Europa em 2024: perda de relevância política e econômica
Alemanha e França, as duas principais economias da União Europeia, vivem crises sérias que respingam na falta de liderança do bloco
Por Fernanda Simas
Estamos chegando ao fim de um ano marcante para a geopolítica internacional, que consolidou a tendência da desglobalização e desintegração econômica. Nesse contexto, vimos o enfraquecimento econômico e fragmentação política na União Europeia, bloco que pode ter mudanças significativas a partir de 2025.
França e Alemanha, os dois países - até agora - bastiões econômicos do bloco, estão em crise. Crise política interna, crise econômica e, consequentemente, crise no papel de liderança europeia.
A Alemanha viu a coalizão semáforo - como é chamada a aliança entre os partidos Social-Democrata (SPD), Democrático Livre (FDP) e Aliança 90/Os Verdes. O chanceler Olaf Scholz demitiu o ministro das Finanças Christian Lindner após desentendimentos sobre a condução da economia do país.
Scholz tenta impulsionar o gasto público para recuperar o crescimento alemão, mas sem o apoio necessário. Segundo as previsões, a Alemanha deve ter retração do PIB pelo segundo ano seguido.
Após a demissão de Lindner, o PDL se retirou da coalizão governista e Scholz perdeu a maioria no Parlamento. Com isso, ele afirmou que convocará um voto de confiança para o dia 15 de janeiro. Caso perca, pode convocar novas eleições ainda para fevereiro ou março - antecipando o pleito originalmente previsto para setembro do próximo ano.
Enquanto isso, o partido que ganha força no país é o da extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD).
Política frágil
Na França, o presidente Emmanuel Macron teve resultados decepcionantes nas eleições europeias, com crescimento da extrema direita, em julho. Macron decidiu, então, antecipar as eleições nacionais.
No fim, o bloco da esquerda saiu como maior grupo, o macronismo com a segunda maior bancada e a extrema direita, com a terceira. Mas Macron não consegue governar, o país tem um Parlamento dividido - que pode ser dissolvido novamente em junho/julho de 2025 - e a crise continua.
Com eleições presidenciais previstas para 2027, Macron tenta sobreviver. Ao contrário do que ocorre na Alemanha, o presidente quer diminuir gastos com um ajuste fiscal.
De forma geral, a União Europeia teve um crescimento econômico decepcionante neste ano e enfrenta uma forte crise de liderança em razão das crises nas duas principais economias do bloco. A Europa tem perdido espaço para os Estados Unidos e a China e vive, inclusive, uma guerra comercial com o país asiático.
O cenário que vem se desenhando é um bloco que vê surgir muitos partidos políticos com bandeiras contrárias à União Europeia e, neste momento, tem na figura da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, uma certa liderança em ascensão.
Acordo com o Mercosul
Está em jogo, ainda, o recente acordo de livre comércio assinado, após 25 anos de negociações, entre a União Europeia e o Mercosul. O tratado, que no lado da UE foi negociado pela Comissão e não pelos Estados-membros do bloco, integraria um mercado gigantesco de mais de 700 milhões de pessoas e precisa ser ratificado pelos Estados-membros.
O acordo se torna muito necessário hoje para as principais economias europeias que vinham perdendo mercado com a ascensão chinesa e a guerra entre Ucrânia e Rússia, mas correm o risco de perder ainda mais com a volta de Donald Trump à presidência dos EUA.
Alemanha e Espanha, diante desse cenário, apoiam o acordo.
França e Itália são críticas e dizem que o pacto não protege suficientemente seu setor agrícola contra a concorrência do Cone Sul. Na França, o setor agrícola representa 1,9% da economia, mas paralisa o acordo em razão do seu poder político. Polônia, Holanda e Áustria também estão relutantes em firmar o pacto comercial.
Para completar, Trump, que assumirá em janeiro, ameaçou, agora em dezembro, a UE com a adoção de tarifas alfandegárias se o bloco não reduzir seu superávit comercial com os EUA por meio da compra de petróleo e gás.
Indicação sobre o tema
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul deve ter novos desdobramentos em 2025. Mas o pacto é detalhado e esse não era o foco da newsletter desta semana. Por isso, deixo aqui como dica a reportagem “Claves de un pacto para más de 100.000 millones en intercambios comerciales entre 31 países” do jornal espanhol El País.
Mais pelo mundo (versão retrospectiva):
O ano que mudou o Oriente Médio
Outra região que passou por muitas mudanças em 2024 e pode ter ainda mais surpresas com a volta de Trump ao poder é o Oriente Médio. Foram mudanças estruturais, o equilíbrio de forças mudou e está mudando.
Desde outubro de 2023, após os ataques terroristas do Hamas contra Israel, a região vive turbulências. A guerra em Gaza foi só o começo e deixou, até agora, mais de 43 mil pessoas mortas em Gaza.
O que se viu ao longo de 2024, e havia sido uma promessa do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, foi a busca israelense do enfraquecimento dos aliados do Irã. As forças de Israel agiram contra o Hamas, a milícia radical xiita libanesa Hezbollah, os houthis no Iêmen e contra bases de apoio ao Irã na Síria.
Mas o mais surpreendente foram os dois confrontos diretos entre Israel e Irã: em abril e em outubro. Agora, o regime iraniano vê com preocupação sua posição regional.
Já na reta final de 2024, toda essa turbulência estoura na Síria, o que leva à queda do governo de Bashar al-Assad após 13 anos de guerra civil. O regime Assad havia perdido o apoio da Rússia - envolvida na guerra com a Ucrânia -, do Irã e do Hezbollah - enfraquecidos pelos confrontos com Israel.
As derrotas da Ucrânia
A guerra que começou a mudar a geopolítica em fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, pode se encaminhar para algum tipo de fim em 2025, se depender da promessa de Trump. Mas esse fim parece significar que a Ucrânia aceite as derrotas tidas até agora.
O ano de 2024 foi de vitórias para a Rússia, que tem maior capacidade militar que a Ucrânia e vem conseguindo avanços constantes, principalmente nas regiões que domina: Luhansk, Donetsk, Zaporizhia e Kerson.
Movimentações na América Latina
Eleições, fraudes, apagões, ondas de violência. Não faltou turbulência em 2024 para a nossa região, mas o grande destaque que levará a novos desdobramentos em 2025 - falando em termos de geopolítica - é a Venezuela.
A expectativa de vitória do oposicionista Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais de julho - a oposição falava que ele poderia ter até 70% dos votos num raro momento de união - foi quebrada com a divulgação do resultado pela autoridade eleitoral: 51% de votos para Nicolás Maduro. O detalhe é que as atas das urnas nunca foram apresentadas e cresceram as denúncias de fraude.
O Brasil não reconheceu a reeleição de Maduro e exige que as atas sejam apresentadas. Resta saber como ficará a diplomacia entre os dois países a partir de 2025. Alguns países, como os EUA, reconheceram Urrutia como o vencedor.
O fator Trump
Tudo isso que foi colocado aqui terá como elemento a mais o fator Trump. O republicano voltará à presidência dos EUA em 2025, mas analistas ainda tentam decifrar quais promessas feitas serão cumpridas.
Trump vai, de fato, impor tarifas a países da AL, a parceiros europeus, aos chineses? Como será o tratamento dos imigrantes em situação ilegal nos EUA, hoje um dos motores da economia americana?
E como sua nova presidência vai moldar as relações internacionais? Muitos países aguardam esperançosos e muitos preocupados. Fato é que trataremos muito disso por aqui em 2025
Agradecimento
Este ano, a Carta Global ganhou vida. Quando a guerra em Gaza completou seis meses, essa newsletter começava. Obrigada a todas e todos que estão acompanhando este trabalho, que assinam a Carta e contribuem para esse sonho seguir.
Quem quiser deixar sugestões para o próximo ano, é só escrever!
Teremos uma breve pausa nas publicações e a primeira Carta de 2025 volta na semana do dia 15 de janeiro. Até lá!