar a Faixa de Gaza”. Tanto a Jordânia, que acolhe atualmente 2,3 milhões de refugiados palestinos, como o Egito rejeitaram qualquer projeto de "deslocamento forçado" de palestinos. A Liga Árabe denunciou a iniciativa como "limpeza étnica".
Na semana passada, Trump falou diretamente sobre a guerra na Ucrânia e deu um prazo de 100 dias para o enviado especial dos EUA para a Ucrânia resolver a guerra. O republicano afirmou, ainda, que se o acordo não sair, vai impor tarifas aos bens e produtos russos.
Neste ponto, vale ressaltar que em 2024, os EUA exportaram US$ 488 milhões à Rússia e importaram US$ 2,8 bilhões.
Saída de organizações internacionais
Outra medida da primeira semana no poder, Trump retirou os EUA de organizações e tratados internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Acordo de Paris. “Para as organizações, isso é muito ruim, não só porque os EUA são o principal doador em todas elas,mas porque a saída cria uma percepção para outros países com visões contrárias ao multilateralismo de que essas organizações perdem em eficiência e capacidade”, explica Holzhacker.
“Com a OMS, esse impacto é menor porque ela tem uma posição muito consolidada em outros países, como na Europa, na América Latina, nos países africanos, Índia e na própria China, mas enfraquece a implementação de ações e políticas ao redor de todo o mundo.”
A saída do Acordo de Paris é prejudicial para as negociações climáticas e ainda torna difícil para países que buscam liderar na questão ambiental, como o Brasil, ter de fato um protagonismo e posição que leve a mais capacidade de ação dessas organizações.
Para a professora da ESPM, essa é mais uma estratégia americana para ampliar a própria capacidade de influência. “Do ponto de vista de Trump, existem outros mecanismos de atuação e isso mostra que os próprios mecanismos bilaterais de cooperação serão mais acionados, dando mais poder de barganha, mais capacidade de atuação direta nos países”.
Indicação sobre o tema
Falar sobre a reverberação do discurso de posse de Donald Trump para a extrema direita ao redor do mundo é assunto para uma newsletter apenas sobre esse tema. O podcast Foro de Teresina da sexta-feira passada traz a repercussão das medidas de Trump e seus impactos para a extrema direita do Brasil. Deixo aqui o link do episódio Cruzada obscurantista e aceno ao nazismo: a volta de Trump
Mais pelo mundo
Milhares de palestinos começam a voltar ao norte de Gaza
Milhares de palestinos deslocados pela guerra começaram a retornar nesta segunda-feira para suas casas no norte da Faixa de Gaza. No fim de semana, Israel e o Hamas acordaram a libertação de outros seis reféns no marco da primeira fase do cessar-fogo, que entrou em vigor no dia 19 de janeiro.
Segundo o governo do Hamas, 300 mil deslocados retornaram. Vídeos mostram centenas de pessoas se deslocando, com bagagens e carroças, além de muitas crianças em carros esperando para voltar às suas casas.
Longas filas de veículos se formaram em Nuseirat, em virtude da previsão da abertura da passagem para os automóveis.
O Hamas entregou uma lista com a situação dos outros reféns. Segundo o governo israelense, oito dos reféns que poderiam ser libertados nas próximas semanas estão mortos.
Nesta segunda-feira a Jihad Islâmica, um grupo armado aliado ao Hamas, divulgou um vídeo de um minuto no qual aparece a refém israelense Arbel Yehud, visivelmente abalada, pedindo ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu que faça todo o possível para libertar os reféns.
Alemanha tem manifestações contra a extrema direita com eleição à vista
Com a proximidade das eleições legislativas na Alemanha, milhares de pessoas se manifestaram no sábado contra a crescente influência legislativa do partido de extrema direita AfD, acusado de ameaçar a democracia. O AfD aparece em segundo lugar nas pesquisas, com 20% dos votos, atrás dos conservadores da CDU/CSU, que lideram com cerca de 30% das intenções de voto.
As manifestações mais importantes ocorreram em Berlim e Colônia, com respectivamente cerca de 35 mil e 20 mil manifestantes, de acordo com a polícia. No emblemático Portão de Brandemburgo, os manifestantes formaram “um mar de luz pela democracia" com as lanternas de seus celulares e escreveram a palavra "Resistência".
Várias organizações convocaram manifestações em 60 cidades, a quatro semanas das eleições de 23 de fevereiro para renovar o Parlamento alemão.
Musk
O bilionário Elon Musk deu seu apoio ao partido AfD por videoconferência em um comício, em meio à controvérsia após ter feito um gesto de saudação nazista durante a posse de Donald Trump.
"É bom ter orgulho de ser alemão. Lutem por um futuro brilhante para a Alemanha", declarou Musk, reiterando seu apoio ao partido.