Venezuela: articulações pós-eleição e futuro da América Latina
Brasil, Colômbia e México pressionam Maduro e mantêm postura conjunta para exigir verificação do resultado eleitoral enquanto protestos aumentam
Por Fernanda Simas
Duas semanas se passaram desde as eleições na Venezuela, os protestos contra o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) - subordinado ao governo - continuam e a repressão aumenta, com Nicolás Maduro apertando o cerco nas ruas e na esfera virtual. Para analistas, enquanto Brasil, Colômbia e México tentam mediar uma solução, o que está em jogo na América Latina é quem é democrático e quem não é.
“O processo (eleitoral venezuelano) é questionável. Todo mundo que sai candidato é de alguma maneira ‘cancelado’ pelo regime”, explica o professor de relações internacionais Moisés Marques, coordenador de programas na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Fesp. “Os novos líderes (latino-americanos) precisam compor, vemos uma esquerda mais institucionalizada, que dentro de um mundo mais polarizado precisa fechar com quem é mais democrático”.
Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador - todos de esquerda - não reconheceram a vitória de Maduro, mas mantêm uma ponte de diálogo com a Venezuela e insistem que é preciso haver uma verificação independente da votação do dia 28 de julho.
Em comunicados conjuntos, os três países exigem, ainda, que as atas de cada mesa de votação sejam verificadas e divulgadas pelo poder eleitoral e não pelo poder judiciário, a quem Maduro afirma ter entregue as atas depois de semanas de pressão internacional.
A líder opositora venezuelana, María Corina Machado, reconheceu o papel de interlocução desses países e evita criticar o diálogo existente. “Indiscutivelmente, eles têm um canal de comunicação que outros não têm com o regime, e acredito que se mantiveram em uma posição prudente efetivamente para poderem manter essa interlocução”, disse em entrevista a meios venezuelanos.
Cortar relações diplomáticas com a Venezuela não é levado em consideração neste momento. Os três países seriam afetados em menor ou maior grau, mas Maduro parece não ter essa preocupação.
A economia da Venezuela depende basicamente do petróleo, responsável por cerca de 80% das receitas do país em exportação. Logo, enquanto houver comprador, o país tem garantia.
“O Maduro tem alianças estratégicas com China e Rússia”, lembra Marques. “Ou seja, ele está garantido em termos de venda de produtos”.
O resultado da votação
O CNE proclamou Maduro vencedor na mesma noite das eleições sem mostrar evidências críveis. A situação levou a uma crescente denúncia de fraude eleitoral. O Centro Cartes, que estava na Venezuela como observador e já elogiou o sistema eleitoral do país, afirmou que a eleição não foi transparente, não ocorreu um ataque hacker ao site do CNE - como alegou o governo - e declarou, esta semana, que o opositor Edmundo González foi o vencedor.
A oposição venezuelana publicou quase todas as atas depois de recolher os documentos com as testemunhas que tinham nos centros de votação. As atas foram escaneadas e publicadas em um site, com dados da votação mesa por mesa. Segundo a contagem, González teve 67% dos votos.
De acordo com reportagens de diferentes veículos internacionais, essas atas foram checadas por especialistas e a chance de serem fraudadas é mínima. Analistas venezuelanos acreditam que a oposição, pela primeira vez em muitos anos, se preparou para o que poderia ser apresentado pelo governo Maduro e aglutinou forças.
“A oposição tradicional tinha em Corina Machado sua última esperança, mas aconteceu algo que pode mudar o papel da oposição no futuro”, afirma o professor da Universidade Simón Bolívar Erik Del Búfalo, que desde o começo deste processo eleitoral era cético em falar que poderia haver uma transição de poder. “Muitos chavistas das primeiras configurações se uniram a essa oposição e, acredito, que isso terá um papel importante nos próximos movimentos”.
O acerto da oposição
De fato, em eleições anteriores, a oposição venezuelana, muito fragmentada, não conseguia angariar apoios ou optava por não participar da votação, alegando que o processo era fraudulento.
Essa fragmentação começa logo com a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999. “Chávez cria um projeto para o país, com mudança de Constituição, no judiciário, e tinha certa legitimidade para fazer essas mudanças. A oposição começa, então, a se fragmentar”, explica Marques.
Neste ano, neste processo, a oposição decidiu se unir em torno do nome de Corina Machado, mas ela foi inabilitada pelo governo Maduro. Ao fim, o diplomata Edmundo González saiu candidato. “Esse foi um acerto de Corina. Investir em um candidato honesto para unir oposições”, diz o professor.
Protestos
Após a proclamação de Maduro como presidente reeleito, diversos protestos começaram em diferentes cidades da Venezuela. A repressão tem sido dura e já foram feitas mais de 1.260 prisões. Outras 25 pessoas morreram e 192 ficaram feridas.
A oposição afirma que o regime chavista opera uma perseguição e repressão “sem precedentes” no país.
Nesta segunda-feira, 12, a Missão Internacional Independente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pediu ao governo Maduro que cesse a "repressão crescente" e investigue "exaustivamente" as mortes registradas nos protestos. "As mortes denunciadas no contexto dos protestos devem ser investigadas exaustivamente e, se confirmado o uso abusivo de força letal por parte das forças de segurança e a participação de civis armados agindo com a conivência dessas forças, os responsáveis devem ser responsabilizados", afirmou em um comunicado Marta Valiñas, presidente da Missão.
Entre os detidos estão líderes, simpatizantes de partidos políticos, jornalistas e defensores dos direitos humanos, considerados ou percebidos como opositores pelas autoridades, de acordo com o relatório. Muitas das detenções, segundo o relatório, ocorreram depois que as pessoas participaram de protestos ou expressaram suas opiniões nas redes sociais.
“É preciso entender que na Venezuela a repressão é brutal e imediata. Além disso, a inteligência é muito boa e as pessoas são cercadas em casa”, afirma Del Bufalo.
Cerco a redes sociais
Maduro ordenou na quinta-feira da semana passada a suspensão da rede social X (antigo Twitter) por 10 dias. De acordo com ele, Elon Musk, dono do X, “violou todas as normas da própria rede social…incitou o ódio, o fascismo, a guerra civil, a morte e o enfrentamento dos venezuelanos”.
Desde a eleição na Venezuela, Musk - que apoiou abertamente Corina Machado e González - tem escrito que Maduro destruiu a Venezuela.
Nesta segunda, o líder do Legislativo da Venezuela, Jorge Rodríguez, afirmou que a Casa - subordinada ao governo - vai impulsionar a regulação das redes sociais por meio da reforma de uma lei contra o ódio usada muitas vezes para imputar opositores.
E agora?
O que vai acontecer na Venezuela?
Como Brasil e Colômbia vão seguir pressionando Maduro?
Qual será o tamanho do êxodo venezuelano agora?
Essas perguntas vão ganhar respostas ao longo dos próximos meses, lembrando que o novo presidente venezuelano - seja Maduro ou González, a depender dos próximos capítulos - só assume o poder no ano que vem. As articulações diplomáticas seguirão e você pode acompanhar tudo pela Carta Global e por nossas redes sociais.
Mais pelo mundo:
Reino Unido em alerta no primeiro desafio do novo premiê
O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, vive seu primeiro grande desafio ao enfrentar as marchas racistas e da extrema direita que tomam conta de diversas cidades desde o dia 30 de julho. A onda de violência foi desencadeada após notícias falsas serem disseminadas sobre um ataque em Southport que deixou três meninas mortas.
Starmer pediu na sexta-feira que as autoridades continuem em alerta para garantir a segurança. No mesmo dia, um tribunal condenou à prisão um homem de 28 anos por incitação ao ódio pela internet.
Logo no início das marchas, o governo trabalhista ordenou o destacamento de um forte dispositivo policial, com 6 mil efetivos especializados na manutenção da ordem mobilizados. Além disso, determinou que a justiça agisse rápido para avaliar os casos de incentivo ao ódio e disseminação de notícias falsas.
O ataque que originou todo o caos ocorreu em uma festa em Southport, no noroeste da Inglaterra. Um homem com faca matou três meninas de entre 6 e 9 anos e feriu outras 10.
Especulações e notícias falsas foram disseminadas na internet sobre a identidade do suspeito, falsamente apresentado como um solicitante de asilo muçulmano. E isso deu origem a diversas marchas contra os imigrantes ao redor do país. A polícia informou, no entanto, que o suspeito era um jovem de 17 anos nascido no País de Gales e a imprensa britânica reportou que seus pais eram ruandeses.
Desde o início da crise, as autoridades efetuaram mais de 400 prisões e mais de 120 pessoas foram indiciadas, segundo a promotoria.
Israel segue ofensiva em Gaza; mediadores pressionam por trégua
A guerra em Gaza completou 10 meses em julho e não há sinais de quando vai acabar, apesar dos passos para uma nova negociação de cessar-fogo. Na quinta-feira, os presidentes de EUA, Egito e Qatar emitiram um comunicado conjunto pedindo que as negociações sejam retomadas nesta semana e um cessar-fogo definitivo seja discutido.
“Como mediadores, estamos dispostos a apresentar, caso necessário, uma proposta de compromisso final que resolva as questões de aplicação pendentes de modo que atenda às expectativas de todas as partes”, dizia o comunicado. O Qatar negocia há meses, juntamente com Egito e EUA, para obter uma trégua na Faixa de Gaza e a libertação dos reféns que ainda estão em território palestino.
O possível fim das hostilidades tem base em um acordo por fases, que começaria com uma trégua inicial. Israel chegou a dizer que aceitava retomar as negociações de trégua com o Hamas.
No entanto, na sexta-feira, o Exército israelense lançou uma nova ofensiva terrestre em Khan Yunis, a maior cidade do sul da Faixa de Gaza, levando a uma fuga em massa de palestinos.
Enquanto isso, a tensão no Oriente Médio cresce, como reportamos aqui na Carta Global, após a morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, no Irã. Na semana passada, Yahya Sinwar foi nomeado o novo chefe político do grupo.
Sinwar é apontado como autor intelectual dos ataques terroristas do dia 7 de outubro em Israel, que desencadearam a atual guerra em Gaza.
Nos ataques, o Hamas matou 1.198 pessoas, em sua maioria civis, no sul de Israel, segundo um balanço de agências internacionais com base em dados oficiais israelenses. Os terroristas também capturaram 251 reféns, dos quais 111 seguem sequestrados em Gaza, porém 39 deles teriam morrido, segundo o Exército israelense.
A ofensiva israelense em Gaza deixou até agora 39.677 mortos, segundo o Ministério da Saúde, comandado pelo Hamas.
Kamala e Trump farão debate no dia 10 de setembro
A rede de televisão americana ABC anunciou que vai transmitir um debate entre os candidatos republicano à Casa Branca, Donald Trump, e a democrata, Kamala Harris, no dia 10 de setembro. Faltando três meses para as eleições nos Estados Unidos, a corrida fica cada dia mais embolada.
Na semana passada, Kamala anunciou o governador de Minnesota, Tim Walz, como seu vice na chapa, em mais uma sinalização para atrair indecisos, independentes e até mesmo republicanos insatisfeitos com Trump.
Enquanto a campanha republicana vem trabalhando nos dois temas mais sensíveis aos democratas, a imigração e a economia, Kamala viaja com Walz por Estados pêndulos - que vezes votam pelos republicanos e vezes pelos democratas - cruciais para uma eventual vitória em novembro.
A candidatura de Kamala levou a uma onda de entusiasmo e sua campanha já bateu recordes de arrecadação. Poucas horas depois de Walz ser anunciado como vice, os dois democratas realizaram o maior ato da eleição até agora, diante de cerca de 10 mil espectadores no Estado da Pensilvânia.
Walz passou a ser considerado uma boa opção para a chapa de Kamala por seu papel ao falar e conseguir levar a mensagem para as classes trabalhadoras americanas e, também, ao chamar o candidato Trump e seu vice, JD Vance, de “esquisitos”. De acordo com os analistas americanos, a campanha democrata precisava de alguém que fosse para o embate e agregasse votos nos Estados cruciais.