Alemanha: conservadores devem governar com centro-esquerda, mas extrema direita avança e preocupa
AfD sai como segundo partido mais votado nas eleições legislativas, mas aliança entre CDU e SPD tenta ser um ‘paredão’ contra extremistas no poder
Por Fernanda Simas
Sem muita surpresa, a extrema direita alemã terminou as eleições legislativas com uma força que não tinha desde a Segunda Guerra Mundial. O partido AfD (Alternativa para a Alemanha) conseguiu a segunda maior bancada do Parlamento, atrás apenas dos conservadores da CDU que, no entanto, sinaliza para a formação de um governo com a centro-esquerda, criando um “paredão” que impeça a chegada da extrema direita ao governo.
A AfD obteve, até o momento de envio desta newsletter, 20,8% dos votos, quase o dobro das eleições de 2021, quando conseguiu 12,6%. Assim, o partido passa de 77 cadeiras para 150.
"Conseguimos um resultado histórico", celebrou a líder do AfD Alice Weidel aos apoiadores em Berlim, e garantiu que o partido anti-imigração agora está "firmemente ancorado" no panorama político alemão.
A preocupação de analistas agora é com as eleições de 2029, com qual força a extrema direita chegará.
Formação de governo
A aliança conservadora CDU/SDU, da direita tradicional alemã, obteve 28,6% dos votos e passará de 153 cadeiras para 208. Seu líder, Friedrich Merz, será o novo chanceler do país e vai iniciar as conversas para a formação de um novo governo aliviado.
A indicação da CDU sempre foi de que não formaria maioria com a AfD, no entanto, nas últimas semanas, Merz radicalizou o discurso e se distanciou da ex-chanceler de sua legenda Angela Merkel. Mas o resultado eleitoral permitiu que ele mantivesse a “promessa” de não formar maioria “com um partido xenófobo”.
No atual cenário, que permite a formação de um paredão contra a extrema direita, a CDU não precisa negociar com os Verdes para obter a maioria de 316 assentos no Bundestag. Isso é importante porque a CDU tenta se afastar das pautas ambientalistas, que perderam espaço nas recentes discussões na Alemanha, e tentava evitar uma coalizão com três partidos - que torna mais difícil qualquer negociação e pode ruir mais facilmente, como vimos com a “coalizão semáforo” que está deixando o poder.
Agora, deve retornar ao poder o que historicamente é conhecido como “a grande coalizão”, um governo da CDU com o SPD, do chanceler Olaf Scholz, que está justamente deixando o poder. O partido de centro-esquerda obteve 16,4% dos votos e cai de 207 cadeiras no Parlamento para 120 - o pior resultado de sua história.
Desde a formação da Alemanha, em 1949, os democratas-cristãos e os social-democratas foram os partidos hegemônicos do país e governaram juntos em três ocasiões: de 1966 a 1969, entre 2005 e 2009 e de 2013 a 2021.
Ainda não se sabe se a coalizão continuará sendo chamada de “grande coalizão” porque os dois já não são os partidos mais votados.
Fortalecimento da Europa
“Minha prioridade absoluta é fortalecer novamente a Europa o mais rápido possível para, pouco a pouco, alcançarmos a independência dos EUA”, afirmou Merz na noite de domingo.
A Alemanha - coração da Europa e motor da União Europeia - atravessa um momento de dificuldades internas, num contexto internacional agravado pelo retorno de Trump ao poder nos EUA. Merz já falou, inclusive sobre a necessidade de os países europeus repensarem se será possível continuar falando da Otan, em sua atual configuração, ou se será preciso pensar num cenário onde cada país europeu reavalie seus sistemas de defesa.
Trump comemorou os resultados na Alemanha, principalmente o avanço da AfD. "Assim como nos Estados Unidos, as pessoas na Alemanha se cansaram da agenda sem bom senso, especialmente em energia e imigração, que permaneceu por tantos anos", disse o presidente americano em uma publicação escrita em maiúsculas na Truth Social. "É um grande dia para a Alemanha", acrescentou.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, parabenizou Merz por sua vitória e afirmou estar ansioso para trabalhar com ele "neste momento crucial para nossa segurança compartilhada". "É vital que a Europa dê um passo à frente nos gastos com defesa e sua liderança será fundamental", declarou na rede social X.
O próximo governo enfrentará a recessão econômica e as ameaças de uma guerra comercial com Washington. Os círculos econômicos alemães pediram a rápida formação de um governo capaz de realizar as reformas para relançar a maior economia europeia.
"A economia alemã precisa urgentemente de um governo estável e que funcione, dotado de uma maioria clara no centro democrático", declarou Peter Leibinger, presidente da federação industrial BDI, de acordo com a agência France-Press.
Indicação sobre o tema
Na semana passada, antes do domingo de votação, o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem em formato podcast na qual a repórter viajou por partes da Alemanha questionando eleitores sobre sua visão do partido AfD e como votariam. Deixo aqui o episódio que retrata a crise e visão política que levaram aos resultados deste domingo.
Mais pelo mundo
Cessar-fogo está por um fio após troca de acusações entre Israel e Hamas
A continuidade do cessar-fogo entre Israel e o Hamas está em risco após uma semana tensa com a entrega dos corpos dos reféns mais novos que haviam sido capturados nos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 e a decisão, por parte do governo israelense, de adiar a soltura de palestinos na troca que seria feita no sábado. O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, afirmou no domingo que seu país está pronto para retomar a guerra na Faixa de Gaza a qualquer momento, enquanto o Hamas acusa o governo israelense de violar os termos da trégua.
Netanyahu determinou, no sábado, o adiamento da libertação de palestinos presos até que o Hamas acabe com as cerimônias que chamou de “humilhantes” realizadas no momento da soltura dos reféns israelenses. No dia da sétima troca de reféns israelenses por presos palestinos, o Hamas libertou os últimos seis reféns vivos da primeira fase do cessar-fogo, mas Israel não soltou os mais de 600 palestinos presos, conforme o previsto.
A primeira fase da trégua na guerra de 15 meses deve terminar no dia 1 de março, mas até agora os termos da segunda fase não foram devidamente acordados. “Foi decidido adiar a libertação de terroristas… até que a próxima libertação de reféns (israelenses) seja garantida sem as cerimônias humilhantes”, disse o gabinete do governo.
Como havia ocorrido em ocasiões anteriores, o Hamas usou o momento da entrega de reféns como propaganda contra o governo de Netanyahu e realizou uma encenação com combatentes exibindo os reféns em uma espécie de pódio diante de uma multidão.
No entanto, a tensão já era maior do que o normal porque dias antes o Hamas entregou os corpos de quatro reféns mortos em uma cerimônia de propaganda contra Netanyahu, com música e bandeiras, que chocou o mundo e levou a diversas críticas da comunidade internacional e da ONU. O local escolhido foi a região de Khan Yunis, onde há algumas semanas se concentravam as tropas israelenses.
Combatentes fortemente armados do Hamas levaram os quatro caixões pretos para os responsáveis do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Os corpos seriam de Shiri Bibas e seus filhos, Ariel e Kfir Bibas, e de Oded Lifshitz.
Integrantes do CICV colocaram um tecido branco em cima de cada caixão e encaminharam os corpos para um rabino militar, que realizou uma cerimônia ainda dentro de Gaza.
Mais tarde, o Centro de Medicina forense de Abu Kabir, perto de Tel-Aviv, afirmou que um dos corpos não correspondia ao de Shiri Bibas. O Hamas respondeu que a família Bibas estava sob poder da Jihad Islâmica e iria averiguar o que tinha acontecido.
O Hamas alega que os reféns foram mortos em um bombardeio israelense contra a Faixa de Gaza. Mas autoridades israelenses dizem, com base em análises forenses, que eles foram mortos “pelas mãos do Hamas”, de forma brutal.
Se em Gaza a situação é incerta, na Cisjordânia uma incursão militar se agrava desde sexta-feira. No domingo, o ministro israelense da Defesa, Israel Katz, anunciou que a incursão em vários campos de refugiados em Jenin, Tulkarem e Tubas se prolongará durante todo este ano e os cerca de 40 mil palestinos que foram deslocados não poderão retornar.
Ainda no domingo, o Exército israelense mobilizou uma divisão de tanques em Jenin.
Guerra na Ucrânia completa 3 anos com pressão de Trump por acordo de paz
Nesta segunda-feira, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, recebeu diversos líderes estrangeiros no marco do terceiro aniversário da invasão russa ao seu país. Entre os presentes estavam a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyer, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e o espanhol Pedro Sánchez. Mas o destaque foi para a ausência dos Estados Unidos.
O presidente americano, Donald Trump, adotou a retórica russa de culpar Kiev pela invasão em 2022 e abriu diálogos com Moscou para encerrar o conflito, mas sem a participação da Europa e da própria Ucrânia. Além disso, Trump insiste em recuperar o montante em ajuda entregue a Kiev desde o início da guerra por meio de acesso a recursos minerais ucranianos.
Ao longo do fim de semana, Zelenski até falou em aceitar que os EUA tenham acesso a recursos minerais, desde que enviem tropas americanas e de outros países ocidentais para a linha de frente da guerra. Contudo o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou diversas vezes que isso seria encarado como uma declaração de guerra por parte do país que enviar tropas.
A Rússia tem dito que está disposta a negociar a paz desde que o acordo seja conveniente para ela. No fim de semana, forças russas lançaram mais de 260 drones contra todo o território ucraniano de uma vez só, no maior ataque do tipo.
Nesta segunda, o governo britânico anunciou 107 novas sanções contra pessoas e entidades russas e de outros países, como China e Coreia do Norte, por continuarem apoiando a invasão da Ucrânia. As empresas sancionadas estão, por exemplo, na Turquia, Tailândia e Índia.
Médicos que atuam na linha de frente da guerra temem que um acordo feito entre Trump e Putin leve à inevitável perda de territórios por parte da Ucrânia e, futuramente, a uma nova invasão russa.