O furacão Milton nos EUA: crise climática, destruição e eleição
Analistas alertam para piora de fenômenos com o aquecimento dos oceanos; há menos de um mês da votação americana, tema se torna eleitoral
Por Fernanda Simas
O furacão Milton, que passou essa semana pela Flórida, deixou um saldo de 16 mortos e US$ 50 bilhões em danos no Estado americano. Também trouxe novamente à tona a discussão sobre mudanças climáticas - já que analistas afirmam que essa pode ser a principal causa da piora na intensidade dos fenômenos naturais - e mexeu com a campanha americana à presidência.
“Os furacões ocorrem numa junção do oceano em determinada região com temperatura muito acima do que deveria ter, somado com os ventos”, explica Ronaldo Christofoletti, professor no Instituto do Mar, da Unifesp. “O oceano mais quente gera muito mais umidade, que vai para o mar, se dissolve e forma nuvens muito densas. Esse calor do oceano com aquelas nuvens densas se juntam aos ventos e forma esse redemoinho muito forte. Quando ele toca a terra, não tem mais a energia do calor excessivo por baixo, e diminui de intensidade.”
Um estudo da rede World Weather Attribution (WWA), divulgado nesta sexta-feira, mostrou que as chuvas que acompanharam o furacão Milton foram entre 20% e 30% mais intensas justamente em razão das mudanças climáticas, e os ventos foram 10% mais fortes.
E por que as mudanças climáticas impactam na temperatura dos oceanos? O aumento de calor na atmosfera, em razão dos gases do efeito estufa que retêm esse calor, leva ao aquecimento do oceano.
Segundo Christofoletti, nos últimos 20 anos, o aquecimento do oceano foi de 0,6ºC - e o oceano tem 20°C. “Só no último ano, ele aqueceu de uma vez 0,4°C”.
Nos EUA, as consequências desses fenômenos ficaram evidentes: a passagem do Milton deixou quase 2,5 milhões de residências e estabelecimentos sem energia na Flórida e algumas áreas devastadas pelas tempestades entre o Golfo do México e o Oceano Atlântico continuam alagadas.
Milton alcançou a costa do Golfo da Flórida na noite de quarta-feira como furacão de categoria 3, de uma escala que vai até 5, com ventos que atingiram comunidades que ainda se recuperavam da passagem do ciclone Helene há duas semanas - e havia deixado 237 mortos em todo o sudeste dos Estados Unidos, incluindo a Flórida.
E a política nisso tudo?
Estamos na reta final da campanha presidencial americana. Kamala Harris e Donald Trump seguem em empate técnico, segundo as pesquisas de intenção de votos. Com isso, a passagem e medidas tomadas com relação ao furacão Milton se tornaram temas eleitorais.
O governo americano preparou um plano de retirada de pessoas da Flórida diante dos alertas de que esse furacão poderia ser o pior a afetar o Estado em 100 anos. O Serviço Meteorológico Nacional chegou a emitir 126 alertas de tornado em toda a Flórida na quarta-feira, o maior número em um único dia para o Estado desde 1986, escreveu o especialista em furacões Michael Lowry, citado pela agência France-Press.
Após a passagem do Milton, o presidente Joe Biden pediu que as pessoas ficassem em casa, em razão do perigo de deslocamentos com linhas de energia derrubadas e escombros.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, Trump afirmou que estava rezando pelos moradores da Flórida afetados e pediu que votassem nele.
Kamala, que é a vice-presidente, havia sido criticada, ao lado de Biden, pela resposta inicial ao furacão Helene. Na ocasião, o presidente passou o fim de semana trabalhando de sua casa de praia enquanto Kamala estava na costa oeste do país em um evento de arrecadação da campanha
Tragédia e fake news
Trump espalhou uma série de fake news sobre a resposta da Casa Branca e isso tumultuou ainda mais o cenário eleitoral. As informações distorcidas foram direcionadas, principalmente, à Agência Federal de Gerenciamento de Emergências (Fena) e diziam que o governo Biden teria desviado para migrantes recursos destinados aos afetados pelas tempestades.
Em uma entrevista coletiva, Biden precisou desmentir as informações. “Disseram que propriedades estão sendo confiscadas, mas isso não é verdade. Dizem que as pessoas afetadas por essas tempestades receberão US$ 750 em dinheiro e nada mais. Isso não é verdade…Dizem que o dinheiro necessário para essa crise está sendo desviado para os migrantes. Que ridículo. Não é verdade”.
Discussão em segundo plano
Enquanto a política ficou tomada pela discussão sobre as verdades e mentiras da resposta americana a Milton e Helene, o combate às mudanças climáticas foi ofuscado. Mas o aquecimento dos oceanos impacta diretamente nas cenas vistas ao longo da semana e chega no bolso de todos.
“Quando o oceano está mais quente, o sistema atmosférico não funciona como deveria. Isso leva aos furacões que estamos vendo”, afirma Christofoletti. “No caso do Brasil, por exemplo, vemos as bolhas de massa de ar quente que ficam presas na região central, com o degelo da Antártica, vemos frentes frias muito fortes e frequentes na costa.”
O oceano é apontado como o estabilizador e controlador do clima. Quando temos a desregulação do sistema climático, com períodos de seca e chuvas mais intensas, por exemplo, isso muda ainda a biodiversidade e afeta atividades econômicas.
O agronegócio depende do ciclo de chuvas. “O agro sabe o momento de plantar e colher. Quando o clima fica instável e com ciclos extremos, temos impactos nas plantações, na biodiversidade, na balança econômica brasileira e, por fim, no nosso bolso”, diz o pesquisador da Unifesp.
E não se pode esquecer que esses impactos encontram com a questão social de cada país, cada Estado e cidade. “Todo mundo será impactado, mas não da mesma forma. É o que chamamos de Justiça climática. Os mais pobres, as áreas de maior vulnerabilidade, serão mais afetadas”, ressalta Christofoletti.
Em menos de um mês, eleitores americanos vão às urnas e saberemos o peso que as discussões climáticas tiveram na votação. Continuem acompanhando os temas que impactam a eleição nos EUA aqui na Carta Global.
Mais pelo mundo:
Crianças são recrutadas por gangues no Haiti em troca de comida, diz HRW
A Organização Human Rights Watch divulgou nesta semana um relatório sobre a situação humanitária no Haiti e afirmou que as gangues armadas, que tomaram conta da capital, Porto Príncipe, estão recrutando cada vez mais crianças para suas fileiras. E, em troca, oferecem comida.
Segundo a HRW, centenas, senão milhares, de crianças no país, juntaram-se nos últimos meses a grupos criminosos para tentar evitar a fome e a pobreza. Nas gangues, são forçadas a atividades ilegais e enfrentam abusos.
A organização conversou com seis crianças que se envolveram com as gangues. Todas disseram que queriam sair daquelas condições, mas os grupos criminosos eram sua única forma de obter alimento, dinheiro e até abrigo.
O relatório afirma que os meninos são usados como informantes, aprendem a usar armas e entram em confronto com a polícia. As meninas são obrigadas a cozinhar e limpar a casa, e sofrem abusos sexuais frequentes. A HRW diz, ainda, que no caso de gravidez, muitas meninas são descartadas dos grupos.
Em uma entrevista à agência France-Press, a representante especial das Nações Unidas para a violência contra crianças disse que a infância sofre uma “violência sem precedentes no país”. Um relatório da pediatra marroquina Najat Maalla M'jid mostra que mais de 450 milhões de crianças viviam em zonas de conflito no final de 2022 no Haiti; 40% dos 120 milhões de deslocados até o final de abril eram menores de idade; 333 milhões de crianças vivem em extrema pobreza e mais de 1 bilhão está em alto risco de serem afetadas pelas mudanças climáticas.
A situação da segurança no Haiti continua crítica, mesmo após a chegada da Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MMAS), liderada pelo Quênia. As estradas nacionais continuam ocupadas por gangues, que controlam a maior parte da capital.
O Haiti, que já era o país mais pobre das Américas, sofre há muito tempo a violência de gangues criminosas, mas nos últimos meses a situação piorou, agravando uma crise humanitária quase permanente.
Israel sob críticas após ataques contra força de paz da ONU no Líbano
A força de paz da ONU no sul do Líbano (Unifil) informou neste sábado, 12, que outro soldado capacete azul foi ferido na sexta perto da fronteira com Israel por disparos de fonte desconhecida. Esse é o terceiro relato da Unifil de que suas tropas estão sendo atacadas.
Quatro outros capacetes azuis, de nacionalidades indonésia e do Sri Lanka, foram feridos na quinta e sexta-feira, pelo menos dois deles por disparos israelenses.
Neste sábado, a agência France-Press divulgou que um porta-voz da Unifil garantiu que os confrontos entre Israel e a milícia xiita radical Hezbollah causaram "muitos danos" às suas posições. “O trabalho é muito difícil porque há muitos danos, mesmo dentro das bases", disse à France-Press Andrea Tenenti.
O Exército israelense afirma ter disparado contra uma "ameaça" próxima à posição das forças da ONU durante a semana e garantiu que está conduzindo uma investigação "em profundidade" para estabelecer os detalhes do ocorrido.
Os ataques contra a Unifil levaram a fortes reações de líderes internacionais. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu a Israel que pare de disparar contra as forças de paz.
Reunido em uma cúpula no Chipre, o chefe de governo da Espanha, Pedro Sánchez, instou a comunidade internacional a deixar de fornecer armas a Israel e exigiu "o cessar de todo tipo de violência" contra a Unifil.
A premiê italiana Giorgia Meloni considerou os ataques "inaceitáveis". O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que a França "não vai tolerar" novos incidentes desse tipo.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que os ataques são "uma violação do direito humanitário internacional".