Na esteira da Assembleia-Geral da ONU, um plano para Gaza
Projeto apresentado por Trump e aceito por Netanyahu chega dias após discursos nas Nações Unidas, mas não aborda reivindicações do polo palestino
Por Fernanda Simas
Enquanto lideranças de todo o mundo se juntavam em Nova York para os debates gerais da Assembleia-Geral da ONU, reuniões paralelas, que ocorrem a portas fechadas, foram o destaque da diplomacia. Uma delas dava sinais do plano para uma paz em Gaza que foi apresentado por Donald Trump nesta segunda-feira.
O presidente americano se reuniu com líderes de Arábia Saudita, Catar, Jordânia e Turquia. Na sequência, postou em sua rede social sobre a reunião e uma possível solução para a guerra que completará 2 anos nos próximos dias. Ao mesmo tempo, Trump afirmou que não permitiria que Israel anexasse partes da Cisjordânia ocupada - algo que integrantes do governo de Binyamin Netanyahu vêm dizendo nas últimas semanas.
“A postura de Trump está mudando e o principal ponto é que os governos árabes, principalmente as monarquias do Golfo que prometeram bilhões em investimentos nos EUA, estão pressionando muito”, afirma Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP. “A forma de Trump pensar e ver o mundo é a partir dos negócios”.
O plano apresentado nesta segunda-feira tem 21 pontos, prevê a entrega de todos os reféns israelenses ainda em poder do Hamas, o desarmamento do grupo terrorista - em troca de uma anistia aos que deporem as armas - a retirada gradual das forças israelenses do território palestino e a criação de um Conselho da Paz - liderado por Trump - que seria responsável por administrar a Faixa da Gaza em um período de transição.
“Se trata de um pré projeto bastante complicado, com muitas variáveis envolvidas”, explica Rudzit. “Parte de uma premissa básica que, no meu entender, parece desenhada para que todo restante não dê certo: que o Hamas aceite depor armas e deixe o controle da Faixa de Gaza.”
Segundo o professor, se o Hamas aceitar este projeto, é uma “mudança de postura muito grande”. Ainda não está claro, no entanto, qual seria o papel da Autoridade Palestina neste futuro de Gaza. O plano precisa ser ratificado pelas partes e, antes disso, aceito pelo Hamas. Os termos foram entregues por Catar e Egito ao grupo.
Em uma entrevista após ser recebido, nesta segunda, por Trump e aceitar o acordo, o primeiro-ministro Netanyahu afirmou que a guerra em Gaza pode acabar “da forma fácil” ou “da forma difícil” e se o Hamas não aceitar o acordo, “Israel terminará a guerra”.
Outro ponto importante é como este plano será recebido pela extrema direita israelense. Alas do governo Netanyahu falam abertamente em anexar Gaza e Cisjordânia. “Se tirarem o apoio a Netanyahu, o governo cai”, afirma Rudzit.
Estado palestino
Durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU - feito por videoconferência por ter tido o visto negado pelos EUA - Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina, falou da necessidade de um Estado palestino, desarmado e sem ter o Hamas como integrante. Abbas também condenou os ataques terroristas do Hamas de 7 de outubro de 2023.
Dias depois, Netanyahu, em seu discurso, criticou o reconhecimento do Estado da Palestina por alguns países - Canadá, Reino Unido, Austrália, Portugal e França fizeram o anúncio no começo da Assembleia - e sinalizou ao seu público interno, dizendo que Israel trava uma luta contra o terrorismo.
“(Esses reconhecimentos) não têm um efeito prático, Israel continua controlando militarmente os territórios palestinos. Mas são muito importantes porque, pela primeira vez, países que foram sempre muito próximos a Israel, inclusive do G7, se colocam nessa posição”, diz Rudzit.
Segundo o professor, o isolamento diplomático isrtaelense cada vez maior pode ter aumentado a pressão sobre Netanyahu. “Dependendo de como for esse isolamento, pode levar ao banimento de Israel de eventos internacionais”.
Voltando para a Assembleia-Geral
Outros temas trazidos durante os debates gerais na ONU merecem uma rápida reflexão. Um deles é o discurso de Trump. Em contraste com o discurso de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente americano condenou o combate às mudanças climáticas, chegou a dizer que se tratam de invenções, colocou a imigração como fator de declínio dos Estados europeus e deixou claro que vai combater o narcotráfico com estratégias contra o terrorismo.
Lula abriu as discussões com um discurso bastante diplomático, enfatizando a importância do multilateralismo, defesa da democracia e combate às mudanças climáticas. Rudzit vê “duas escorregadas” do presidente brasileiro. “Ele diz que não vai apoiar candidatos a autocratas numa referência a Trump, mas e autocratas já estabelecidos, tudo bem? Como Xi Jinping, Putin. Além disso, ele fala que na defesa da democracia vai apoiar uma iniciativa chinesa, como assim? Estamos falando de um governo que quer relativizar o conceito de democracia, de direitos humanos”.
Os discursos de líderes europeus, por sua vez, deixaram evidente que a Europa quer ser um polo de poder independente dos EUA. “O problema é a prática. Países destinaram 500 bilhões de euros para rearmamento, mas precisam construir uma base industrial de defesa, isso leva tempo”, alerta Rudzit.
Guerra na Ucrânia
Falando da guerra que, em alguns meses, completará quatro anos, Trump pareceu perceber que o presidente russo, Vladimir Putin, “o estava enrolando”, explicou o professor de relações internacionais. “Mas não vejo possível a Ucrânia recuperar o território ocupado como Trump disse. Faltam soldados.”
Apesar da crise da instituição no ano em que chega ao seu aniversário de número 80, a ONU continua sendo um espaço para se buscar alternativas para as questões internacionais porque é um fórum permanente multilateral. E, como afirmou Rudzit, “enquanto não houver alternativa a todo esse sistema ONU, não existe alternativa”.
O episódio 434 do podcast Xadrez Verbal traz análises importantes de diferentes discursos dos dois primeiros dias dos debates gerais da Assembleia da ONU. Vale a pena escutar.
Além disso, hoje deixo uma dica extra. Quem gosta de assistir aos discursos dos líderes, a página da ONU tem todos os vídeos com diferentes opções de idioma. Deixo aqui o link para a versão em inglês, que pode ser alterada em cada vídeo.
Drones invadem espaço aéreo da Dinamarca
Após Polônia e Romênia, a Dinamarca foi o novo país que teve seu espaço aéreo invadido por drones. Entre sábado e domingo, vários drones foram vistos sobrevoando instalações militares dinamarquesas.
Ao longo da semana, episódios semelhantes haviam sido relatados, mas nenhum drone foi abatido. O surgimento de drones na Dinamarca, e também na Noruega, desde o dia 22, forçou o fechamento de vários aeroportos.
Embora a origem das aeronaves seja desconhecida, a Dinamarca insinuou um possível envolvimento russo.
Após essas intrusões, a Otan reforçou sua vigilância no Báltico. As medidas incluem o envio de plataformas de inteligência, vigilância e reconhecimento, assim como pelo menos uma fragata de defesa aérea.
Entre quarta e quinta-feira, Copenhague sediará uma cúpula da União Europeia com a participação de chefes de governo. A Otan considera que essas incursões são um teste à capacidade de resposta dos países.
As forças armadas da Polônia posicionaram caças em seu espaço aéreo e que os sistemas de defesa aérea terrestre estão em alerta máximo.
Nas últimas semanas, vários países europeus acusaram a Rússia de incursões que violaram seu espaço aéreo, utilizando drones e caças, atos que a Otan considera um teste à sua capacidade de resposta.
A Rússia nega estar por trás dessas incursões ou que tenha planos de atacar países da Otan.
Em discurso na Assembleia-Geral da ONU, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, reclamou que seu país foi acusado de “praticamente planejar um ataque contra os países da Aliança Atlântica e da União Europeia”. “A Rússia não tem, e nunca teve, tais intenções. Mas qualquer agressão contra o meu país desencadeará uma resposta decisiva”, declarou.
Diante de possível escalada dos EUA, Venezuela pode declarar estado de exceção
A Venezuela tem um decreto pronto para declarar estado de exceção que dá poderes especiais ao presidente Nicolás Maduro em caso de um ataque dos Estados Unidos, após o envio de uma flotilha militar americana ao Caribe. O país realizou no sábado novos exercícios militares, mobilização que se soma a outros movimentos de tropas e alistamento de civis na reserva militar.
A administração Donald Trump enviou oito navios de guerra e um submarino de propulsão nuclear ao Caribe, sob a justificativa de combater o tráfico de drogas. Em uma nova determinação de Washington, alguns grupos narcotraficantes passaram a ser classificados pelos EUA como grupos terroristas - o que possibilita diversas ações militares.
Washington diz ter destruído ao menos três embarcações supostamente carregadas com drogas provenientes da Venezuela nas últimas semanas, deixando 14 mortos. O temor, agora, é que as ações americanas passem a ocorrer dentro do território venezuelano.
A simulação do sábado, segundo a agência France-Press, citando um documento oficial, foi planejada para enfrentar desde um terremoto e um tsunami até um conflito bélico. O plano da Venezuela para um conflito bélico contempla a preparação de refúgios e protocolos de evacuação.
A Defesa dos EUA
Nesta semana, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos pode divulgar seu plano para Defesa, que define os objetivos de defesa de aliados, dissuasão de adversários e a nova estratégia de Defesa do país.
O secretário de Defesa Pete Hegseth convocou na semana passada centenas de generais e almirantes do Exército americano para uma reunião nesta semana na Virgínia. A decisão levantou preocupações já que os militares abandonarão seus postos.