Movimentações de Trump e uma nova ordem mundial
Como as investidas do presidente americano estão afetando os principais aliados dos EUA e moldando um novo sistema internacional
Por Fernanda Simas
Nas últimas duas semanas, as investidas de Donald Trump contra países aliados e suas propostas em política internacional sinalizaram a reversão que vivemos na democracia, a mudança da ordem mundial e um consequente declínio da influência americana. Analistas afirmam que este é o momento de maior mudança de sistema desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Em poucos dias, o presidente americano iniciou negociações com a Rússia pelo fim da guerra na Ucrânia - sem envolver a própria Ucrânia e a Europa -, colocou Elon Musk no salão oval da Casa Branca - deixando de lado qualquer constrangimento em razão dos interesses econômicos envolvidos nessa relação -, e tentou convencer a comunidade internacional a aceitar seu plano de criar uma Riviera em Gaza - na prática uma limpeza étnica.
“Isso tudo tem um efeito de mudança na balança de poder. Antes de mais nada, com os atuais (países) aliados porque nada garante que eles continuem aliados”, afirma o professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit. “Essa questão de Gaza deixou os europeus irritados. (O presidente francês Emmanuel) Macron falou em não depender mais dos EUA. Não estamos vendo um declínio americano, mas da influência americana. Os EUA continuarão sendo a maior economia mundial e tendo a maior estrutura militar do planeta, mas a influência deles está diminuindo.”
Diversos analistas americanos têm falado da credibilidade dos EUA neste momento, sobre como ela está diminuindo entre os países aliados e entre os rivais, como Rússia e China, desde a eleição de Trump. Isso porque o presidente faz ameaças e volta atrás, numa forma de exercer pressão, como tem feito com o Panamá - ao ameaçar tomar o Canal do Panamá -, México e Canadá - com as tarifas que ameaçou impor e, depois, postergou.
“Neste momento não temos uma ordem internacional, e nem uma nova. Se antes eu falava de estarmos vivendo uma Guerra Fria 2.0, agora parece a lei da selva”, afirma Rudzit. “A cooperação internacional é cada vez mais impossível nesse cenário, as perspectivas não englobam uma reversão tão cedo.”
Consequência direta desse contexto é o enfraquecimento de democracias ao redor do mundo, principalmente na Europa, onde já se vê o forte crescimento da extrema direita alemã, por exemplo, inclusive com o apoio aberto de parte do entorno de Trump, como seu fiel escudeiro Elon Musk. “Isso preocupa muito. Vemos governos nacionalistas e o enfraquecimento da democracia, como vimos na década de 1930”, avalia Rudzit.
Fator Ucrânia
Se algum acontecimento pode ser considerado decisivo para os rumos de uma nova ordem mundial é o desfecho da guerra na Ucrânia. Qual será o recado caso ela se encerre com a Rússia tendo tomado territórios ucranianos?
Nesta semana, pela primeira vez, Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, falaram ao telefone. Após os 90 minutos de conversa, o governo americano afirmou que uma negociação está próxima para encerrar o conflito, iniciado com a invasão russa à Ucrânia em fevereiro de 2022.
Desde aquele fevereiro, a postura americana, com Joe Biden na presidência, vinha sendo de isolar a Rússia, de dar todo o apoio necessário - exceto o envio de tropas - à Ucrânia e só falar em negociação com o envolvimento de Kiev e da Europa.
Alemanha e França reagiram e reafirmaram a necessidade de a Europa estar envolvida nas conversas, o Reino Unido disse que deve depender da Ucrânia conversar sobre o fim da guerra e ditar os termos para uma negociação.
Se a soberania tem sido um pilar fundamental da comunidade internacional desde a Segunda Guerra Mundial, o desfecho dessa guerra com a Rússia anexando territórios abre um precedente perigoso. Até agora, o que ficou claro é que a visão de mundo do líder americano está mais voltada à configuração pré-Segunda Guerra.
Em Gaza, o temor de uma limpeza étnica
Em mais um passo que desperta temor da comunidade internacional, Trump insiste em viabilizar seu plano de tomar o controle da Faixa de Gaza, reconstruir as cidades e criar uma Riviera no enclave, retirando os palestinos do local e construindo resorts.
Expulsar uma população inteira de um local é uma limpeza étnica, não há outro nome para isso. Enquanto anunciava sua ideia, Trump tinha ao seu lado o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que ficou em silêncio, num misto de surpresa e alívio, já que a ideia de retirar os palestinos de Gaza é de interesse de alguns ministros de seu governo e de alguns colonos israelenses.
Esse movimento em especial vem minando a confiança nos EUA. A Jordânia, grande aliada dos americanos, falou que a proposta apenas fomenta o terrorismo e refutou receber os palestinos que seriam retirados de Gaza. O presidente do Egito também refutou a ideia e a Arábia Saudita afirmou que qualquer retomada de diálogo com Israel depende da criação de um Estado palestino.
China e a América Latina
Pouco tempo após assumir o cargo, o novo secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou que a atenção do governo deve se voltar para o continente americano, algo inusual na diplomacia de Washington. O jornal americano Wall Street Journal publicou uma matéria falando que a CIA (unidade de Inteligência dos EUA) vai se concentrar no hemisfério americano, inclusive em países que nunca foram uma preocupação.
“Isso é a prova de seu pensamento com base no isolacionismo americano. Conceito que esteve presente em seu discurso de posse, em janeiro”, afirma o professor Rudzit.
Na Casa Branca, Elon Musk
Junta-se a essas posturas internacionais, a aproximação cada vez maior de Trump e Elon Musk, que após ter injetado milhões de dólares em ajuda para a campanha do republicano, agora encabeça um Departamento de eficiência governamental, com o objetivo de cortar gastos do governo. Nesta semana, Musk esteve no Salão Oval da Casa Branca, onde descreveu o que estava fazendo com relação aos gastos.
Enquanto Musk falava em pé a jornalistas, Trump ficou sentado observando. E a agência de notícias Associated Press era barrada de entrar na Casa Branca por se recusar a tratar o Golfo do México como Golfo das Américas.
Trump parece rejeitar três pilares citados por analistas internacionais como a sustentação da ordem internacional pós Segunda Guerra: a aposta na globalização e numa maior integração econômica, que levaria a um mundo mais pacifico; a garantia de segurança que os EUA davam aos seus maiores aliados; e a maior proximidade a regimes democráticos, pelo menos na retórica.
Ao contrário disso, Trump é protecionista e parece preferir lidar com autocratas a negociar com aliados. Resta saber qual o aval que a comunidade internacional dará a esses passos e como se dará uma eventual reorganização da ordem mundial. Continuem acompanhando pela Carta Global os efeitos do governo Trump.
Indicação sobre o tema
O lobby sempre existiu e esteve presente na política americana, mas sob a nova gestão de Donald Trump, diante da cena da presença de Musk no salão oval da Casa Branca, se percebe que há um novo modelo desse lobby acontecendo nos EUA.
O mesmo Elon Musk pagou US$ 10 milhões para acabar com um processo que Trump movia contra a rede X por ter tido sua conta suspensa.
Neste episódio do Pétit Investe, o conceito de capitalismo de compadrio, ou, em inglês, Crony Capitalism, é esmiuçado. Não há constrangimentos de Trump ao praticar essa forma de capitalismo. Elon Musk está na Casa Branca, auxiliando na tomada de decisões, sem abrir mão de seus negócios.
Mais pelo mundo
Mais reféns são libertados pelo Hamas após dias de incerteza
Após dias de incerteza sobre a continuidade do cessar-fogo entre Israel e o Hamas, outros três reféns foram libertados neste sábado. Em troca, Israel vai libertar 369 presos palestinos.
A trégua entrou em vigor no dia 19 de janeiro e interrompeu mais de 15 meses de conflito em Gaza. Mas o acordo tem estado sob forte pressão desde que o presidente americano, Donald Trump, propôs que os EUA tomem o controle do enclave palestino.
O Hamas chegou a ameaçar não libertar esses três reféns alegando violações israelenses ao acordo. Israel reagiu e condicionou a continuidade da trégua à libertação dos reféns. Até este sábado, cinco trocas de reféns foram realizadas.
Os reféns libertados chegaram em um estado debilitado, despertando a atenção do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que pede acesso aos que ainda estão sob domínio do Hamas. Segundo as primeiras informações da libertação deste sábado, os três libertados estavam em condições um pouco melhores.
A guerra em Gaza começou em 7 de outubro de 2023, após os ataques terroristas do Hamas em Israel, que deixaram 1.211 mortos e 251 sequestrados. Destes, 73 continuam em Gaza, sendo que 35 estão mortos.
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Coronel é morto no Equador dias após o primeiro turno presidencial
A violência continua tomando conta do Equador após o primeiro turno das eleições presidenciais. Um coronel das Forças Armadas responsável por operações contra o narcotráfico foi morto a tiros na sexta-feira perto de uma penitenciária da cidade de Guayaquil.
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